Olá pessoal, meu nome é Vanessa, e divido minha moradia entre as cidades de Santa Cruz do Sul e Agudo (RS). Minha história começa um pouco diferente das demais, por ser mulher, e por que não ter um mentor — meu pai, irmão e primos não curtem carros da mesma forma que eu. Por muito tempo eu me perguntei: por que, afinal, gosto de carros? A única explicação que encontro é que essa paixão é como o daltonismo: uma doença que atinge ambos os sexos, apenas é mais comum entre homens.
O que tenho em comum com os demais gearheads é que essa paixão vem “desde que me conheço por gente”: algumas das minhas lembranças mais antigas estão relacionadas com carros, como o Fiat 147 branco que meu pai vendeu quanto eu tinha 2 anos, e a Belina marrom que o substituiu (e eu chorei horrores quando foi a vez dela ser vendida). Adorava um carrinho em especial que meu irmão tinha, acredito que era uma miniatura de um Pontiac Trans Am, mas ao me aproximar de um grupo de homens onde a conversa era motores, não raro via todos mudarem de assunto, como se falassem de um tema altamente impróprio para uma menina ouvir.
Mas como vocês já devem saber, essa doença não tem cura – pode ficar latente por algum período, mas ao menor estímulo, volta com toda força. Ao ir morar em outra cidade para estudar, aos 14 anos, finalmente tive a liberdade de comprar as revistas que queria na banca, e as quatro rodas que eu tinha acesso em casa deram lugar às mais variadas revistas nacionais e importadas.
Na época era mais uma “jogadora de super trunfo”: por não ter nenhuma experiência prática, só me restava ficar decorando as fichas técnicas dos carros e compará-los entre si. Só comecei a conversar com pessoas como eu com o advento da internet, fóruns e listas de discussão.
Mas, se por um lado aprendi muito e conheci pessoas legais com quem converso até hoje, por outro, mulher que gosta de carro não raro é tratada como “Maria gasolina”, e isso eu dispenso. Enfim, por ser tímida, e para evitar aborrecimentos com os machistas de plantão, comecei a participar cada vez menos destes círculos, e até me registrei em alguns fóruns com nomes masculinos.
Como é comum, os meus gostos foram mudando com o tempo. Como cresci no campo em meio a camionetes, comecei gostando delas, e babava nas banheironas americanas (e ficava indignada ao compará-las com as carroças peladas vendidas aqui). Por incrível que pareça, meu sonho de consumo já foi uma Ford Excursion, e confesso que até hoje tenho uma certa simpatia pela Syclone.
Mas à medida que fui me tornando mais experiente ao volante, percebi que o que eu gosto mesmo é de andar perto do chão. Também fui me tornando fã de carros pequenos e leves – tanto que hoje meu sonho de consumo é um Lotus Elise, que combina comigo até no nome. Se no passado fui uma jogadora de super trunfo, hoje não dou muita importância para números – o importante é o prazer que o carro proporciona.
O PRIMEIRO
O meu primeiro carro não foi muito entusiasta, e entrou na minha vida por um acaso. Minha mãe precisava de um carro para trabalhar, seria algo temporário, então falei para o meu pai – “compra um Escort prata, vai ser fácil de vender depois”. Na época eu já morava em outra cidade e fazia faculdade, mas não tinha idade para fazer CNH. Quando finalmente completei os 18 anos, comecei a pegar o Escort “emprestado” quando precisava carregar alguma coisa, e assim ele foi ficando cada vez mais comigo… e foi me conquistando. Relativamente ágil, bebe pouquíssimo para um carro 1.8, e com os bancos rebatidos, carrega de tudo.
Esse carro era o único da minha turma da faculdade na maior parte do tempo, e como vocês podem imaginar, aprontou altas aventuras com uma galera do barulho. Muitas vezes pensei em trocá-lo por algo mais novo, mais bonito – ah, a aborrecência – mas tudo que eu comparava com ele, perdia em desempenho ou consumo. Hoje, depois de 15 anos e mais de 270 mil km rodados, não consigo me imaginar vendendo ele. Vai ser o começo da coleção que eu e o namorado planejamos.
Por falar em namorado, aí começa um novo capítulo na minha história com os carros. Para resumir uma história altamente bizarra e complexa, diria que eu e o Jonas fomos apresentados por um amigo em comum, que achou que tínhamos tudo a ver, inclusive o gosto por carros. Bem, nas primeiras conversas, foi realmente estranho ver como somos parecidos – não só gostávamos dos mesmos carros, como odiávamos os mesmos (melhor não falar disso por aqui). Como eu, ele também tinha um carro que ele não curtia — Vectra B 2.0 8v – mas foi o que teve a oportunidade de comprar, e acabou aprendendo a admirar com o tempo.
