Olá novamente, gearheads de todo o Brasil! Antes de iniciar este terceiro post e dar continuidade à saga do meu C4, gostaria de agradecer a todos os comentários e críticas construtivas que recebi na publicação do mês passado. É muito gratificante ler o reconhecimento de vocês, e certamente me estimula ainda mais a continuar o projeto.
PLUS DE PARFUMERIE
Enquanto as mãos ainda não estão sujas de óleo e graxa, vamos à “perfumaria”, de novo!
Há muito tempo eu sonhava em trocar o painel original do carro, emborrachado, pelo que equipava apenas as versões mais altas da gama C4 na Europa. Não que o original seja ruim, pelo contrário, o material é muito bom e “soft touch”, mas é que, pelas fotos na internet o painel de couro com costuras caramelo/âmbar me parecia irado demais.
Como eu já sabia, há uns três anos, da existência de um painel desses guardado solitariamente no estoque da Citroën do Brasil, foi uma questão de tempo e paciência pelejar a negociação por um valor mais em conta do que era pedido; e quando eu já estava quase me esquecendo dele, o negócio acabou dando certo. Apesar de ter ficado guardado na montadora por vários anos, o painel está com o aspecto de “peça zerada”, e tanto o couro quanto o acabamento em si aparentam ser de ótima qualidade. A tampa da bolsa do airbag do carona, por exemplo, é quase imperceptível.
A instalação não foi tão difícil, mas confesso que desmontar essa parte do carro pela primeira vez me deu certo medo. Com a exceção de duas travinhas minúsculas que viraram pó, tudo plug & play. E para fechar o conjunto, pretendo refazer os gomos dos forros de porta, que originalmente são do mesmo emborrachado do painel, revestindo-os com couro pespontado, assim como é nos carros que vêm com painel de couro de fábrica.
Com o interior do carro já de cara nova, me senti estimulado a instalar os bancos de C5, cuja maior dificuldade consistia em fixá-los de maneira segura. Uma vez que os furos existentes no assoalho do C4 e do C5 estão dispostos em padrões diferentes, a solução adotada foi parafusar os bancos a calços feitos com chapinhas metálicas, que por sua vez foram parafusadas nos furos originais do assoalho.
Depois de prensar dois dedos das mãos para achar a posição ideal dos bancos, que são um pouquinho mais largos do que os originais, e nivelar os calços, pois o assoalho do carro é mais alto na região rente ao console do freio de mão, consegui finalmente encaixá-los de maneira confiável – e também prensar mais um dedo.
Assim, restava apenas refazer toda a fiação original dos bancos até a BSI, para contar com mimos como as memórias de posição e a função acolhimento (isto é, o banco do motorista move-se automaticamente ao abrir ou fechar o carro para facilitar a entrada ou saída do condutor). Contudo a ansiedade para ver o resultado final era grande demais, e essa etapa foi pulada, apenas localizando e ligando os fios de alimentação dos bancos em um chicote que antes era da tomada 12V do ar condicionado traseiro, que foi substituído pelo porta-treco do C4 VTR há bastante tempo. Mesmo assim, todas as várias regulagens dos dois bancos funcionaram perfeitamente (horizontal, vertical e inclinação do assento, inclinação do encosto com parte superior independente, e regulagem lombar).
Além de mais confortáveis, os bancos novos também mantêm seus passageiros mais firmes em curvas. A ideia agora é encontrar o mesmo tecido que os reveste parcialmente, e refazer os bancos traseiros, uma vez que os traseiros do C5 não foram compatíveis de forma alguma.
Somando-se ao painel e bancos, outra modificação estética que o carro recebeu foram as rodas de 17 polegadas do C4 Lounge Tendance, (que aliás estão pedindo para serem jogadas uns 15 mm a mais para fora), pintadas de grafite escuro e montadas com calotinhas de centro vermelhas do C4 Hatch Competition (visando casamento com as futuras pinças Brembo), calçadas em pneus Michelin Primacy HP 225/45. Também aproveitei e quebrei minha promessa mental de apenas colar os monogramas “VTS” quando o motor já estivesse preparado…
ESPETA A 6ª!
Ok, chega de frescurites e vamos ao que interessa, é hora de fazer um swap de câmbios: sai o de cinco marchas e entra o de seis – fácil assim?!
Certamente eu não fui o primeiro dono de C4 2.0 a imaginar o carro com um câmbio manual de seis marchas, porém passei a pensar que a coisa seria viável ao começar a pesquisar sobre transmissões (assunto totalmente desconhecido por mim até o momento) e comparar a do meu carro com a de outros PSA, mais especificamente com o Peugeot 306 GTI-6, inédito na época de seu lançamento, mas raríssimo no Brasil. Além do Pug, o outro candidato a doador, (bem) mais novo e um tanto mais fácil de se encontrar em terras tupiniquins, era o DS3.
