Tem coisas que só vivendo para saber, conhecer e opinar. Engine swap, troca de motor, sempre tendo em mente tirar um menor e por um maior no mesmo lugar é algo que, uma vez que se faz, é muito dificil não fazer de novo. Claro, se de quebra puder futucar, mexer, alterar o motor todo e deixar o motor maior ainda mais potente, ainda melhor.
Uma marca de automóveis que desde o início da minha jornada automotiva me fascinou foi aDodge. Nada contra os outros, mas eu curtia Dodge de verdade. Eventualmente meu primeiro carro foi um Dart cupê, e depois tive um Charger. Ok, este segundo Dodge era bem ruim, acabei pouco depois comprando outro Charger e vendendo o primeiro. O segundo era menos ruim, mas longe de ser assim uma maravilha. De todo jeito, com o tempo fui cuidando dele dentro do possível e o que não era assim maravilhoso acabou ficando, no mínimo, bem legal. E aí eu tinha um Dart e um Charger. Não podia ficar melhor que isso não é? Claro que podia, só que eu, mendigomobilista não conseguia ver isso como uma opção possível.
Quem já leu os primeiros posts dos Project Cars #262 e #263 vai lembrar da minha mudança para Sorocaba/SP em 1988. Uma coisa fantástica desta minha mudança foi ter tempo disponível por trabalhar apenas seis horas diárias e um salário melhor, que me permitia algumas firulas automotivas.
O estado de São Paulo é disparado o maior celeiro de coisas interessantes automotivamente falando no Brasil. E vejam que coincidência, eu estava lá. Uma vez ouvi dizer que em Boituva tinha um Chrysler grande abandonado numa oficina. Em pouco tempo eu estava lá bisbilhotando e apurando a verdade dos fatos.
Claro, eu sabia que existia um bigblock, que os nossos darts eram apenas small blocks e tal, e ainda algum espirito de porco tinha me dito que nos EUA (ah, sempre nos EUA…), teve Dart bigblock de fábrica.
Nesta apuração, eu vi ao vivo e a cores o primeiro bigblock Mopar de minha vida. Impressionante para dizer pouco. Irresistível. Surreal. Tinha que comprar ele de qualquer jeito. Eu lembro que na época eu tinha um Maverick V8 bem legal e mais três motores Ford 302 completos usados na minha garagem. O cara que me vendeu o 383 pediu apenas um 302 em troca do 383. Se ele tivesse pedido os três que eu tinha no chão e mais o que estava no Maverick, eu teria entregue facilmente. Ele, gente fina que só, pediu um único. Atendi na hora, sem nenhum pudor.
Bom, aí apareceu um problema: eu tinha dois Dodge super legais e prontos, e tinha um bigblock 383 sobrando. Claro, motor em mau estado, por refazer, não tinha câmbio algum atrás dele e para complicar, ele não encaixava no lugar de um 318. Tudo mudava: bolt pattern do motor, posição de calços, peso e tamanho. Uma guerra. Nem bomba d’água, nem bomba de gasolina, sequer as velas de um serviam no outro.
Neste meio tempo, em julho de 1989, eu tirei minhas primeiras férias. Peguei minha Caravan, aquela do PC #262, que ainda estava com seis cilindros apenas, botei as malas nela, peguei a esposa e fomos ao Rio de Janeiro. E aí, fim de tarde, Dutra cheia, antigo quilômetro 13 quase chegando na cidade do Rio de Janeiro, vejo uma traseira maravilhosa dando mole na porta de um ferro velho.
A visão me deixou embevecido, colei os olhos no retrovisor esperando ver o que era aquilo e ainda que não soubesse exatamente o que era, pela velocidade, falta de luz adequada e pequenez da imagem no retrovisor, vi que era um Plymouth. Dormir foi muito difícil e assim que o dia raiou, tomei um café bacana na casa do meu pai, e fui de volta para a Dutra com ele a tiracolo, só para dar sorte.
