Olá! Meu nome é Gustavo, sou engenheiro e gostaria de compartilhar com vocês parte de uma história sem fim. Na verdade, em termos de projeto, eu diria que o objetivo principal já foi atingido, mas que novos objetivos continuam sendo adicionados (alguém aí pensou ). Vou falar sobre o meu Gol GT 1985, de como tudo começou e do porque de eu não querer me separar dele, jamais. E é cômico pensar que eu, que sempre detestei Gol quadrado, consegui criar uma relação tão forte com este modelo.
O processo de adoção
Sou de Lorena/SP e lá por 2008 eu trabalhava em São José dos Campos/SP. Como não precisava de carro pra trabalhar, acabei por vender o meu Ford Fiesta Class, o Pikachu (apelido que o Luis do PC#299 adora), e apliquei o dinheiro, sem pensar no que iria fazer dali pra frente. Só sabia que a grana estaria lá para quando eu precisasse.
Um belo dia estava de férias em Lorena e vi um Gol GT com um anúncio de “vende-se” no vidro traseiro. A primeira vista, era algo pra se olhar com calma. A carroceria parecia estar muito alinhada, mas eu sei que carros antigos podem ser cheios de surpresas – apesar de este ser o meu primeiro carro antigo, em casa já temos um histórico grande de jipes e que só de fotos renderiam um livro.
Ao chegar em casa, liguei para o número e a esposa do então proprietário do Gol GT atendeu. Ela disse que o carro estava ok e que eu poderia ir vê-lo na hora que quisesse. Combinei então um horário e fui ter o meu primeiro contato com aquele GT. O carro não tinha cheiro de mofo, muitos itens de acabamento estavam impecáveis e as únicas ressalvas eram por conta do relógio digital, do volante de dois raios que eu acho que veio de uma Parati CL, do forro dos bancos, portas e tampão rachado.
O motor pegou de primeira, e lá fomos passear com o carro. Desci pela Estrada Velha (antiga Rio-São Paulo) e percebi logo que o motor estava relativamente confiável, apesar de estar fumando. De resto, estava ótimo, sem ruídos estranhos, estalos ou rangidos. Lógico, a ótimo eu me refiro ao estado da carroceria. A suspensão estava um caos e ao menos os freios funcionavam.
Acertei o preço e levei a encrenca pra casa. O que eu tinha? Um carro que precisava ser refeito por inteiro. Na parte elétrica ele tinha (e ainda tem) alguns “bugs”. Faróis e lanternas estavam bem judiados. Pneus…melhor nem mencionar. A pintura tinha três tons de vermelho e várias partes pintadas com spray preto fosco, inclusive a grade e a borda da lente dos faróis. O motor matava os pernilongos do quarteirão inteiro e cuspia óleo pela garagem. Minha mãe quase chorou quando eu cheguei com essa coisa em casa. E eu disse que o carro estava ótimo, mas me referia à carroceria. Essa sim merecia respeito, alinhada, com poucos sinais de podres ou bolhas e sem a famosa trinca no túnel. Ah, e tinha a película dos vidros, que de tão escura que quase não se via nada. Quando eu saía de casa nele com um gorro preto na cabeça eu não precisava nem pedir desculpa por alguma besteira que eu fizesse no trânsito. Normalmente a outra parte já saia correndo de medo.
Mas por que eu peguei essa coisa pra criar? Basicamente porque eu tinha tempo, dinheiro e sabia onde resolver os problemas sem ter que ficar plantado na porta das oficinas. Lembrem-se, eu não tinha condução alguma e trabalhava longe das oficinas que conhecia.
Os primeiros passos
O primeiro passo foi enviar ele para uma conceituada oficina de preparação de Itajubá/MG, a Ratoeira. Eu conheci a Ratoeira dos tempos de faculdade e sabia que ela me entregaria exatamente o que eu pedisse. Conversando com o André, dono da oficina, acertei que manteria o motor praticamente original, e ele me sugeriu algumas alterações pra ele ter uma pegada melhor em baixas rotações. O motor estava standard, apenas um pouco “cansado”, e se não me engano, o virabrequim foi pra 0.25, pois a folga já estava além da tolerância. O cabeçote foi pra uma retífica, pois estava empenado, e a bobina original foi trocada pela do Gol Mi, que é do tipo sólida, muito mais confiável.