Contudo, após bisbilhotar a revisão de um DS erguido em um elevador, constatei que o câmbio dele, família MC, era muito diferente do C4, família BE4. Então voltei a pesquisar sobre o GTI-6, e ficou evidente que ele teria que ser o doador, afinal a caixa era família BE3, precursora da utilizada no C4. Mais um pouco de pesquisa e descobri relatos de alguns malucos em fóruns franceses que, utilizando peças das duas caixas, haviam montado câmbios de 6 marchas em seus Peugeot 206 GTI e RC (ambos com motores EW10, parentes do meu: o primeiro EW10J4, mais fraco, e o segundo EW10J4S, aquele que gera quase 180 cv e também equipa os C4 VTS legítimos).
Busquei alguns contatos maníacos por PSA que já tinham trazido câmbios de 306 GTI-6 para o Brasil, utilizando-os nos Xsara VTS com o parrudo XU10J4RS (que é o mesmo motor do GTI-6), e então fechei a compra do câmbio, que já estava a caminho do país.
Com a caixa recém-adquirida em mãos, e passado o susto com sua tenebrosa aparência de peça de ferro-velho, ficou mais fácil visualizar como proceder: tanto a carcaça da caixa BE4/5N do C4, a qual consegui uma cobaia avulsa, quanto a da BE3/6, do GTI-6, possuem o mesmo padrão de furos em relação à suas capas secas, sendo que a primeira é própria para motores EW e a segunda para motores XU, bastando adaptar a capa para EW na caixa de seis marchas. Assim, levei o câmbio em um especialista para ser revisado e montado. Além disso, também foi necessário realizar um furo na capa BE4 próximo a alavanca de engate de marchas para colocar o cabo inibidor da marcha ré – o curioso é que já havia um local demarcado, e com parede de espessura mais fina (provavelmente fruto de alguma ideia da PSA que não vingou); e aumentar em alguns milímetros a profundidade de um buraco interno para encaixar o eixo secundário. Câmbio revisado e montado, hora de realizar o transplante no carro, e isso implica em desmontar muita coisa!
Ao remover o câmbio original do C4, ficou nítido que poderia haver um problema de espaço, pois a caixa de seis marchas é consideravelmente mais comprida, vide foto acima. E só não houve porque para alinhar o pino da caixa na posição e altura correta com o suporte do coxim, foi necessário usinar um calço (sem tempo para perfumaria aqui), onde conseguimos compensar a distância até longarina.
O próximo desafio foi adaptar a alavanca de marchas com o inibidor da ré, uma vez que descartei utilizar a alavanca original do 306 GTI-6 por ser de acionamento por varão e não cabos, como é no C4. Então, além da alavanca e cabos originais do carro, importei o conjunto de um C4 2.0 HDI (turbodiesel) europeu, que também usa o inibidor da ré e o sistema de acionamento por cabos.
Mas na hora da montagem, os cabos da alavanca HDI se mostraram compridos demais, e o curso da alavanca ficou ruim, então as duas alavancas foram desmontadas e foi feito uma salada de peças: suporte e alavanca do HDI, com cabos e limitador da rótula do conjunto original. A ponta do cabo de ré também teve de ser cortada, e usinada uma rosca para que pudesse ser utilizada na caixa.
LE VERDICT
Devido à relação de marchas “mais empilhada” do câmbio BE3/6, a dirigibilidade do carro melhorou muito: em baixas velocidades durante uso mais civilizado, o carro transmite a sensação de rodar mais suave; e durante uma tocada mais agressiva, o motor fica sempre cheio, dando-se a impressão de que o carro está com mais fôlego. Abaixo segue uma simulação feita com o programa aGearbox, para iPad.
Mas nem tudo são flores, se por um lado o carro ficou mais divertido de conduzir, por outro, fazer balizas em lugares mais apertados por enquanto está um pesadelo! Esporadicamente a marcha ré não engrena, e não é possível esterçar o volante todo para a direita, pois o pneu raspa na bunda do câmbio, que se extende até abaixo da longarina.
Felizmente, pelo que vi com o carro no elevador, para resolver este segundo problema basta utilizar uma flange, jogando as rodas de 15 a 20 mm para fora. Já o problema da ré necessita de uma análise mais extensa, mas penso que, ou o cabo inibidor da ré não atingiu a profundidade necessária para funcionar correramente quando foi enroscado na caixa de marchas, ou, no pior cenário, o garfo seletor interno da caixa BE4 não deveria ter sido usado, mas sim o próprio garfo da BE3/6 — o que realmente soa como uma escolha meio óbvia, but… shit happens.
De qualquer maneira, penso que o verdadeiro potencial desse câmbio de seis marchas frente ao original de cinco será extraído com o motor já preparado, girando mais, e com uma relação final do diferencial mais curta. Contudo, isso são cenas para os próximos capítulos, e enquanto isso, se você estiver procurando onde estacionar, e deparar com um C4 com luzes de ré acesas dos dois lados acelerando sem sair do lugar, por favor, tenha paciência!
Por Luiz Filipe Vasconcelos, Project Cars #120