Por Luca Belga, Project Cars #33
Fala pessoal, espero que esteja tudo ótimo com vocês nesses tempos complicados que vivemos. Como mencionei no final do último post, esse terceiro e penúltimo capítulo dessa saga, eu comento o fundo do poço que cheguei com esse project car. Como sabemos bem, um Project Car é facilmente iniciado, mas algumas complicações fazem com que muitos fiquem pelo caminho. E quase foi o caso dessa Marea Weekend Turbo que possuo. Já adianto que o forte desse post não são fotos e sim um monólogo de como tudo deu errado. Vamos lá!
Com todas aquelas peças compradas, o projeto poderia ser dado como finalizado, certo? Errado! Muito errado! Por incrível que pareça, comprar as peças foi a parte fácil. A parte difícil foi justamente colocá-las todas juntas da forma correta e harmônica, em simples tradução, montar o carro foi difícil.
Não porque é uma Marea. Afinal, comparando com o que temos hoje no mercado, praticamente computadores sobre rodas, a Marea se tornou um carro extremamente simples de se realizar intervenções mecânicas. Sempre lembrando de respeitar a natureza de um projeto complexo. O meu maior problema com esse carro foi a mão de obra. Como disse no primeiro post, em uma expressão que nós cariocas utilizamos quando alguma coisa é mal feita, o carro foi montado “à Bangu”. Não me perguntem a origem da expressão, nós simplesmente utilizamos, algo como os paulistas falam como “feito nas coxas”. É basicamente isso o que quero dizer. Vale salientar que também tive problemas graves com algumas das peças que utilizei no motor do carro e isso será explicado mais adiante nesse post.
Como o Pardal posteriormente disse, “Como pode um investimento tão alto em peças da melhor qualidade terminar um lixo como esse?” Por mais ofendido que eu tenha ficado, era uma verdade que tive que engolir. Eu investi o melhor que eu podia nas peças desse carro, mantendo o projeto o mais no chão possível, mas com várias escapadas para o mundo da Lua e no final o que tive de retorno foi um carro extremamente mal montado e problemático.
Bom, depois das peças compradas levei para o curioso montar (não tenho condições de chamar aquele acéfalo de mecânico), eu aluguei um Fiat Mobi, rebati seus bancos e fiz duas viagens de casa até a oficina tamanha a quantidade de peças que seriam colocadas novas naquele carro, a lista era imensa e o trabalho seria longo e árduo mas, como combinado, ajudaria no que fosse possível, fazendo viagens rápidas ate uma loja de ferragem, comprando abraçadeiras e outras miscelâneas que poderiam faltar. Me coloquei em total disposição para tornar o trabalho do rapaz o mais fluido possível.
Os problemas começaram logo no começo onde, depois das peças todas entregues na oficina, que fica a 45 km da minha casa, passei duas semanas indo ao encontro do curioso na esperança dele já ter começado a montar o carro. Tudo em vão. Após uma pequena discussão sobre quando que aquela pilha de porcas e parafusos voltaria a ser um carro novamente, o ajudante dele, que por sinal é uma pessoa muito mais competente do que o chefe, arregaçou as mangas e se pôs a trabalhar.
Apesar de competente, faltava capricho, cuidado, espaço e experiencia. A montagem em si ocorreu sem grandes problemas. O pesadelo começou após a montagem. Como todo mareeiro que se preze sabe, a Marea tem um sistema de lubrificação sensível. Não é insuficiente. É extremamente sensível, também por causa de suas folgas internas extremamente limitadas, na casa do milionésimo de milímetro. Qualquer quebra do filme lubrificante o resultado pode ser catastrófico. Então a primeira informação que eu busquei na primeira partida do motor foi a pressão de óleo. Como todo o motor estava zero por dentro, inclusive a bomba de óleo, eu estava relativamente tranquilo com a saúde do motor, mas não livre de preocupações. No momento da primeira partida, utilizando o Petronas Syntium 15w50 a pressão a frio beliscou os 7bar, já fiquei aliviado. Pelo menos frio o carro não quebraria por falta de lubrificação. Como o tempo no dia estava corrido, desliguei o carro antes do carro esquentar totalmente, isso foi um erro.
