Motor seis cilindros e boa parte de sua massa posicionada atrás do eixo dianteiro, câmbio manual de três marchas do tipo dog leg, suspensão dura e pouco mais de uma tonelada. Parece até que estou descrevendo um carro de corridas de época…
Hoje vou detalhar todas as sub-áreas do projeto e explicar os motivos e conceitos que foram (e estão sendo, em alguns casos) aplicados.
Peripécias do destino
As vezes eu acho que esse carro tem uma ligação comigo que transcende os limites do conhecimento humano. Como poderia uma criança de três anos demonstrar tanto interesse por um monte de lata, tal qual eu fazia?
Logo na primeira vez que eu andei de kart, aos 16 anos, eu descobri um pequeno problema de saúde. As características dinâmicas e físicas do kart (força G, suspensão travada, banco duro etc) deixaram a mim, além dos tradicionais hematomas, uma forte dor no cóccix. Fui ao médico e descobri um cisto, que estava lá desde o meu nascimento.
Na medicina atual, chamam isso de Cisto Pilonidal, mas o fato curioso é que a doença começou a ser estudada durante a Segunda Guerra Mundial, pois mais de 80% dos soldados que andavam ou dirigiam os Jeeps acabavam sendo hospitalizados e diagnosticados com a doença. Não é a toa que ficou apelidada como “Doença do Jeep” ou “Jeep Riders Disease”, em inglês…
Depois machucam o traseiro e não sabem por quê
Eu nasci em um 19 de novembro. E, por algum motivo 19 sempre foi o meu numero da sorte: ele está estampado no meu macacão; sempre foi o meu número na chamada da escola e sempre foi minha opção quando desenho meus carros de corrida…
E o meu número de participação nesse Project Cars é… #319! Como se não bastasse, o primeiro post teve exatas 319 “curtidas” até o momento em que escrevo esse post! Como já disse William Sheakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha o nosso vão Project Cars”
Mr. Shakespeare
Os primeiros passos
Como vocês já viram no primeiro post, essa foi a primeira vez que o Jeep saiu do lugar nos últimos 20 anos. Quando o tirei de lá, não foi tão somente o começo de uma reforma… foi o renascimento dele. E, tal qual toda criança em fase de desenvolvimento, o Jeep também merecia carinho, dedicação, cuidados e uma boa educação para corrigir os seus erros.
Eu citei a possibilidade futura de usar uma carroceria de fibra, não a toa. Isso porque eu gostava tanto de Kinder Ovo na infância, que até meu carro virou um: por fora tá liso, mas quando você abre a surpresa não é a que você queria… A começar pelo assoalho do motorista literalmente podre. O resto até dá pra arrumar. Por baixo todas as travessas estruturais que prendem a carroceria ao chassis estavam nas mesmas condições.
Até placa amarela ele tinha. Agora virou decoração de garagem
Logo eu comprei um novo assoalho, mas apenas o do motorista. Além do resto ser muito mais caro (dinheiro que eu não tinha e não tenho) e complexo pra montar, ao menos eu já teria um ótimo quebra-galho. Tirei o velho, deixando apenas o espaço para soldar o novo. Infelizmente meu pai teve que terminar isso sozinho, pois tive que voltar para as aulas.
Não se assustem, nem tudo o que é vermelho é ferrugem. Tem muita terra e poeira encrustada (a boa e velha terra vermelha do norte do Paraná).
Rodas e pneus
Baja Champion. BECAUSE RACEJEEP
Tive uma surpresa ao tentar encher os pneus originais do Jeep: eles encheram! Nada mau pra pneus que ficaram 20 anos parados, vazios e aguentando 1.200 kg de carga. Mas obviamente eles não estavam em condições de rodagem.
Por muita sorte, eu tinha os pneus antes mesmo de começar o Jeep. Alguns anos atrás, meu pai meu pai substituiu o carro dele, e o novo veio com pneus BFGoodrich Mud Terrain de 285mm de largura e aro 16. Como ele usa o carro mais em estradas asfaltadas, logo os tirou do carro e colocou os originais de volta. Seria uma pena pneus tão bonitos assim ficarem parados, não? Por isso que peguei pra por Jeep!
