Você não precisa ter acompanhado a Fórmula 1 dos anos 1980 para saber que Nelson Piquet é o piloto mais zuêro da história da categoria. Mesmo depois de se aposentar, sua metralhadora verbal e seu humor quase sem limites continua arrancando gargalhadas no grande circo do automobilismo. Quer provas disso? No último GP do Brasil, aos 62 anos e quase 25 anos depois de abandonar os monopostos, ele não resistiu às câmeras e ao microfone que lhe entregaram e aprontou mais uma das suas. Uma não… duas!
Primeiro, Piquet estava assistindo à prova nos boxes da Mercedes ao lado de Niki Lauda. Então a câmera “paparazzi” da FOM decidiu mostrar como os dois tricampeões são amigos e tudo mais, mas logo que viu a câmera e, Pique não pensou duas vezes e tentou tascar um beijo no austríaco, que conseguiu se esquivar gargalhando como poucas vezes se viu.
Sua próxima vítima foi Lewis Hamilton, que não teve a mesma sorte de Lauda e levou uma tirada da qual foi impossível desviar. O britânico estava no segundo lugar do pódio e Piquet foi o encarregado de “entrevistar” os três primeiros colocados. Nico Rosberg, o vencedor, e Felipe Massa, que ficou em terceiro, devem ter respirado aliviados quando Hamilton foi o escolhido para responder uma pergunta que só poderia ter vindo de Nelson Piquet:
Primeiro, Hamilton, eu preciso dizer que sinto a maior inveja de você — não apenas por sua pilotagem mas também pela sua namorada. Cadê a Nicole?”
Dizem por aí que Hamilton é um cara bem ciumento e não curte brincadeiras com a namorada
Nicole Scherzinger estava em casa — ou ao menos foi o que Hamilton disse, sem graça e querendo preservar a intimidade da ex-Pussycat Dolls. Piquet sendo Piquet — alguém esperava algo diferente ao dar um microfone para o tricampeão?
Nelson Piquet é um cara tão técnico quanto irreverente, uma combinação de piadista, rabugento, inventor e desenvolvedor — uma mistura curiosa, no mínimo. E ele também é um cara que jamais segurou a língua durante entrevistas, e momentos famosos como a resposta a Marcelo Tas — “a gente está correndo atrás do dinheiro” — e a sua posição sobre a suposta (e jamais comprovada) homossexualidade de Ayrton Senna (“o boato corria pelo box todo, não era eu que espalhava”) são só alguns deles.
A entrevista concedida a Jô Soares onde ele chama Nigel Mansell de “um idiota veloz”, pois o inglês conseguiu perder três títulos mundiais (1986, 1987 e 1991) e ele venceu três, mostra que quando quer ser ácido, ele consegue — e ainda domina a arte de fazer tudo parecer uma brincadeira quando, na verdade, na maioria das vezes é uma cutucada com uma pitada de humor negro.
E Mansell sempre foi uma das maiores vítimas das palavras de Piquet, algo que não mudou mesmo depois de 25 anos praticamente sem se falarem — o reencontro aconteceu no ano passado, no programa Linha de Chegada do SporTV: depois que Mansell conta como foi seu acidente em Suzuka em 1987, que o deixou fora das duas últimas corridas por uma concussão na coluna vertebral, os dois pilotos são questionados sobre seus melhores e piores momentos naquele ano. Piquet — que conquistou seu terceiro título mundial em 1987 — diz que o melhor momento para ele foi quando Mansell bateu… e ainda arranca risadas do bigodudo.
Em outra situação, Piquet disse que Mansell tinha as duas mulheres mais feias do mundo em casa: a primeira era sua mulher e a segunda a estátua que ele fez da esposa. E tem mais: quando perguntaram as principais diferenças entre ele e Mansell, Piquet parecia ter ensaiado em casa para o dia que perguntassem isso (avance para 1:29):
Ayrton Senna também foi vítima da acidez de Piquet durante o período em que ambos estavam na F1, fosse nos momentos de rivalidade (quando Piquet ultrapassa Senna no GP da Hungria em 1986 e supostamente mostra o dedo do meio para ele)…
“Fiz um gesto bacana… mandei ele tomar no c*.”
… ou fosse nas brincadeiras depois das corridas, como quando ele fez um chifrinho no então presidente da FIA, Jean-Marie Balestre.
Prost também não ficou de fora — “Ele é um cara que, como é aparentemente muito feio, fica amigo do cara para comer a mulher do cara”. E não foram poucas as vezes em que Piquet tirou sarro do tamanho avantajado do nariz do francês.
Mas isto é só uma fração do que Piquet já disse fora do cockpit. Comentando seu eu acidente em Imola, no qual uma pancada em seu capacete o deixou com danos permanentes à visão, o piloto diz que perdeu 80% da profundidade da visão e que isto comprometeu seu desempenho, mas se revelasse o problema certamente seria impedido de correr.
O vídeo abaixo é um compilado destes e de outros momentos da carreira de Piquet — a maioria deles é bem engraçada, diga-se (e a edição, de autoria do usuário do YouTube backspaceracing, torna tudo ainda mais legal). Contudo, é impossível não pensar que esta irreverência seja uma resposta bem humorada à imagem que os brasileiros têm de Nelson Piquet Souto Maior — que o modo como as corridas eram transmitidas aqui no Brasil ajudou a construir.
É só reparar na dobradinha Piquet-Senna em 1986 (por volta dos 3:25 do vídeo): o nome de Senna é mencionado antes e com mais ênfase do que o de Nelson Piquet por algumas vezes, mesmo Ayrton tenha sido o segundo. Claro que ele não perdeu a oportunidade de zoar o narrador oficial da F1 no Brasil:
E não foi só o Galvão Bueno, não. Murray Walker, a voz da F1 na Inglaterra também sofreu na mão de Piquet:
Nada disso, contudo, muda o fato de que Piquet trouxe três dos oito títulos mundiais de Fórmula 1 no nosso currículo — depois do bicampeonato de Emerson Fittipaldi e antes do tri de Senna. O cara é um dos nossos heróis, sem dúvida — e torcemos para que ele não mude jamais.