Para finalizar o carro e retirar daquela oficina, faltava apenas colocar o restante dos fluidos. Uma memória que tenho fresca na cabeça até hoje era o curioso trocando fluido de freio, abrindo os drenos das pinças e o fluido escorrendo direto pelas pinças seguida das rodas e pneus NOVOS que tinha comprado. Fiquei tão estupefato que não consegui esboçar reações para aquele evento, mas me marcou mentalmente.
Após esse evento, o carro ainda sem o Downpipe, foi de reboque para a loja de escapamentos onde ficou cerca de três dias para a confecção da peça toda em aço inoxidável em 3 polegadas para posteriormente voltar e finalizar as pequenas pendencias que restaram do projeto. Aproveitando a oportunidade de a loja oferecer o serviço de alinhamento e balanceamento, optei por realizar por la mesmo e ali já apareceram outros problemas como a porca do semi-eixo estar bem frouxa com o risco da suspensão colapsar durante a condução do carro. Também o fato de as pinças de freio estarem mal apertadas e a roda nova estar manchada de fluido de freio porque o porco não limpou.
Corrigido esse problema, finalmente poderia levar o carro de volta para casa. Porém não foi bem o que aconteceu. Durante o percurso, o carro finalmente atingiu sua temperatura normal de funcionamento, podemos ver que a ventoinha trabalhava bem, a troca térmica acontecia e o carro funcionava muito bem. Até que…
A luz de óleo começou a piscar em marcha lenta, nessa hora eu me apavorei, passou um filme na minha cabeça de todos os possíveis riscos que eu poderia ter mitigado e onde eu poderia ter falhado. Logo após a luz de óleo piscar no painel, o manômetro não indicava pressão de óleo, o ponteiro estava repousando no seu batente, em 0 bar. Ali eu comecei a suar frio, bateu o desespero, desliguei o carro na hora sem saber o que fazer, por que isso acontecia? Esperei algumas horas até o carro esfriar e o óleo “engrossar” novamente, ali mesmo, no meio da rua e voltei a ligar o carro, com a pressão mais alta, consegui chegar na casa da minha namorada, que era mais próxima da oficina do que a minha casa.
Durante esse curto percurso, percebi que a pressão de combustível, ao contrário da pressão de óleo estava estupidamente alta, por volta de 5 bar, e o funcionamento do carro acima das 3.000 rpm muito irregular, com falhas constantes. Quando cheguei a casa da minha namorada, ainda com o carro ligado, aproveitando os últimos momentos de pressão de óleo, eu tirei toda a pressão de combustível que consegui pelo dosador e nada aconteceu, manteve estável por volta de 5 bar. Ainda muito alta para uma pressão inicial.
No dia seguinte, tentando imaginar o que seriam os problemas nas falhas do carro acima de 3.000 rpm, dado o histórico curto e problemático que o carro apresentava, parti logo para a verificação do ponto do motor e para a minha infeliz surpresa, o carro estava cerca de três dentes fora de ponto. Então, após eu mesmo colocar o carro no ponto novamente, esperei o melhor dia para levá-lo de volta pra casa, um domingo bem cedo, com pouco trânsito e temperaturas amenas.
Consegui realizar o feito. Porém, na entrada da minha garagem, mais precisamente embaixo do portão escuto um estalo e o carro desmorona para o lado esquerdo, quando coloco a cabeça para fora da janela, vejo três quartos do pneu para fora do para-lama e o carro simplesmente travado. Sim meus queridos, a roda do carro soltou. Quero lembrar a todos que nessa altura o carro tinha aproximadamente 30 km rodados desde a sua saída da oficina e cerca de quatro dias. É um Alasca em banho de água fria.
Bom…consegui rebocar o carro para dentro da garagem, pelo menos para livrar o portão do condomínio. Eu e o porteiro empurramos o carro até uma vaga mais reservada onde pude encostar o carro e tirar uns dias para chorar num quarto escuro em posição fetal.
Quando passei essa fase de desespero e sentimentos de suicídio, desci na garagem novamente para verificar mais claramente o estrago que havia sido feito no carro. No final, a roda ficou apoiada no disco de freio e por isso ela não destruiu os para-lamas do carro. Além disso, empenou os quatro prisioneiros que havia pedido sob medida. Para fechar com chave de ouro, fui verificar o reaperto das outras rodas com medo de que elas pudessem se soltar e descubro que dos quatro cubos, dois estavam com as roscas espanadas por excesso de aperto e os outros dois com as porcas frouxas sob o risco da roda cair – como aconteceu com uma delas.
