Olá amigos de pé embaixo! Em primeiro lugar gostaria de agradecer os expressivos 92 votos que me permitiram participar deste Project Cars e contar a estória do meu VW SP-2. Meu nome é Clenio Santos, moro em Ipatinga/MG, sou professor e tenho um VW SP-2 1974 na montagem final das peças de acabamento, depois de um longo período de trabalho de doze anos. Uma vida, ainda mais se considerar que nesse tempo todo não andei vinte quilômetros nesse carro. Mas antes da estória, é sempre bom relembrar a história do carro em si.
O VW SP-2 surgiu como um projeto da Volkswagen brasileira no início da década de 1970, época de política e economia em polvorosa no Brasil. O golpe de 1964 que levou os militares ao poder, uma política econômica de crescimento expressivo que resultou no chamado “Milagre Brasileiro”, a mudança definitiva de perfil da população do campo para a cidade são alguns dos fatores que culminaram com uma época única no pais (para o bem e para o mal) que permitiram à indústria automobilística brasileira se aventurar para além da (re)produção de modelos defasados do exterior.
Houve grandes avanços, a nacionalização cada vez maior e a adaptação de projetos estrangeiros à realidade do mercado nacional, como o Opala (motorização americana em carroceria alemã) permitiram à VW do Brasil ousar com aquele que talvez seja a prova da capacidade inventiva do nosso povo: o SP-2.
Diz a lenda que o SP2 foi um desejo direto do presidente da empresa à época, Rudolph Leiding, que, em razão desse sucesso (ou não) e de outros grandes acertos (o Brasília) acabou por assumir o comando da matriz. A equipe encarregada da missão foi conduzida por três nomes significativos para a VW: José Vicente Novita Marins, Jorge Yamashita Oba e Marcio Piancastelli, cuja estória nós já conhecemos aqui mesmo no FlatOut.
O carro foi desenvolvido no início da década de 1970, com suas linhas com origem no VW 412 (Type 4), e influenciadas por carros como Jaguar (sua traseira curta e curva). Buscava-se desenvolver um interior refinado, razão pela qual adotaram bancos em couro, um console central com vários instrumentos para auxiliar o motorista, além de ser em material deformável. O carro ainda introduziu um item de segurança surpreendente para a época que era o cinto de três pontos, embora não retrátil. Interessante destacar que em uma de suas versões quase concluída (em 1971) ainda não tinha uma de suas marcas, as “guelras” laterais para o motor respirar.
O SP-2 foi projetado a partir do chassis da Variant, e sua carroceria de desenho arredondado e moderno conquistou o Brasil e o mundo pelo design de estilo limpo, com forte apelo esportivo reforçado por contar com apenas dois lugares. O carro ficou com um visual tão arrebatador que tem uma unidade e na época de seu lançamento foi destaque na imprensa mundial, como nas revistas Car and Driver e Hobby.
A carroceria brilhava em termos de desenho e o marketing em torno do veículo gerou considerável expectativa no público, e, quando finalmente foi disponibilizado no mercado, ainda veio em duas versões: SP-1 e SP-2. No entanto, em vez de dois esportivos, a VW praticamente matou o projeto ao oferecer um carro bem mais caro que o Fusca com o motor 1600, raquítico para a proposta de desempenho (o SP-1) e uma versão um pouco mais apimentada (o SP-2), com um motor de 1,7-litro boxer, refrigerado a ar, gerando 75 cv de potência bruta a 5.000 rpm cujo vexame só foi diminuído pela existência de uma caixa com relações mais longas (3,88:1), embora ainda longe do que se esperava.
Com esta usina de força o SP-2 chegava a 160 km/h e fazia o 0 a 100 km/h em 17,4 segundos (se segura Usain Bolt!), embora seu consumo não fizesse feio nos dias de hoje, com média de 10,5 km/l ainda que com gasolina. Havia também freios a discos na dianteira atrás de rodas de aço de 14 polegadas, bem semelhantes às do Brasília, embora contasse com 8 “janelas”, calçadas com pneus radiais 185-14 de perfil bastante alto (80), ainda mais para um esportivo.