Como bons petrolheads, sempre gostamos de vasculhar anúncios de carros, e uma das nossas caminhadas preferidas é uma volta pelo bairro das revendas de usados da cidade. Em uma dessas caminhadas, encontramos uma paixão nossa de adolescência, um BMW 330i E46 pré-lci, que para mim, é uma das carrocerias mais harmoniosas já feitas. Um tempo depois, ele apareceu de surpresa no meu trabalho, segurando feliz o clássico chaveiro da Série 3.
O Silber Eule, como nós o chamávamos, foi um sonho realizado, e só aumentou nossa admiração pela marca bávara. Infelizmente a nossa história com o carro acabou meses depois, em um acidente que não vale a pena desperdiçar caracteres tentando explicar. Só lembro que eu estava no ônibus, indo para a casa dos meus pais, quando recebi a ligação: “eu estou bem, mas o carro já era”. Depois disso, o Jonas ficou tão triste por ter destruído o carro dos sonhos, que até hoje não comprou outro.
Até então, eu não tinha a menor intenção de comprar mais um carro, mas, mesmo assim, continuava com o vício de vasculhar sites de revendas. Totalmente por acaso, encontrei um 130i manual em uma loja de uma cidade vizinha. Embora eu não seja uma fã da era Bangle, um hot hatch BMW, com o tradicional straight-six e tração traseira, é algo que desperta a atenção de qualquer gearhead.
Marcamos uma visita, movidos puramente pela curiosidade: como o Jonas mede 2,03m, não é em qualquer carro que ele consegue entrar. Milagrosamente ele coube no carro – não é o mais espaçoso do mundo, mas serviu. Embora não fosse minha prioridade no momento, aquele carrinho preto me empolgou. Surgiu um forte candidato a companheiro do escort.
Depois de algumas semanas fazendo as contas, decidi rodar o estado atrás dos 130i manuais disponíveis. Felizmente haviam cinco à venda no estado, destes fui ver quatro. Minha primeira idéia era encontrar um carro em bom estado, e o mais original possível – na minha opinião, alterações em carros como este devem ser feitas com muito cuidado, para não estragar o que já é excelente. Mas isso se mostrou bem difícil: quase todos os carros tinham alertas bobos no painel, ou seja, não visitavam uma oficina especializada há um bom tempo, e ainda tinham donos desleixados, já me mesmo uma quase-loira com boa vontade consegue entrar no youtube e descobrir como apagá-los. Enfim, eram carros na mão de pessoas que não sabiam com o que estavam lidando.
Acabei batendo o martelo no último que vi, justamente o menos original de todos: veio com o pacote escape, chip, filtro e som. Mas era o único com bom histórico de manutenções, firme, alinhado, sem nada de barulhinhos desabonadores, nem no interior nem no motor. Depois de uma primeira volta, protocolar, ainda meio nervosa, decidi que a busca havia terminado. Pouco depois, liguei para o meu pai e contei que havia fechado negócio. Ele perguntou que carro era, e eu disse que era um 130i. Dois minutos depois, ele liga de volta: “que carro tu disse mesmo? Quero colocar no Google para ver o que é”.
Entre o dia que fechei negócio e quando finalmente pude subir a serra para buscar o carro, passou-se uma daquelas semanas que parecem ter 20 dias. O carro estava em Gramado, com pessoal da Supercarros – quem não conhece, vale a googlada. Detalhe interessante é que, “de brinde”, eu pude escolher qualquer carro da loja para dar uma voltinha – então foi assim que eu dirigi um Gallardo. Sim, como se não fosse felicidade suficiente para um dia só comprar um BMW, ainda dirigi um Lamborghini. Dois itens riscados da minha wish list, no mesmo dia.
Na volta para casa, quando finalmente pude chamá-lo de meu, coloquei as mãos naquele volante firme, de couro perfurado e empunhadura grossa, com a hélice azul e branca ao centro, e encarei a linda estrada da descida de serra, rumo à minha casa, não posso negar que meus olhos suaram. Tudo passa uma sensação de firmeza, precisão. Direção, suspensão, o carro se comunica de uma forma fantástica. Enfim, tudo o que sempre sonhei em um carro, em um nível que eu nem me atrevia a sonhar.
Até hoje, mais de um ano depois, ainda sinto uma felicidade idiota e irracional ao dirigí-lo. Escolho o caminho mais longo, faço viagens que não preciso. Como aprendi com o Silber Eule, um BMW é um carro que conquista o dono com a convivência no dia-a-dia, e continua surpreendendo mesmo quando a gente pensa que já o conhece bem. Nesse ano com o Wiesel, foram 15 mil km rodados, muitas alegrias, novos amigos, e claro, muita pesquisa, gasolina e um belo rombo na conta bancária para tentar mantê-lo sempre em dia. Mas isso já é história para o próximo post… até lá!
Por Vanessa Elisa, Project Cars #110