Duas semanas depois, recebi de volta o Barão com o cabeçote levemente rebaixado, pistões novos, e uma polia regulável, o suficiente para começar a brincadeira. Ele ainda tinha um abafador genérico que deixava o ronco um tanto “mundano” demais, mas como ele não estava furado, não troquei. E nessa ida pra oficina um dos faróis cometeu suicídio. A lente descolou completamente e caiu no chão durante uma madrugada qualquer. Uma pena, mas o resto do farol já pedia que o conjunto fosse trocado.
Nesse meio tempo, meu pai estava montando um jipe com motor AP 1800 a álcool e o dito cujo também usava um carburador Brosol 2E, que tinha sido completamente revisado em Guaratinguetá (SP). O motor funcionava liso, mas mesmo assim não foi uma escolha feliz para um jipe (o AP quase nunca é), e ele foi trocado por um diesel.
O que tinha na garagem de casa então? Um carburador igual, porém muito mais em forma do que o meu. Que sorte hein? E ele está lá até hoje, com o segundo estágio mecânico e tudo mais. Aliás, o segundo estágio do Brosol 2E é polêmico. Há quem defenda o acionamento pneumático, original, alegando que só assim ele atinge o desempenho ótimo. Nunca tive problemas com o meu, mas sempre tomo o cuidado de acelerar progressivamente.
De motor refeito, o projeto começou a andar. Os faróis Arteb eu encontrei na Unicom VW, em Porto Alegre, RS. Aliás, essa loja rendeu mais algumas peças originais e sempre com um ótimo atendimento. Novas também eram as setas da Arteb, que optei pelas brancas, ao invés das de cor laranja. As lanternas eu mantive as paralelas fumê, pois não tinha intenção de ter um carro placa preta e porque gostei do visual. Encontrei também os faróis de milha Rossi e mais tarde os de neblina Serra II. Todos foram montados com lâmpadas Osram, sendo que os faróis receberam um par H4 CoolBlue, as quatro setas são Osram Diadem e os faróis auxiliares agora tem as H1 CoolBlue. Um detalhe curioso é que os faróis de neblina parecem terem sido adaptados às pressas a esse carro, pois ambos vibram demais e cobrem o spoiler dianteiro.
Troquei as rodas por um jogo de rodas Orbital gominho aro 15 e calcei pneus Dunlop 195/50R15…vencidos. Tudo bem, foram baratos, mas já estavam ressecados e com a aderência comprometida. Ainda assim, rodei um bom tempo com eles até decidir pela reforma das rodas Snowflake originais, aro 14, que tiveram o fundo pintado de cinza (a pintura original é preta).
Nesse meio tempo, removi a tinta spray preta e descobri que a grade era na verdade vermelha, e esse é um detalhe curioso do Gol GT. Todos eles saiam de fábrica com a grade na cor da pintura, mas a grade não levava tinta. Ela era moldada em plástico da mesma cor da pintura, o que faz com que todas as grades fiquem foscas com o passar do tempo. Essa é a primeira coisa que deve ser observada no Gol GT e quase nunca a grade é original. Achar uma dessa nova? Nem na Sala dos Milagres em Aparecida do Norte! Ah, e o Gol GT saia de fábrica nas cores vermelha, preta, branca, prata e champagne!
A essa altura, ele já chamava atenção e já era conhecido pelo apelido dado por meu pai: Barão (o aviador, não a banda).
Encontrei em São José dos Campos, quase que ao acaso, um abafador original Kadron, oval e com saída dupla independente. Esse é o original de fábrica, diferente dos abafadores do GTS e GTI, que são redondos, com saída dupla em Y. Foi a peça que mais me trouxe alegria nesse começo, pois mudou completamente, e pra melhor, o ronco do carro. Agora sim ele mostrava o potencial que eu havia visto e soava como deveria soar. Anos depois, estacionando no Autódromo Nelson Piquet em Brasília, um motociclista que estava ao lado confirmou com saudosismo de que o Barão tinha exatamente o ronco de quase 30 anos atrás.