A partir daí, as variações de significado para o “SP” saíram de Sport Prototype e São Paulo para Sem Potência, mais condizente com a realidade dos carros. Como resultado, foram vendidos apenas 88 SP-1 e cerca de 10.193 SP-2, números estes que na época ficaram aquém do esperado mas que hoje dão ao carro status de raridade.
Resumida a história, vamos para a estória. O SP-2 entrou na minha vida ainda na infância (sou de 1974, assim como o meu carro), quando por volta dos cinco anos de idade eu vi, de dentro do carro do meu pai, um SP-2 azul calcinha com um curioso quadriculado imitando uma bandeira de chegada na tampa do porta-malas. Nunca mais vi esse carro na minha vida mas aquela imagem ficou gravada na minha cabeça. O tempo passou, cresci, mas a lembrança daquele carro tão raro volta e meia me vinha à mente. Nessa época, sequer sabia o nome do carro, fabricante, o que fosse.
A presença de ferrugem e gasolina nas veias é antiga na família, e vem de meu avô materno que era mecânico e além disso, meu pai, que embora preferisse futebol, desde que me entendo por gente me apresentou ao mundo do automobilismo através das corridas de Fórmula 1, antes de Senna, paixão esta que foi devidamente cultivada e reforçada ao longo dos anos com ele e com meus tios e primos. Quando finalmente tirei a suada carteira, fui presentado por minha mãe com meu primeiro carro, um Monza SL/E 1989-1990, 2.0 a álcool. Foram bons anos de aventuras até a troca por um Vectra GLS 96/97 e aí uma longa sequência de carros até os dias atuais.
Mas a paixão por carros antigos tomou corpo e se materializou através da compra de um demônio vermelho, paixão de um amigo, e que escondia por detrás de sua grade de filetes metálicos aquele motor fantástico, que urrava com toda a sua força por uma saída de escapamento tripla: Dodge Dart 1974.
Nessa época, recém formado e sem dinheiro no bolso, arrumei a encrenca, para desespero do meu pai, silêncio sofrido da minha mãe e repreensão declarada da minha irmã. O carro era muito grande para os nossos padrões, e olha que já que tivemos um Opala Comodoro 1979 que nos acompanhou por muitos e muitos anos. E agora estava lá o monstrengo, ocupando um espaço considerável da garagem e do meu coração.
Passados uns dois anos, a situação financeira deu uma melhorada, abriu-se uma nova oportunidade de trabalho e o namoro estava firme. É nessa hora que o sujeito faz besteira. Pensando em um eventual casamento, comecei a guardar um pouco de dinheiro, e enquanto isso o bom e velho Dart repousava no quintal (havia sido despejado da garagem) com a ferrugem crescendo firme e forte. Houve uma mudança de planos e o namoro firme foi para o espaço.
Então vem a pergunta: o que fazer com aquela sobrazinha de dinheiro? Reformar o Dodge? Claro que não!
Um amigo, filho do dono da imobiliária para quem eu prestava serviços naquela época (2004), tinha contato com um vendedor que volta e meia negociava alguns carros que recebíamos como pagamento. Alguns eram objeto de ações de execução, então havia um processo mais “traumático”, embora eu sempre evitasse o despejo e penhora de bens. Lembro de uma vez que quase perdi os prazos do processo porque deixei um mecânico ficar um tempo maior no local, mesmo com ordem de despejo, porque estava difícil arrumar outra oficina.
Gearhead que se preza ajuda quem é do ramo sempre! Numa ida até a loja eu vi lá parado esse SP-2 1974, branco geladeira, com retrovisor vagabundo, sem os frisos de alumínio, mas bem alinhado e íntegro (doce ilusão!) “de bobeira” lá na loja. Perguntei o preço mais por perguntar, e como estava um pouco acima das minhas possibilidades (dinheiro nunca foi uma companhia constante na minha vida), deixei de lado… DEIXEI DE LADO VÍRGULA!