Então os quatro cubos encomendados sob medida utilizando prisioneiros para furação de rodas 4×100 viraram lixo. Caso vocês não saibam, para trocar o cubo dianteiro da Marea, é preciso retirar a manga de eixo e destruir o rolamento de roda, peça esta que é extremamente difícil de conseguir pois o carro possui freios ABS e a fita magnética para a leitura do sensor fica no rolamento. O prejuízo beirou os R$ 1.000. Por conta disso, eu desisti de utilizar rodas 4×100, comprei parafusos e cubos originais e retornei o jogo de rodas originais aro 15. O que fez o rombo nas contas ainda maior, mas sem isso, o carro não iria a lugar nenhum. Acrescentando que isso tudo aconteceu um dia antes do meu aniversário, foi um belo presente!
Bom, eu já estava com um carro sem acerto, sem rodas, sem pressão de óleo, com muita pressão de combustível e com motor fora de ponto. Assim finalizava minha primeira semana com o carro após a retirada do carro da oficina. Recomendo o serviço dos caras caso vocês desejam encurtar o caminho do seu automóvel pro ferro velho.
Nesse ponto, é de se pensar que qualquer se humano queira desistir do projeto, eu cheguei a simular uma venda do carro daquele jeito com tudo montado, mas tudo por fazer, sem diagnósticos, um verdadeiro tiro no escuro, quase tudo acertado para mandar o carro embora e tudo se acabar mas meu nome é Joseph Climber (pelo menos me sentia como ele, hehe). Meus pais, namorada, amigos (pouquíssimos) e o Pardal me ajudaram moralmente e financeiramente para finalizar esse projeto.
Deixei o carro parado aproximadamente dois meses tentando resolver o que seria feito. E resolvi que mandaria ele para a Pardal Racing. Pela primeira vez a Pardal Racing entra como o novo mecânico do carro. Ele foi para São José dos Campos de cegonha completamente inapto a rodar tamanha a quantidade de problemas e ficou resolvido que nesse primeiro momento ele faria somente o carro apto a se mover pelos seus próprios meios.
Chegando a vez da Marea na fila da Pardal Racing, começaram a surgir os primeiros diagnósticos, a primeira etapa foi resolver o problema das rodas, sendo trocadas todas as peças que enviei, o carro agora poderia ser movimentado pela oficina.
Com o carro no elevador foi retirada a bomba de óleo nova da Takao e observada que havia uma grande folga nas engrenagens para uma bomba tão nova, e a mola da válvula de by-pass (ou alivio) estava com pouca carga elástica, oferecendo menos resistência e abrindo a válvula antes do momento correto. Aproveitando o carro no elevador, retiramos o cárter e verificamos um excesso enorme de cola para vedar e as bronzinas compradas novas de um distribuidor antigo da Metal Leve com defeitos de fabricação.
As bronzinas tinham desgaste acentuado de material em algumas partes e outras não o que não permitia um assentamento adequado da bronzina no colo do virabrequim, dessa forma surgiam pontos de maior folga entre as peças, o mais assustador foi que todas as bronzinas de virabrequim (mancal fixo) estavam defeituosas, apesar de as bronzinas de biela (mancal móvel) estarem em boas condições.
Como eu já estava pelas tampas com o carro, eu não quis ter trabalho de mandar as bronzinas para análise do fabricante para um diagnóstico para verificar se as peças eram falsas ou não, apesar de tentar conter o risco de não comprar peças em qualquer lugar, o estrago já estava feito então eu simplesmente joguei as peças no lixo e instalei bronzinas da Sintermetal nas bielas e Apex no virabrequim.
Nesse momento o gasto extra de fazer a nitretação do virabrequim me poupou de um enorme prejuízo, pois a peça estava simplesmente impecável sem nenhum tipo de risco, nem raso, tampouco profundo. A superfície mais endurecida da peça manteve a integridade dela, então, sequer retirar o virabrequim foi necessário.
Com dois problemas resolvidos, partimos para a linha de combustível, tentar desvendar o motivo de uma pressão tão alta e de cara descobrimos a razão. O curioso, na tentativa de deixar o trabalho “limpo” passou uma tubulação muito mais grossa pelo mesmo espaço da tubulação original e para poupar tempo e aproveitar as conexões originais, ele estrangulou a linha prensando as mangueiras entre o monobloco e o tanque de combustível e também no acesso ao tanque onde o retorno de cerca de 9 mm de diâmetro encontrava uma entrada de 4 mm de volta ao tanque de combustível.