E numa viagem aos EUA, aproveitei pra procurar um rádio que encaixasse com a proposta. Sim, eu não ia pagar R$500,00 num rádio de época. Queria algo moderno, porém, sem exageros visuais que fossem incompatíveis com o restante do painel. E eu cheguei muito perto disso. Encontrei um Clarion com linhas retas e botões retroiluminados em vermelho, porta USB e opção de kit Hands-Free. Era obviamente moderno, mas mesclava com o resto do painel até que decentemente bem.
Fora isso, é um aparelho muito competente e com ótima qualidade de som. Também adquiri um sub-woofer da Boss feito sob medida para pick-ups, e que seria o ideal para o diminuto porta-malas do Barão. Os alto-falantes traseiros foram reformados depois de eu constatar que o par novo que havia conseguido em SJC mesmo não soava tão bem quanto os Novik 4×6 originais. E parei por aí, because vintage car! O ronco de qualquer motor é muito mais interessante do que qualquer playlist na maior parte dos passeios.
O grande susto e alguns crimes premeditados
São José dos Campos foi palco do início deste PC, e também de um dos episódios mais angustiantes que eu passei. Numa tarde eu precisei ir resolver um problema com um dos clientes e fui com ele. Na volta eu estacionei ele do lado de fora, no fundo da rua sem saída, pois todas as vagas do escritório foram preenchidas na minha ausência. Lá pelas 18h, saí e não encontrei o carro.
Sim, ele havia sido roubado, e a única testemunha foi um amigo meu que também estava saindo na hora do roubo e viu o Barão sendo muito mal conduzido (normal quando se pega um carro a álcool carburado e se sai correndo, sem aquecer o motor). Inacreditável, pra dizer o mínimo, sair do escritório e encontrar uma vaga a mais na rua. A revolta que algo assim gera deixa qualquer um meio aéreo, mas consegui fazer o B.O. e ainda tive cabeça pra vencer uma bateria de kart na mesma noite.
No outro dia eu falei com todos os prédios vizinhos, tentando recuperar alguma imagem das câmeras de segurança, ou ao menos para tentar encontrar alguma testemunha que tivesse visto o ladrão. De noite, veio uma ligação de uma delegacia de um bairro bem afastado dali, dizendo que o carro havia sido encontrado.
Sim, em um dia ele reapareceu, e quase inteiro! O rádio não estava lá, parte do console inferior e do console do relógio também não. O para-sol do passageiro, que vivia caindo, também tinha sido arrancado. O carro foi encontrado não muito longe dali, abandonado e sem combustível, e então eu entendi o que aconteceu.
Eu já havia trocado a bóia de combustível, mas o marcador do painel estava com problema, o que deixava ele muito otimista. Sim, meu carro foi salvo por pane seca. No dia anterior, quando estacionei o carro na rua, sabia que ao final do dia eu deveria ir dali direto pro posto e abastecer. Foi uma sorte que eu espero nunca mais precisar ter.
Eu também cometi um crime contra o Barão. O tecido original dos bancos estava lá, mas estava desfiando, com algumas partes rasgadas ou manchadas. Levei-o a um tapeceiro muito competente de Lorena, que retirou o tecido original e colocou um novo sem fazer novos furos no courvin dos bancos. Quem vê, pensa que ele saiu de fábrica com aquele tecido, de tão perfeito que ficou.
Nas portas o capricho foi o mesmo, e o tecido novo foi aplicado aos forros com capricho e atenção. Mesmo assim, até hoje me arrependo. Quando se encontra do tecido original para vender, é uma peça bem surrada e custando os dois olhos da cara. O lado bom disso é que ganhei a liberdade de poder escolher o tecido que eu quiser, dependendo da disponibilidade e preço, quando for trocar o tecido novamente.
Nesse meio tempo também troquei o volante pelo famoso “Quatro Bolas”, que só veio a equipar o Gol GT em 1986. Acho esse volante mais bonito que o original, que é outra peça com o preço muito acima do razoável, e eu ainda tive a sorte de encontrar um em muito bom estado. O para-sol eu encontrei no Mercado Livre, em ótimo estado, e com a mesma textura do forro original. E foi garimpando on-line que eu encontrei também dois consoles do relógio digital, e arrematei os dois. O engraçado é pensar que nem faz tanto tempo assim, mas as coisas já mudaram bastante. Os batentes dos bancos, por exemplo, eu comprei de estoque antigo de concessionária, e foi fácil como ir à esquina comprar pão. Hoje em dia já não se encontra quase nada sem uma boa dose de paciência.
