A segunda parte do PC #376 vai ser destinada a um único carro, que iniciou e mostrou ser viável o negócio da forma que idealizamos. Mas a aquisição desse carro foi bem curiosa e merece ser contextualizada.
Por sempre gostar de carros diferenciados, além dos que tinha pra meu uso, alguns amigos me confiavam a venda desses carros. E um desses carros era um Omega CD 3.0 automático que o Clayton, um grande amigo, comprou pra revitalizar e a vida deu uma de suas rasteiras. O carro estava na loja, que pelo menos dispunha de toda estrutura pra financiamentos e afins. Mas ele conseguiu um cliente da cidade vizinha pra ver o carro, num domingo chuvoso. E pra lá fomos, com outros dois amigos apaixonados por Omega.
Enquanto o Clayton apresentava o carro com todo o entusiasmo de quem tinha abraçado o projeto, deixamos a negociação fluir e papeamos dentro do escritório. Eis que o Jota insiste pra eu olhar o anúncio do Opala de um amigo dele. “Interessante, mas não é o que procuro- aliás, eu nem tô querendo/podendo ter Opala agora”, pensei.
E saíram a testar o Omega. Porém, era um carro que estava parado há algum tempo, e mesmo prometendo uma revisão antes da entrega, um selo do carro arrebentou durante o teste. Assim, o cliente fingiu manter o interesse no carro, mas pulou fora antes de efetivar a compra. Isso permitiu que o carro fosse pra outro amigo nosso, e juntos tiveram uma boa convivência sem grandes problemas.
Essa história é importante pois coincide com o Comodoro que vou narrar e serve como analogia ao que ocorre no meu ramo de trabalho.
Mostrar o Omega com toda a transparência do mundo, e encarar o carro como um projeto de realização pessoal e transmitir isso a outra pessoa pode parecer uma loucura. Enquanto apaixonados por carros, nosso nível de exigência vai fundo nos detalhes que passariam despercebidos por quem só quer um carro bacana pra andar aos finais de semana. Aí os consumidores surgirão em 3 ramos:
-O cliente comum: está disposto um preço baixo pra ter um carro que sempre sonhou, por mais que tenha coisas a fazer. Deve “se enganar com os próprios olhos”, pois ao projetarmos nossos desejos naquele carro, mentalmente elevamos o custo final, depreciando assim a base do projeto. Geralmente, esse cliente vai fazer no carro o essencial para mantê-lo rodando; talvez aprimorando sua estética. Mas não chegará a ser um “zé frisinho”, nem se importará com a qualidade das peças. Pode ser identificado como o cliente que pergunta o consumo de um carro.
-O cliente entusiasta: está disposto a colocar a mão na massa, sabe reconhecer uma boa base de projeto, já sabe onde quer chegar e provavelmente sabe os caminhos até o destino (quem e onde fazer, quanto investir, etc). As dúvidas serão poucas e objetivas e tratarão do carro em específico. O consumo NÃO está entre essas dúvidas.
-O cliente VIP: por razões colecionáveis ou saudosistas, ele sabe bem o que procura e está disposto a investir pra isso. Pagará um valor acima da média e em contrapartida espera receber um veículo que traga um número bem maior de alegrias do que de dissabores. Por isso, é importante que eles conheçam o carro quando já está pronto.
E assim vamos ao Opala.
Assim que montei o “modus operandi”, comecei a olhar muitos dos Opalas anunciados. E nesse período, vale a máxima reforçada por muitos colecionadores, dentre eles o respeitado amigo Alexandre Badolato, em seu livro Dodge, História de uma coleção:
“Deixe que todos saibam o que você procura. Assim, boas ofertas surgirão naturalmente”
Nessa fase, o Jota me liga pra dizer que o Opala (que outrora ignorei) continuava a venda e valia uma visita. E o melhor: o preço havia baixado. Combinamos pro final da tarde e viajei até Rio Grande pra conferir o carro.
Chegando lá, uma grata surpresa: o carro tinha uma lataria muito lisa, uma pintura novinha- recém feita, faróis e lanternas Cibié, interior razoavelmente bom. Mas a configuração ajudava muito:
Comodoro cupê do último ano de fabricação (1988), com motor 4.1 a álcool, pintura externa na cor azul Atlantis metálico e interior monocromático na cor azul Pilot.