Entretanto, eles eram demasiadamente largos para as rodas originais, que tem apenas 4,5 polegadas de largura. Pra manter tudo num nível seguro e funcional precisaria ao menos de tala 7, enquanto o ideal seria 8.
Minha maior vontade era usar um jogo de rodas de ferro “Daytona” tala 8 e offset -25, pois além de serem muito bonitas, resistentes e baratas, ainda aumentariam um pouco a bitola dos eixos, permitindo um maior angulo de esterçamento e visual mais agressivo (e fora da lei também). Só que elas me custariam 900 reais o jogo. Na mesma época eu encontrei um jogo usado de F-1000 (mesma furação do Jeep e tala 7) por 200 reais, precisando só de uma pintura. Arrematei e reformei elas em casa, pois já tinha as tintas.
A solução funcionou muito bem e deixou os pneus bem borrachudos, do jeito que eu queria:
Motor e câmbio
Vai ficar tudo original, já adianto. O motor é o velho BF-161. O número vem do deslocamento, dado em polegadas cúbicas. Em outras palavras, ele desloca 2.6 litros. Os sofridos 90HP (SAE) são suficientes por agora, mas depois a única meta é passar dos 100HP. Coisa básica mesmo.
Época em que a garrafa de Coca era o tanque de combustível
Esse motor foi usado em toda a linha Willys na época. No AeroWillys ele vinha com carburação dupla, coletor 6×2, novo filtro de ar e alterações no ponto de ignição. O resultado eram 110HP. Essa é a meta, portanto.
Embora sejam modificações que, em sua maioria, serão feitas numa etapa após minha passagem por aqui, vou deixar todo o repertório que tenho com vocês. Conhecimento nunca é demais, né?
Depois de ler a série sobre escapamentos dimensionados que o Flatout fez, eu fui fazer os cálculos e descobri alguns dados ideais para o coletor: o diâmetro interno dos tubos primários deve ser 38mm. Ainda não consegui desmontar e medir com exatidão, mas o coletor original tem 40mm externos – descontando a parede do tubo (em ferro fundido e bem grossa), suponho ter apenas pouco mais de 30mm.
Reparem a espessura das paredes do coletor, em ferro fundido
Já de comprimento – medida desde o cabeçote até o ponto que os tubos se conjugam num só até o fim do carro – deve-se ter 950mm – quase um metro (!). Vou usar um coletor de aço carbono mesmo.
O câmbio tem três marchas mais a ré e conta com reduzida. Não vou trocá-lo pois essa é uma das características mais marcantes do Jeep. A distribuição de marchas também é do tipo dog leg, pra ajudar uma troca rápida de primeira para ré – situação bem comum em atoleiros.
O sistema de exaustão original já estava em estado precário e não estava cumprindo bem a função de abafar o sim. Portanto, era só peso morto. Então o que temos agora é apenas um cano reto até o fim do carro, além do alívio de peso (risos).
Sorry, o motor estava frio e falhando um pouco
Funilaria e pintura
Minha intenção não é que a superfície fique espetacular e ganhe prêmios em concursos de elegância. Ela só precisa ficar sem podres, estruturalmente integra e, claro, bonita. Está funcionando, por enquanto. Meu pai tinha algumas latas de tinta azul (um azul, muito bonito por sinal), verniz e muita massa plástica também. Estamos fazendo tudo em casa e por conta própria. Por isso é um serviço bom, “de graça” e sem dores de cabeça.
Ainda não terminei. Falta parte do assoalho, a traseira e parte da lateral esquerda. Coisa de uma semana pra fazer… Nas fotos vocês podem notar algumas ondulações na superfície lateral e até o paralamas direito torto. Isso é uma característica dos meios de produção da época. Sim, o carro saía torto de fábrica.
Segurança
Falar de segurança em um carro de 60 anos que não tem portas, teto e nem tinha cintos como item de serie soa como ironia. Entretanto, a rigidez da carroceria (na verdade, do chassis) é respeitável ainda nos idos de 2016. Poucas pessoas em sã consciência se aproximam de Jeeps e Bandeirantes no trânsito.