Chegando lá descobri que era um Belvedere 68, sedan quatro-portas, com um motor de seis cilindros em linha, o famoso slant-six de 225 polegadas cúbicas. O carro estava em mau estado, pintura destruída e sem bancos, mas era tão absurdamente legal que eu sequer consigui regatear. Me pediram algo equivalente a 500 dólares da época e eu paguei no ato — ainda mais porque o veículo tinha todoa a documentação, faltando apenas pagar dois ou três anos. Catei um guincho, reboquei ele para a casa do meu pai e deixei lá até que pudesse pegar nele. Eventualmente consegui deixar ele funcionando e mais nada foi feito.
Slant-six com bloco de alumínio, raríssimo. A foto é meramente ilustrativa, pois o que veio na Belvedere era um slant normal, com bloco de ferro fundido
Em 1990 retornei ao Rio de Janeiro. Um amigo tinha uma oficina e resolveu me ajudar e topou reformar o Belvedere. Ótimo, trouxe um monte de coisas para o serviço de fora, e assim a coisa foi andando. Só tinha um problema: ainda faltavam diversas peças de interior e eu não visitaria os EUA tão cedo.
Acontece que na época Dodge ainda era lixo. Valiam nada eram apenas carros velhos e beberrões. Numa ida a Jacarepaguá, passei num pessoal que comprava e vendia Dodge, Maverick e Galaxie — inteiros ou em pedaços — e vi um Dart 78, sedan, castanho araguaia com teto de vinil, interior original perfeito, máquinas de vidro boas, e mecânica perfeita e funcionando. Mas tinha uma batida na lateral traseira esquerda e estava tambem sem a lanterna traseira esquerda, destruída no acidente. Conversamos e acabei pagando a inacreditável quantia de 100 dolares. Já estávamos no plano Real, era coisa de R$ 110. E claro, o melhor: tinha documentos bons, e em dia.
Fui buscar o carro e voltei com ele para casa dirigindo. O carro era ridiculamente bom, fora o amassado era apenas perfeito. A bateria estava ruim, mas podia ser dirigido normalmente. Minha esposa foi me levar com o Dodge Polara dela e veio me seguindo de volta até nossa casa.
Nesta viagem uma luz se acendeu na minha cabeça: seria um crime matar um carro tão legal por conta de bancos e de uma máquina de vidro. Eu tinha aquele maldito 383 que não tinha onde por. E, para completar, no dia seguinte fui à Tijuca, onde tinham uns malucos que vendiam Dodges inteiros e em pedaços também. Levei uma marreta de dois quilos, uma boa talhadeira e por 10 reais catei uma lateral traseira esquerda perfeita tirada de um Dodge cupê já morto. Claro, tudo dentro da mais completa selvageria.
Nesta época ainda não tinha rolado o filme do Shrek, então ainda não me chamavam de ogro, detalhe este que não me impediu de realizar meu intento. Meio da calçada, rua Conde de Bonfim, perto do antigo Colégio São José, onde por acaso eu estudei. Crime perfeito realizado, meti a lateral na mala da Caravan, aquela do PC #262, e voltei pra casa. O José Henrique, o mesmo que me ajudou reformando a Belvedere refez o Dart 78 também. Só que na minha cabeça doente, nada mais desabonador que um Dart 78 que ia em breve receber um 383 e ficar pintado de castanho metálico. Isso foi fácil de resolver: fui numa casa de tinta, comprei um monte de amarelo Interlagos da linha Ford 78 e voilá, hot rod Dodge nas paradas.
Uma nota triste nisso foi que na semana que pintamos o carro, meu pai veio à óbito. Numa viagem de volta de uma missa dele, passamos na oficina e minha mãe ao ver o carro num amarelo forte, alaranjado super brilhante me perguntou: é, você já passou o primer nele, só falta pintar agora não é mesmo? Quando eu expliquei que não era primer e que aquela era a cor definitiva, ela abanou a cabeça e respondeu indignada: mas é horroroso…
Bom eu nunca batizei ou dei nome a nenhum carro meu, até porque o fabricante já fez isso por mim, mas esta exclamação dela ficou colada no carro, daquele dia em diante o Dart 78 amarelo Interlagos lindaço que ia ganhar o 383 era apenas o “Horroroso”.
