O senso comum diz que os carros de Fórmula 1 são os mais rápidos do mundo. Não é para menos: a maior categoria do automobilismo, mesmo com as constantes mudanças no regulamento, traz o estado da arte em engenharia automotiva, com relação peso/potência e aerodinâmica do mais alto nível e os melhores pilotos do planeta. Ainda assim, um protótipo Le Mans da Porsche foi mais rápido que o Mercedes de Lewis Hamilton em Spa-Francorchamps, superando sua pole position do ano passado por quase 0,8 segundo. Sim: vivemos em um mundo no qual um protótipo Le Mans consegue ser mais rápido que um carro de F1.
Durante os treinos de classificação para o Grande Prêmio da Bélgica, em agosto de 2017, o britânico Lewis Hamilton deu uma volta pelos 7 km de Spa em 1:42,553. Depois, ele liderou de ponta a ponta e venceu a corrida. No fim da temporada, depois de uma disputa acirradíssima, Hamilton foi o campeão.
Poucas semanas antes, em julho de 2017, a Porsche anunciou que estava deixando de competir na categoria LMP1 pela segunda vez. A primeira foi em 1998, depois da vitória do Porsche 911 GT1 – a 16ª desde 1970 com o 917K. Depois de um retorno em 2014 e três vitórias consecutivas em 2015, 2016 e 2017, a fabricante alemã decidiu que o Porsche 919 Hybrid, seu mais recente protótipo, havia cumprido sua missão. Aparentemente a decisão teve a ver com o escândalo e o prejuízo causados pelas fraudes da Volkswagen nos testes de emissões de poluentes de seus carros movidos a diesel – a Porsche resolveu focar-se na Fórmula E, para monopostos elétricos.
O que aconteceu com o Porsche 919 Hybrid, então? Bem, o pessoal de Stuttgart decidiu transformá-lo em uma máquina de quebrar recordes: o 919 Hybrid Evo.
Uma vez aposentado da categoria LMP1 do WEC, o Porsche 919 Hybrid ficou livre para ter todo seu potencial explorado pelos engenheiros alemães, sem as amarras do regulamento. Com isto, ao percorrer Spa-Francorchamps na manhã de ontem (9) ao volante do 919 Hybrid Evo, o piloto suíço Neel Jani, da equipe de fábrica da Porsche, virou 1:41,770 – exatamente 0,783 segundo mais rápido.
O conjunto motriz do Posche 919 Hybrid consiste em um motor V4 de dois litros movido a gasolina com turbo e injeção direta, um motor elétrico na dianteira, mais dois sistemas de recuperação de energia: o KERS, que armazena a energia gerada pelas frenagens, e o sistema de recuperação de energia termodinâmica. A energia recuperada pelos dois sistemas é armazenada em um conjunto de baterias de íon de lítio e alimentam o motor elétrico. O motor é acoplado a uma caixa sequencial de sete marchas e leva a força para as rodas traseiras, enquanto o motor elétrico move as rodas dianteiras sob demanda.
Na última temporada na qual o 919 Hybrid competiu, o regulamento do WEC limitava o consumo de combustível por volta – o limite era de 1,784 kg (2,464 litros) de gasolina. Para manter-se abaixo do limite, o motor do protótipo tinha a potência restrita a cerca de 500 cv. Agora, sem precisar obedecer a estas regras, o motor V4 recebeu uma atualização de software e queimando combustível E20 (com 20% de etanol), o 919 Hybrid Evo entrega nada menos que 730 cv.
O regulamento do Campeonato Mundial de Endurance também limitava a quantidade de energia elétrica que podia ser utilizada em 6,37 megajoules. Segundo a Porsche, bem abaixo do potencial dos sistemas. Na prátita isto quer dizer que, para a volta recorde, Neel Jani tinha a sua disposição um boost de 440 cv – um aumento de 10% em relação aos 400 cv disponíveis na época do WEC.
De acordo com a Porsche, trabalhar em um carro de corrida sem precisar obedecer a restrições é o sonho de todo engenheiro. Os caras também aproveitaram para fuçar a aerodinâmica do 919 Hybrid, que ganhou um novo difusor dianteiro, maior, e uma nova asa traseira, também maior, e ambo têm elementos atios de redução de arrasto. Controlado por um sistema hidráulico, os dispositivos modificam o formato do spoiler dianteiro e da asa para melhorar a eficiência aerodinâmica do carro. Além disso, novas saias laterais foram instaladas. O resultado, de acordo com a Porsche, foi um aumento de 53% no downforce e de 66% na eficiência aerodinâmica em relação aos dados do carro em sua última corrida no WEC, que também aconteceu em Spa-Francorchamps. Detalhe: em 2017 o 919 Hybrid ficou com a pole em Spa, com um tempo de 1:54,097. Sem as restrições do regulamento, o carro foi 13 segundos mais rápido!
O Porsche 919 Hybrid Evo também ganhou freios atuados eletronicamente, sem contato físico com o pedal; modificações no sistema de direção assistida e braços triangulares reforçados na dianteira e na traseira. E, para reduzir o peso para 849 kg (39 kg a menos), o carro perdeu tudo o que não era necessário para uma única volta super rápida. Ou seja: ar-condicionado, limpador de para-brisas, diversos sensores e equipamentos eletrônicos, faróis e lanternas e o sistema pneumático para elevar o carro nos boxes foram retirados.
Por fim, a Porsche encomendou à Michelin novos pneus, com as mesmas medidas usadas nas corridas, porém com um composto feito sob medida para aumentar a aderência sem comprometer a segurança.
E ainda não acabou: pelo que diz a Porsche, esta foi só a primeira exibição do 919 Hybrid Evo no que eles chamam de Tribute Tour. O carro será levado para outros circuitos para quebrar novos recordes, e a próxima parada já está definida: Nürburgring Nordschleife.
Lá, a fabricante alemã pretende quebrar o recorde absoluto do circuito de 20 km: 6:11,13. O tempo foi registrado em 1983, quando o jovem Stefan Bellof conseguiu a pole position para os 1.000 Km de Nürburgring daquele ano ao volante do Porsche 956. Ou seja: tecnicamente a galera de Stuttgart quer quebrar seu próprio recorde.