Na hora veio na minha cabeça a imagem que eu tinha registrado cerca de vinte e cinco anos atrás: um carrinho pequeno, baixinho, azul calcinha e com uma bandeira quadriculada na tampa traseira!
Faz conta daqui, mexe dali, fiz o que um bom negociante deve fazer: fui até a loja uma semana depois, rezando para ninguém ter se interessado pela preciosidade e com a desculpa de olhar uma outra coisa qualquer perguntei, com ar blasé: “e o SP-2 ali? Ainda não vendeu não?”. O vendedor, até então inocente na jogada (na verdade sabia que eu era um quebrado mesmo) abriu o jogo, falou que era difícil aparecer proposta de compra pelo carro já que a loja trabalhava com carros mais novos e ele não era do perfil dela, e por aí vai. Fiz uma contraproposta, que ele convenceu o dono a aceitar. Dias depois passei lá, saí no carro para dar uma volta, entreguei o dinheiro e pronto, o SP-2, aquele sonho de infância começava a se materializar…
Como o carro aparentemente estava em bom estado, a ideia original era catar os poucos pontos de ferrugem (não tinha amassados) resolvendo assim a parte da carroceria. Já que o carro é branco, sairia daquele Branco Brastemp inaceitável e voltaria para o Branco Lótus original, muito mais bonito. As rodas seriam trocadas. Não gostei do jogo que estavam nele e parti para procurar as rodas de aço originais do carro, mantendo o perfil alto também. Já é interessante andar na altura das maçanetas dos outros carros, e mais baixo do que isso, acho desnecessário. Já basta o apelido de “calço de carreta” que esse carro tem, e que inspirou Velozes e Furiosos: com apenas um 1,13 m de altura a gente faz igual! E sem neon!
Não, não tive vontade de pintá-lo de azul e fazer o quadriculado na tampa traseira, por incrível que pareça.
Em termos de interior não havia o que preocupar. O painel estava bom, com todas as teclas e instrumentos, os forros de porta em excelente estado, teto em ordem mas o carpete teria que ser trocado porque já estava mofando. Segundo o vendedor o vidro tinha ficado aberto coincidentemente em um dia de chuva muito forte (sei…) e agora aquele carpete grosso teria que sair e dar lugar a outro. O interessante é que os bancos, apesar da estrutura original, não eram revestidos em couro, o que ajuda bastante numa região de clima muito quente como a minha, razão pela qual não imaginei num primeiro momento trocar o material. Posteriormente, com a possibilidade de colocação de ar condicionado essa ideia voltou a ser ventilada, se me permitem o trocadilho.
A ausência dos frisos de alumínio eram um obstáculo tremendo a ser superado, algo que, na minha visão, impediria a placa preta, que seria meu ideal. Procurei muito por essas peças, e além de não achar nenhum jogo completo (são dez peças), as poucas disponíveis tinham preço proibitivo. Restaurar até o padrão original estava fora de cogitação.
Assim, liberado desse compromisso, embora eu buscasse preservar ao máximo a originalidade da viatura, havia maldades a serem feitas, como aumentar um pouco a capacidade volumétrica, dos teóricos 1,7 litro para 1,9 litro, aproveitando-se da caixa longa, com uma leve preparação para dar mais ânimo ao carro e nada mais.
Doze anos atrás na minha região não tínhamos (como ainda não temos) grandes oficinas ou preparadoras, então fazer grandes mudanças era algo impraticável em termos de logística (só em Belo Horizonte) e de condição financeira. Em suma, teria que ser um projetinho fácil, coisa de um mês ou dois na lanternagem e pintura e aí era só desfilar com a máquina.
O problema é que eu e o SP-2 não tínhamos a mesma ideia do que seria uns pontos de ferrugem nem o que um carro com trinta anos de idade poderia esconder debaixo daquele branco geladeira. Como resultado, a quantidade de serviços necessários cresceu consideravelmente o que levou a alterações radicais no projeto original.