Neste ponto, resolvi arrumar tudo no carro. Rodas de liga leve, diferencial Dana 44 com relação 3,08/1, dois bancos separados de Dart na frente, e claro, troquei os traseiros para a forração ficar bacana e igual, arrumei tudo nele e, nas compras de peças, acabei catando maquinas de vidro, bancos e mais um monte de coisinhas legais pro Plymouth, que finalmente foi concluído mais ou menos no mesmo tempo, mas que por uma série de fatores acabou nunca sendo usado de verdade.
Hoje depois de muitos anos acabei desmontando de novo toda a mecânica para trocar finalmente o motor 318 magrelo que eu vendi há uns tempos para um bacaninha de Goiânia/GO e devo por um 383 nela. Este outro 383 está pronto, montado e bem legal, inclusive usando o comando Mopar performance 280° hidráulico, que foi o promeiro comando que usei no 383 do dart 78. Quando eu abri o motor dele para mexer novamente, troquei o 280° hidraulico por um outro Comp Cams 296 mecânico, e ele estava perfeito. Tirei e guardei para um eventual uso futuro. Junto devo trocar também o eixo original Chrysler porque pelo fato do carro ter nascido com um slant-6, o diferencial é pequeno e bem fraco, modelo 7 1/4″. Isso eventualmente pode vir a ser detalhadamente contado num próximo post.
Mas tinha ainda um problema a resolver: eu já tinha comprado a capa seca Lakewood, que me permitia juntar o 383 na caixa do Dodge nacional de 4 marchas, mas eu precisava desmontar a mecânica original dele e por o 383 lá.
O motor foi desmontado e fizemos uma retifica rápida ainda que bem feita, mais numa de ver o que era, do que se tratava em vez de fazer uma retifica séria, com muito veneno etc. Isso aconteceria mais ali na frente.
Eu rodei um tempo com ele ainda com 318 e câmbio original de três marchas na coluna, acertei o máximo de detalhes no carro e um belo dia desmontei e coloquei o 383 nele. Escapes de ferro fundido original, mas com um comando 280° hidráulico Mopar performance, quadrijet, ignição eletrônica e mais uns mimos. No caso o lance da ignição se resumiu a trazer um novo distribuidor para o 383, porque o 1978 já tinha ignição eletrônica que era idêntica às gringas. Foi só por o distribuidor eletrônico no lugar do antigo com platinado e ligar os fios.
A instalação do motor por si se resumiu a fabricar suportes e colocar um par de calços que se adequassem aos suportes e ao novo motor. Nada mais que isso foi modificado. O motor cabia, ainda que bastante justo e apertado, mas cabia sim. Com a capa seca da Lakewood, eu poderia manter o câmbio na posição original sem maiores dificuldades, sendo que a mudança de três para quatro marchas já estava programada. O radiador ficou o mesmo do 318, e o acionamento da embreagem foi modificado apenas no apoio da barra Z do lado do cambio.
A primeira acelerada foi reveladora. O carro era simplesmente brutal mesmo sem grandes preparações ou acertos. Não tinha como comparar com os outros com 318. Eu já usava a Caravan V8 e ela ainda estava nos acertos nesta época, de modo que o resultado deste PC foi infinitamente mais reconpensador que o dela. A brutalidade e a selvageria, mesmo com o motor tão pouco elaborado e cheio de acertos ainda por fazer deixaram muito claro que a ideia de fazer este carro foi relamente muito, mas muito feliz mesmo.
Em muito pouco tempo eu comecei a me planejar para tirar ele fora, refazer tudo o melhor possível, novos pistões forjados com mais altura de compressão, válvulas maiores e um comando maior e mecânico. O esforço valeu e o carro melhorou muito.
Por Alexandre Garcia, Project Cars #264