Como havia sido repintado há pouco (serviço muito bom), a parte elétrica e mecânica sequer havia sido ajustada. O carro tinha quatro rodas BRW “BBS” aro 17” com pneus 0km, praticamente não haviam rodado. Fiz duas propostas:
A primeira, eu compraria o carro “nos tocos”, me virando pra comprar as rodas originais. E a segunda, um pouco maior, obviamente, compraria o carro assim. Pela necessidade do vendedor, acabamos fechando na segunda, o que me permitiria levar o carro imediatamente.
Ele aceitou receber um cheque à vista pra descontar na segunda-feira (era uma sexta) mas disse que ainda aguardara o exercício 2015, já pago, mas cujos papéis ainda não tinham sido enviados. Também me recomendou levar o carro em outra ocasião, pois a elétrica não estava ajustada.
Mesmo assim, não resisti: sexta-feira chuvosa, 19:30, abasteço o Opala com álcool pra pegar os 60 km estrada escoltado pelos meus pais, que vinham atrás pra me amparar em qualquer eventualidade. E eles vinham rindo dos “peidos” que o Opala dava por estar fora de ponto, das engasgadas quando chegava perto das 3.000 rpm, do pisca que acendia quando pisava no freio, etc.
Ao chegar aqui, imediatamente comuniquei a alguns amigos sobre o novo carro. Mostrei a foto pra um, que se interessou pelas rodas. E ele tinha as originais, novíssimas, pra colocar na troca. Como iria encontra-lo na Expoclassic, desmontei as 17” e levei pra ele. As originais, ele mandaria pra Pelotas junto com um Opala que ele tinha vendido pra um amigo em comum. E nesse período, montei um jogo de rodas de ferro que eu tinha aqui só pra quebrar galho (mesmo):
Nesse intervalo, começamos as obras. Pela necessidade de tocar o serviço, não me atentei às fotos. Mas foi feito o básico: reinstalamos o vaso de expansão do radiador, trocamos os rolamentos de roda dianteiro, e refizemos a instalação elétrica e o aterramento. O carburador estava com a base empenada, mas foi feito um primoroso serviço aqui. Toda essa parte foi terceirizada, pois não disponho de ferramental, espaço e nem conhecimento pra efetuar esses serviços no DIY.
Os pneus escolhidos foram os Michelin, na medida original 195/70R14, comprados 0km.
Também precisei encomendar algumas poucas peças de acabamento, como o acabamento do friso esquerdo, os emblemas 4.1/S e Chevrolet, a bow-tie da grade dianteira e os emblemas “Comodoro SL/E” laterais.
As peças mais difíceis, eu encontrei com preço justo na RP Parts, auto peças especializada em Chevrolet Opala, do Ricardo, que veio a se tornar um grande amigo.
Com todas as peças compradas, era fazer um polimento e uma lavagem interna pra anunciar a venda. Porém, antes disso, um amigo (o mesmo que trouxe as rodas) queria comprar mais um Opala pra coleção. Me contatou e veio ver o carro no mesmo dia, ainda sujo. Nem quis ver funcionando, pediu pra que eu levasse até sua garagem, onde me pagaria. Assim: rápido e objetivo, antes mesmo que eu anunciasse a venda.
Fiquei de acertar alguns detalhes assim que ele curtisse o carro, e caso tivesse alguma queixa, que me anotasse pra eu poder resolver.
Nenhuma surpresa! Tudo dentro do previsto!
Um tempo depois, busquei o carro pra finalizar. O vidro do motorista estava fechando muito torto, então consegui localizar os roletes 0km aqui na cidade mesmo. Foi algo que resolvemos na oficina do Schumacher. Ele trabalha como auto-portas, mas é verdadeiro conhecedor e entusiasta. Ainda assim, evita ao máximo trabalhar com carros mais antigos, dada a dificuldade em localizar alguns componentes. Eu preciso insistir, mas por confiar cegamente em seu trabalho. Logo após, levei o carro para a lavagem e polimento final, antes de devolvê-lo reluzente ao novo proprietário.
Tive a sorte de busca-lo na lavagem em um dia ensolarado, e no caminho pra lá, aproveitei pra fazer mais algumas fotos no dos campus da Universidade Federal de Pelotas- afinal, não havia feito as fotos detalhadas pra poder anuncia-lo. Assim, o que restou foram registros do convívio com o carro (e do assédio que ele sofria em encontros e até mesmo em churrascos).
Mas no instante da venda, já iniciei a procura por um substituto. Que será narrado na próxima parte. Até lá!
Por Fernando Pavani, Project Cars #376