Cinto de quatro pontos da Willtec
Comprei um par de cintos de quatro pontos da Willtec. Muita gente afirma ter tido problema com esses cintos, mas eu resolvi comprar e testar por conta própria. Não falharam em momento algum e são, naturalmente, anos-luz mais eficientes do que o sistema original. Vou fixá-los a 45º numa barra posicionada no Santo Antonio (que na Fase II vai virar uma rollcage).
A rollcage, aliás, é outra coisa que fica para a segunda etapa. Além de ser uma peça cara e mais
complexa de ser fabricada, ainda não há necessidade de usá-la. Mas eu já fiz alguns desenhos tridimensionais para testes virtuais de colisão.
Ah, os freios! Não sei vocês, mas acho que é tão prazeroso acelerar quanto sentir a força G durante uma frenagem bem executada. Por isso, ao invés de perder tempo regulando e revisando os freios a tambor originais, arrematei logo discos sólidos de 300mm e piças novas da Kombi. Lembre-se que estamos falando de sistema dimensionado para um veiculo de carga, cujo peso bruto total (PBT) chega a 2,3 toneladas. Tá freando pra caramba, bicho!
O entre-eixos do Jeep é bem curto (quando sentado no banco do motorista, você consegue tocar o pneu traseiro com as mãos!) e a transferência de peso longitudinal durante frenagens é forte. Assim, discos no eixo traseiro iriam travar as rodas com facilidade, por isso mantive os tambores originais, mas com todos os elementos novos e revisados.
Instrumentos, periféricos e acessórios
Originalmente o Jeep conta apenas com um grande relógio centralizado no painel. Lá ele te dá velocidade, temperatura da água, quilometragem total e nível de combustível. É o suficiente pra uso comum. Mas – a não ser que você seja um piloto de altíssimo nível e sensibilidade afinada – é difícil manter sempre a faixa de rotação ideal em cada situação apenas ouvindo o motor. Por isso faço questão de um conta giros, que ficará posicionado na coluna de direção, logo atrás do volante Lotse Big Block. Irá me auxiliar a monitorar e conhecer o carro nas trilhas.
A questão é: pagar 300 reais em um bom conta giros (estou pensando na linha Croma, da Cronomac, de 52mm) com copo e suporte de coluna ou 100 reais num conta giros simples e importado (muitas vezes impreciso)? Nossa Senhora das Car Parts, me ajude!
Enquanto decido, peguei pra reformar o tacômetro original. Como fiz o favor de derrubar (e quebrar) o vidro original, tive que mandar fazer outro. Ao menos ficou melhor que antes e saiu por módicos 15 reais! Repintei os ponteiros e fiz uma limpeza da superfície interna. Pra finalizar, fiquei por algumas horas lixando e polindo o aro externo de alumínio – originalmente preto e mal tratado – até que ficasse parecendo uma peça cromada!
Simbolismo, frescuras e um pouco de design
Vocês já devem ter sacado, mas visualmente o carro tem apenas três tipos de elementos: os pretos, os cromados e os azuis.
Estudar design me fez aprender muito. A interpretação de cores, a distribuição de elementos numa superfície e a relação dessas coisas com o sub consciente de quem vê, por exemplo. Só que, ao contrário do que o curso ensina, aqui não se trata de criação, e sim de observação.
O preto, mais concentrado na base do carro (rodas, pneus, chassis, suspensão, parachoques) representa a solidez e o contraste de superfícies. Você pode não perceber, mas o seu sub-consciente sim. Normalmente é esse tipo de relação que faz a gente se apaixonar por alguma coisa – ou alguém. Além do mais, preto é uma cor naturalmente “Old School”.
O azul é especifico da carroceria. E, como sendo a cor mais alegre, está lá apenas exaltar sua mais pura forma física da lataria. E é azul apenas porque eu gosto de azul, oras!
Os detalhes cromados estão lá para não esquecermos que, antes de qualquer coisa, ele é um carro clássico, onde os reflexos da superfície mostram o mundo em que não vivi.
Galeria 3D
Usei o modelo 3D que tinha para testar novas possibilidades e seus respectivos resultados visuais. Dentre eles, o que mais gostei foram a faixa branca lateral, o estepe posicionado no lugar do banco traseiro e as ripas de madeira para proteção da carroceria – sim, ele vai levar uma carga de vez em quando!
Nos vemos logo, galera!
Por Leonardo Porfirio, Project Cars #319