Olá, amigos do Flatout, meu nome é Rodolfo e vou contar a história (e os percalços) de um querido morador lá de casa, um Dodge Magnum 1979. Mas primeiro vou falar um pouco da história do carro, depois como ele entrou na família e a restauração que foi feita.
Como alguns de vocês já sabem, os Dodges brasileiros foram fabricados aqui de 1969 a 1981 utilizando a plataforma A (A Body) criada para os modelos mais compactos da Chrysler americana entre 1963 e 1981. Esta plataforma posuía quatro tamanhos diferentes de entre-eixos, sendo que o utilizado no Brasil foi o maior, de 111 polegadas (aproximadamente 2,82 m). O primeiro modelo lançado foi o Dart, em outubro de 1969 já como modelo 70, e fez muito sucesso pelas linhas retas e pelo motorzão V8, que foi o maior produzido no país para um carro de passeio, com 5.212 cm³ ou 318 pol³. Logo em 1970 foi escolhido o carro do ano pela revista Auto Esporte, além de ter atingido a marca de 181,81 km/h no teste da revista Quatro Rodas, se tornando o carro mais rápido fabricado no país até o mesmo teste ser realizado com um Dodge Charger. Vale lembrar que todos os modelos lançados posteriormente (Charger R/T, LeBaron e o nosso Magnum) eram essencialmente o mesmo carro, com “pequenas” modificações para dar a impressão de um modelo completamente novo.
Bem, como podem ver, o Dart e seus irmãos foram uma das poucas – como sempre – opções de carros com desempenho realmente diferenciado que tínhamos disponíveis naquela época aqui na Banâni… digo, Brasil, e mesmo assim o trem era caro que só. E depois com a chegada do Charger e do LeBaron então…
Só que no meio da década de 1970 veio aquela marota crise do petróleo que arrasou com a popularidade dos grandalhões com cara de americanos, e aí não teve jeito, o povo corria dos Dodges igual o capiroto da cruz. Já ouvi todo tipo de relato, de Dodges que foram trocados por TVs ou bicicletas, e até mesmo abandonados na rua, ainda em perfeito estado, só com o tanque vazio. E foi exatamente nessa época que meu pai comprou seu primeiro Dodge, um Dart 1971 amarelo Montego. O motivo? Era o carro usado mais barato que se podia comprar sem pegar tétano, e cabia mais de quatro pessoas.
Ele mesmo presenciou um destes fatos chocantes quando foi a um ferro-velho atrás de um escapamento para o seu Dodge, pois o dele tinha caído pela estrada enquanto o carro estava aos cuidados de um amigo. No momento em que perguntava ao dono do lugar se teria a tal peça, entrou um Dart vemelho impecável para ser vendido ao ferro-velho. Um minuto de silêncio pela alma do pobrezinho. A primeira “doação” dele foi o escape para o do meu pai…
Passaram-se os anos, e meu velho se afeiçoou ao carro devido à robustez e beleza do mesmo. A crise passou e o Dartão era usado pra tudo que fosse necessário. Até que em 1987, de olho nos classificados, meu pai viu um Magnum azul cadete à venda. Pensou, pensou e pensou e decidiu ir vê-lo. Ele estava em um bairro nobre do Rio, em uma casa bem servida de carros. O patriarca tinha um Galaxie, o Magnum era da esposa, o casal de filhos tinha um Opala e um Del Rey, e ainda contavam com um Fusquinha como carro reserva. Meu pai gostou tanto que acabou levando a barca pra casa. Os dois, Magnum e Dart, conviveram por quase um ano antes que meu pai vendesse o Dart a um amigo. Um pouco depois eu nasci.
Conforme fui crescendo questionei diversas vezes meu pai porque não via outro carro daquele nas ruas. Ele só me falava que era porque era um carro “especial”. Na verdade era mais por que só foram fabricados apenas 2.246 Dodge Magnum, mas eu fiquei com aquilo na cabeça, e a paixão por qualquer coisa que tivesse rodas e motor só ia aumentando. Toda vez que saíamos de carro eu torcia para ele sair arrancando dos sinais, ou que acontecesse alguma coisa que o fizesse correr mais. Admirava aquela máquina que fazia ecoar seu urro por toda a garagem do prédio.
Com o governo Collor, as coisas ficaram difíceis para o povo, e pra nós também. Se fosse necessário dar alguma manutenção no Dojão naquela época ia faltar dinheiro. Mas ele aguentou como poucos a cruel falta de cuidados, sempre firme e pronto, ligava de estalo, como um cão de caça obedecendo a uma ordem de ataque. Felizmente em 1996 nos mudamos para o interior do estado, e nossa condição melhorou um pouco, dando até para comprar um carrinho mais econômico, um Fiat Uno SX 97, vulgo Bebê, que está conosco até hoje.
Com a aquisição do Bebê o Magnum foi deixado na garagem, descansando, saindo muito raramente para andar não mais do que um par de quilômetros pelo entorno do bairro e voltar. Essa falta de “exercício” e a falta de cuidados descrita mais acima cobraram seu preço. O carro foi de tanque indestrutível à balsa furada. E o pior, meu pai não tinha a mínima idéia do por quê. O que pareciam apenas alguns problemas de regulagem de carburador acabaram se mostrando problemas tremendamente maiores, e alguns inclusive crônicos do projeto do carro, como por exemplo, a bóia do carburador que absorvia a gasolina e ficava mais pesada, fazendo o carro morrer depois de algum tempo ligado.
Nos primeiros carros a bóia era de latão, ou seja, quando ela furava ela enchia e ao ligar o carro ele afogava por não ter mais regulagem da entrada de gasolina no carburador, porém nos carros mais para o final da linha a bóia passou a ser de um material parecido com borracha com uma camada de verniz para torná-la impermeável. Com o tempo esse verniz sumia devido à ação da própria gasolina e deixava o material da bóia exposto. A gasolina então começava a penetrar na bóia, alterando a flutuabilidade dela, e isso deve ter enganado provavelmente todos os proprietários e mecânicos de Dodge que já trabalharam com o “bendito” DFV446.Quando o carro estava bastante tempo sem ser ligado a câmara da bóia esvaziava e a bóia secava. Era uma beleza: ele ligava, trabalhava sereno, acelerava perfeitamente, porém bastavam 15 a 20 minutos para a bóia começar a encharcar novamente. Aí ele começava a trabalhar todo embolado até morrer. Esse foi um dos problemas mais difíceis de resolver.
Outro problema foi que com a falta de troca de óleo os anéis “comeram” as camisas dos cilindros, deixando uma folga que fazia o óleo do motor passar para cima do pistão, lambrecando a câmara de explosão e sujando as velas, sendo que vários jogos foram perdidos até que resolvêssemos abrir o motor. O mais engraçado (ou frustrante) é que a cada problema resolvido surgia um novo, e antes se os problemas se resumiam ao motor, depois passaram para a parte elétrica, depois para a suspensão, depois motor de novo, enfim, só gostando muito do carro para não se desfazer dele.
Foi aí que começou esta saga de aprendizado, frustrações e felicidades com o Dojão. No próximo post destacarei como resolvemos estes e outros problemas, como lanternagem, retífica de bloco, retífica de cabeçote (culpa de mecânicos ruins), troca de componentes de suspensão, troca do pára-brisa, parte elétrica, ajustes e macetes de carburador, entre outros. Espero que gostem de ler a história tanto quanto eu gostei de escrever. Até a próxima.
Por Rodolfo Schmidt, Project Cars #166