Sem falar no fato das mangueiras estarem em contato constante com a caixa de direção e já apresentando desgaste acentuado podendo se romper num futuro próximo. Então foi necessário basicamente refazer toda a linha de combustível pare que ela tivesse mais fluidez pelo carro todo.
Dessa forma conseguimos matar mais um problema e agora partiríamos para as falhas constantes do carro. O primeiro problema foi o parafuso do virabrequim do carro, é um parafuso cujo torque é extremamente alto, cerca de 36 kgfm de torque para apertar adequadamente esse parafuso, ou seja, é ter sangue nos olhos para apertar corretamente. Caso ela não seja apertada corretamente, com a vibração do motor, aos poucos ela se afrouxa e a polia se movimenta entre o parafuso e o bloco e a trava da chaveta se desloca tirando o motor do ponto de sincronismo correto. O que ocasionou o problema mencionado anteriormente no post.
Depois disso finalmente partimos para o acerto do chip da Motronic, realizado de maneira exemplar pelo Hermes junto a Pardal Racing com muita calma conseguimos extrair excelentes números do carro.
Passamos o dia todo no dinamômetro acertando cada detalhe do mapa. Os resultados finais foram 459 cv nas rodas com 53 kgfm de torque a 1,2 bar de pressão fixa na turbina. Usando pouca pressão, um mapa conservador para que o carro durasse bastante sem me dar dor de cabeça. Finalmente estava vendo uma luz no fim do túnel, o carro finalmente funcionando de forma decente, apesar de feio, andava e andava muito bem.
Mas infelizmente a luz no fim do túnel era um mata mosquito que queimou.
Com o carro finalizado, depois de cerca de quatro meses, finalmente eu busquei o carro e trouxe ele de volta para casa, estava muito animado de finalmente poder rodar com o carro que aguardava cerca de dois anos e meio para concluir e curtir pelas ruas a fora!
Os dois primeiros dias de lua de mel foram os melhores, levei a namorada pro primeiro (e único passeio) no carro, assustei velhinhas nas calçadas com o ronco visceral do cinco-cilindros, dei benga no GTI de um amigo meu, foi tudo bem legal. Até o terceiro dia chegar. Nesse ponto, o carro já estava bem rodado, com cerca de 600 km no hodômetro (ironia mode: on), quando fui levar um conhecido para uma volta, numa rua bem próxima da minha casa, dou uma acelerada daquelas de respeito, destracionando tudo que podia, a verdadeira prezepada!! Quando escuto um estouro muito alto no escapamento e o motor apaga. Do nada!
Gelei, fiquei sem reação, o carro como um zumbi, rolando nos pneus pela rua silenciada pelo estrondo do escapamento (foi realmente MUITO alto) até que consegui parar numa rua vizinha menos movimentada. Sem esboçar reações eu saí do carro e abri o capo para ver o tamanho do estrago. Quando eu levanto o capô, como uma cobra, a correia dentada se atira em minha direção, quase caio para trás com o susto. Minha próxima ação foi simplesmente fechar o carro e dar as costas para ele.
De novo um outro filme com todos os problemas passou pela minha cabeça, tudo o que gastei de dinheiro de peças, frete, tempo meu, do mecânico, amigos, parentes etc. Todo esse desgosto acumulado passou pela minha cabeça quando vi a correia do carro arrebentada. Fui a pé para casa, chorando igual uma criança, chorando de raiva, misturada com impotência de não conseguir vencer esse desafio que era colocar o carro em ordem. Me senti vencido pela fama de bomba que o carro tinha, foi realmente muito estressante.
Mais tarde, naquele dia, ligo para o reboque (a essa altura eu já tenho vários contatos salvos na agenda do celular) para ele buscar o carro e levá-lo para casa, nesse ponto, ligo para o Pardal e explico a situação para ele.
A partir daí, vocês irão descobrir o que aconteceu com o carro no próximo episódio. Como disse, esse capítulo triste repleto de problemas e frustrações foi absolutamente necessário para que conseguíssemos chegar onde o carro se encontra hoje.
No próximo e último post vocês descobrirão a reviravolta! Espero que tenham gostado dessa longa leitura, excelente para nos distrair nesses tempos sombrios de quarentena! Um forte abraço!