Quantas vezes você não leu na internet alguém falando sobre como os carros estão cada vez mais engessados, robóticos e autossuficientes, com controles eletrônicos para tudo, câmbio de dupla embreagem e motores elétricos? E quantas vezes foi você o autor destas reclamações? Pois não importa: o que importa é que, aparentemente, as fabricantes estão ouvindo. Ao menos as fabricantes de supercarros, que sempre são os primeiros a adotar novas tecnologias.
Na edição 2017 do Salão de Frankfurt, duas fabricantes alemãs apresentaram modelos que podem ser encarados como uma volta às raízes: a Porsche, com o 911 GT3 “Touring Package”; e a Audi, que com o R8 RWS decidiu finalmente dar tração traseira a seu supercarro. Vamos dar uma olhada nestes dois caras.
Porsche 911 GT3 “Touring Package”
Em março de 2016 a Porsche apresentou o 911R, versão limitada a 500 unidades com o motor de quatro litros e 500 cv do 911 GT3 e câmbio manual de seis marchas. Chamamos o carro de “um sonho purista”, e estávamos conformados com o fato de ele ser a única forma de se conseguir o incrível flat-six do GT3 em um pacote mais old school – ainda mais sabendo que apenas 991 unidades seriam feitas.
Então cá estamos, já avançados na segunda metade de 2017, e a Porsche nos apresenta o 911 GT3 Touring Package… que é essencialmente a mesma coisa que um 911R. Isto é maravilhoso, mas também é um problema, e a gente já vai chegar no motivo. Mas antes, vamos falar um pouco do carro.
Tal qual o 911R, o 911 GT3 com o Touring Package (homenagem ao nome um pacote de equipamentos disponível no 911 Carrera RS de 1973, que pode ser visto como o primeiro ancestral do GT3 moderno) coloca o motor de 500 cv a 8.250 rpm e 46,9 mkgf de torque a 6.250 rpm em um carro de visual mais civilizado, dispensando a asa traseira fixa usada no GT3 comum e adotando a asa retrátil do Carrera.
No mais, a carroceria é igual à do GT3, com os mesmos para-lamas (44 mm mais largos que no Carrera), para-choques e outros elementos, como os faróis e lanternas. As rodas são as mesmas peças de com cubo rápido, de 20×9 pol na dianteira e 20×12 pol na traseira, calçadas com pneus pneus 245/35 e 305/30 respectivamente. O carro também é 25 mm mais baixo que um 911 de entrada.
Outros detalhes são o pequeno spoiler do tipo “Gurney flap” na asa traseira (que ajuda a reduzir a turbulência do ar na região), acabamento na cor prata nos faróis, janelas e saídas de escape (que podem ser pretas, caso se opte pelo pacote “Black Exterior”, que também aplica máscaras negras nos faróis e lanternas).
Do lado de dentro, as coisa também ficaram mais chiques, por assim dizer: em vez de Alcantara, couro nos bancos, na coifa do câmbio, no volante nos revestimentos de porta, nas maçanetas e na tampa do porta-objetos do controle central. O painel tem detalhes de acabamento em alumínio escurecido e tela sensível ao toque com todos os recursos já presentes no 911 GT3, incluindo navegação por GPS e data logger que pode ser sincronizado com o smartphone.
No mais, o conjunto mecânico do carro é igual ao de qualquer GT3 manual, incluindo o motor capaz de girar a 9.000 rpm e o sistema de esterçamento das rodas traseiras. No caso do Touring Package, estamos falando de um carro capaz de chegar aos 100 km/h em 3,9 segundos com máxima de 316 km/h. E é aí que mora o “problema”: depois de anunciar uma edição limitada do 911 com com o motor do GT3, visual mais contido e câmbio manual, agora a Porsche, na prática, a transformou em uma versão fixa – ainda mais discreto visualmente, quase um sleeper para os padrões do 911. Tem gente que vai chiar.
Audi R8 RWS
Pela primeira vez desde o lançamento, o Audi R8 abandona a tração integral com sua nova versão RWS (Rear Wheel Series). Mais do que isto, ele se torna o primeiro Audi de tração traseira produzido em série em toda a história da marca.
De acordo com a Audi, a ideia do R8 RWS é trazer o espírito do Audi R8 LMS, que disputa corridas de longa duração, para as ruas. Assim, faz sentido que eles exaltem seu motor V10 naturalmente aspirado de 5,2 litros e 540 cv – foi utilizado como base o R8 de entrada, talvez por seu approach mais minimalista – que também entrega 55 mkgf a 6.500 rpm. O câmbio é o mesmo S-Tronic de dupla embreagem e sete marchas, recalibrado para o novo layout mecânico.
Com isto, o novo R8 RWS cupê é capaz de chegar aos 100 km/h em 3,7 segundos (3,8 segundos para o Spyder) com velocidade máxima de 318 km/h (317 km/h para o conversível). Em ambos os casos, houve uma redução de peso por conta dos componentes removidos, como a embreagem multidisco e o diferencial central. Com isto, o cupê pesa 1.590 kg (50 kg a menos que a versão de tração integral) e o Spyder, 1.680 kg (40 kg a menos). A distribuição de peso ficou mais traseira: 40,6:59,4 para o cupê e 40,4:59,6 para o Spyder.
O R8 teve seu comportamento dinâmico e seus sistemas eletrônicos retrabalhados para garantir que se possa fazer derrapagens controladas com ele – segundo a Audi, nem é preciso desligar tudo: basta escolher o modo de direção “dynamic” e ajustar o controle de estabilidade (ESC) para o modo “Sport”. A empresa ainda garante que a direção com assistência elétrica é totalmente livre de esterçamento por torque, o que ajuda na precisão das manobras.
Até o visual do carro dá pistas de sua personalidade mais radical: as rodas de alumínio pintadas de preto têm 19 polegadas e calçam pneus de medidas 245/35 na dianteira e 295/25 na traseira. Os detalhes de acabamento são predominantemente pretos, sem linhas elaboradas demais, e uma faixa vermelha que imita o visual do R8 LMS e percorre todo o comprimento do carro é opcional. O interior tem visual relativamente minimalista, com acabamento todo em couro e Alcantara na cor preta (bancos concha são opcionais), e o toque especial fica por conta de uma plaqueta que diz “1 of 999”.
Os dois carros são essencialmente diferentes e atingem, cada um deles, um público bem específico. Mas eles deixam claro que, por mais que o mercado mude e novas tecnologias se tornem padrão, enquanto houver um público que queira uma experiência mais à moda antiga, haverá carros para atender a este público. Ou ao menos nisto que queremos acreditar.
Não que fosse algo difícil: ambas as marcas utilizaram peças de prateleira e se aproveitaram de tradições que já existiam. No caso do Porsche, sempre houve versões que combinavam selvageria no motor e requinte no interior. Com o Audi, a inspiração certamente são as versões de tração traseira do Lamborghini Gallardo e do Huracán, sendo que com este último o R8 compartilha motor e plataforma. Não é algo difícil de fazer, e mais companhias poderiam seguir o exemplo.