Lembra quando o Porsche 918 Spyder era novidade, junto com o McLaren P1 e a Ferrari LaFerrari? O supercarro da Porsche, sucessor do mítico 959 e do belíssimo (e sonoro) Carrera GT, conquistou muitos entusiastas por parecer o mais “normal” dos hipercarros híbridos (eu mesmo escolheria o 918 Spyder entre os três). Mas ele tem uma coisa que os outros dois não têm: saídas de escape montadas em posição bem elevada, em cima do motor, próximas ao diminuto vigia traseiro.
Mas qual é a função delas naquela posição, além de garantir um visual para lá de bacanudo ao 918 Spyder? Na verdade, há mais de uma resposta. E, à moda tipicamente alemã, todas elas têm mais a ver com função do que com forma.
Por mais que os benefícios à forma sejam inegáveis
Como nunca discorremos a respeito desta característica do 918 Spyder, e como ele é meu supercarro híbrido favorito, decidimos explicar aqui, agora, por que a Porsche resolveu adotar os “top pipes” (é assim que eles chamam os top mounted tailpipes).
O Porsche 918 Spyder tem um motor V8 naturamente aspirado em posição central-traseira. O motor de 4,6 litros deriva diretamente de um projeto de corrida, o Porsche MR6, que foi usado no protótipo RS Spyder – carro de corrida lançado em 2005 que competiu em provas de longa duração até 2010. Sem o auxílio dos motores elétricos, o 918 Spyder tem 608 cv a 8.500 rpm e 53,8 mkgf de torque à disposição. É um motor de alto rendimento, que gera uma quantidade absurda de calor quando em pleno regime de funcionamento. E as coisas ficam ainda mais quentes quando se adiciona um sistema com motores elétricos, recuperação de energia cinética (KERS) e, especialmente, baterias.
O sistema de escape de um motor é o hot side do mesmo – o ar que sai de lá, no caso do 918 Spyder, pode chegar a ter 450°C de temperatura depois que passou por todo o ciclo de combustão (como você deve ter presumido, a admissão é o cool side, porque o ar que entra por ali é frio). Como estamos falando de um motor de supercarro, as coisas podem ficar bem críticas, e bem rápido, quando não se extrai o calor do motor de forma eficiente.
Primeiro, o sistema de escape do 918 Spyder fica do lado de dentro do “V” do motor (o único naturalmente aspirado do planeta com esta configuração) e tem um abafador menor, de 24 litros, montado logo antes das saídas de escape (no 911 GT3, por exemplo, são 48 litros). Com isto, o ar quente faz a rota mais curta e é extraído daquela região mais rapidamente.
A posição elevada beneficia até mesmo a eficiência das baterias: como elas ficam no assoalho do carro, entre o motor e o cockpit, ter um coletor de escape saindo por baixo dos cabeçotes, como nos V8 comuns, aumentaria demais a temperatura do conjunto. Sem o escape por perto, elas conseguem trabalhar entre 20°C e 40°C, sua temperatura ideal de funcionamento.
O abafador menor também ajuda a reduzir a contrapressão no sistema de escape. Os gases correm de forma mais livre, o que é bom para um motor que gira alto como o do 918 Spyder. Sabe aquela sensação de motor amarrado em alta? Acontece quando o escape não dá conta de expelir os gases suficientemente rápido.
Como vimos neste post, em um motor naturalmente aspirado é importante que a pressão do ar admitido pelo motor seja maior que a pressão dos gases expelidos pelo mesmo – isto melhora o fluxo do motor e, consequentemente, sua eficiência na queima da mistura e seu rendimento.
Um bônus: o fato de os gases de escape passarem por uma rota mais curta para ser expelidos, aumenta a chance de rolarem uns backfires azuis muito maneiros, pois parte da mistura ar-combustível acaba chegando ao coletor de escape e explodindo com a alta temperatura.
Outro benefício é a redução de peso: o Porsche 918 Spyder deixou as saídas bem próximas do coletor de escape, reduzindo a quantidade de tubulação necessária. A partir daí, a coisa fica simples: menos tubos, menos peso. O escape do 918, completo, pesa apenas 29 kg.
Para garantir que a superfície sob o sistema de escape resista ao calor e que o carro não se danifique, um suporte de aço inox com 9 mm de espessura, revestimento especial e nada menos que 7.346 furos usinados na mesma.
Por fim, há um benefício indireto: uma melhoria na aerodinâmica. Isto porque o sistema de escape na região superior evita que toda a tubulação passe por baixo do carro e torna mais simples deixar o assoalho quase todo plano.
Quando o carro está em movimento, o ar encontra menos resistência para passar por baixo dele e, com isto, há menos pressão na região. Com menos pressão embaixo, a pressão do ar que passa sobre o carro é proporcionalmente maior, e o resultado é mais downforce. É por isto que os componentes aerodinâmicos do 918 Spyder são mais discretos em relação a seus dois grandes rivais.