O estágio final?
Algum tempo depois de todos esses pequenos eventos, resolvi encostar ele numa oficina para fazer completamente a funilaria e pintura. Aliás, a troca dos tecidos que eu mencionei a dois parágrafos atrás foi feita ao mesmo tempo da pintura, já aproveitando que o carro seria completamente desmontado. Eu tinha duas opções, e resolvi ficar com a mais econômica. Explico: Há uma oficina de funilaria de primeira linha em Lorena, com direito a estufa para secagem e um atendimento primoroso. Coisa fina mesmo, mas o orçamento sairia muito alto para aquele momento. Já a opção econômica, era na verdade uma oficina em que todos tem muita confiança. E o Dirceu abraçou o trabalho e me entregou o carro em três meses!
As surpresas nem foram tantas assim. Havia podres em locais conhecidos, como nas caixas de ar (que foram trocadas), na junta dos para lamas dianteiros (que sempre reaparecem), e um buraco no assoalho do lado do motorista. Felizmente nenhum painel precisou ser trocado e a frente era a correta, com entrada de ar somente pelo lado do motorista. Por baixo do carpete e do feltro, há uma placa de um material que parece ser manta asfáltica em cada parte do assoalho. Algumas partes estavam quebradas e ressecadas, então decidimos remover tudo e colocar algo no lugar. Hoje eu penso que poderia ter deixado sem, em favor da redução de peso (Colin Chapman aprovaria), mas na época eu temia de que o carro ficasse muito barulhento, e minha intenção era pegar estrada com ele. Recorri à manta asfáltica que se vende em casas de material de construção, e ela caiu como uma luva.
O carpete eu levei para casa e lavei ele com água, sabão em pó e uma vassoura. Tive que lavar 3 vezes até a água do enxágüe sair relativamente limpa. E então veio a hora de decidir as cores e padrões de pintura. Para a carroceria, Vermelho Royal do catálogo VW 1984. O cinza é o Antracite, que preferi fosco, e que ficou muito legal. Anos mais tarde descobri que o cinza Antracite não era fosco nesse carro, mas não me importei e mantive como havia feito.
E lembram-se da grade? Um dia resolvi visitar a minha faculdade em Minas Gerais e lá fui eu subir a Serra da Mantiqueira com o Barão. Ao passar por Itajubá, havia um urubu no acostamento, e ele resolveu atravessar a pista (voando) bem na hora em que eu passava. Não tendo como desviar, atropelei o bicho e ele saiu rolando por cima do carro. Parei logo à frente e fui verificar o estrago. Farol ok, milha ok, capô ok, mas da grade faltava um pedaço de uns 5cm que nunca foi encontrado. E assim ela virou o primeiro troféu da garagem. É sério, nem tentei restaurar. Acomodei ela numa prateleira e providenciei uma genérica pra usar no lugar, devida e obviamente pintada de Vermelho Royal.
O Barão ficou um espetáculo! Toda a paciência valeu à pena, e agora definitivamente ele tinha cara de carro restaurado. Havia uma aura oitentista que foi preservada e isso agradava muito. Até o cheiro de VW de época estava lá! Os tapetes Borcol novinhos colaboravam com essa sensação, bem como o retorno das rodas snowflake aro 14. Os pneus escolhidos dessa vez foram os GoodYear Excellence 185/60, nas medidas originais e com um desenho que não destoava do conjunto. Para a proposta inicial, eles cumpriam muito bem a função, principalmente pelo baixo ruído de rolagem e relativo conforto.
Nessa primeira etapa eu tive muita ajuda de meus pais, meu irmão e de meu amigo Rodolfo Staut (que um dia vai contar a saga do Dodge Charger dele) e sou grato a todos eles. O Barão nunca teria ficado do jeito que é sem vocês.
Mas mudanças vieram, e das grandes, e o Barão continuou evoluindo. Sobre essas mudanças e muito mais eu vou contar na próxima parte. Até lá!
Por Gustavo Moritz, Project Cars #371