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Project Cars #403: meu Volkswagen SP2 está pronto!

Mais uma vez saúdo a todos que acompanham meu interminável e melodramático Project Car! Agradeço as palavras de apoio, os ombros amigos e as histórias semelhantes divididas. Proprietários de carros espoliados por lanterneiros desse mundo, uni-vos!

Encerrei a parte anterior me sentindo um cidadão português com a partida de Dom João VI rumo ao Brasil ao fugir de Napoleão: a ver navios. Recuperado do impacto inicial do desaparecimento do lanterneiro, o jeito foi continuar o serviço com o pai do mesmo, cuja visão não era perfeita, mas que dava conta dos detalhes do serviço. Essa etapa durou uns dois/três meses, até que o senhorzinho resolveu ir atrás do filho e também me deixou na mão embora eu estivesse absolutamente em dia com os pagamentos.

Para ajudar, os bancos, forros de porta e mais algumas peças do carro estavam na casa deles, mas consegui obtê-las de volta facilmente porque a esposa/mãe da dupla já não aguentava mais aquela confusão de coisas ocupando a casa.

Carro parado, trabalho estagnado, estava sem opções até que o dono da oficina (terceiro endereço do SP-2) se dispôs a terminar o pouco que faltava e executar seu ofício: pintor. E que pintor! O trabalho dele era muito bem feito, fato este que me agradava. Mas havia uma condição: ele não montaria o carro porque não era a especialidade dele bem como não se sabia o que havia restado de peças após tantas mudanças.

Serviço tratado, era hora de pensar a cor. Meu espírito conservacionista, que almejava um dia a sonhada placa preta desapareceu, e como sou da teoria de “perdido por pouco, perdido por muito”, resolvi radicalizar. O caminho para a placa preta tinha vários obstáculos. O primeiro era que alguém teve a brilhante ideia de fechar as depressões existentes ao longo da lataria do carro para acomodar os frisos de alumínio, como se vê na foto abaixo.

O problema é que o serviço foi feito com chapas de aço (onde precisava ter feito, não fez!) e a retirada das mesmas não era garantia que os espaços poderiam ser refeitos com qualidade e em condição de receber os frisos. Some-se ao fato de que eu não tinha um único friso, quanto mais as DEZ peças que compõem o conjunto. Desde que comprei o carro procurava um kit completo, mas ninguém que os anunciava tinha todas as peças, então o risco de nunca completar o conjunto tornava a tarefa praticamente impossível.

3 - espaco para os frisos

Nesse meio tempo, o motor foi retirado para ser feita a retífica, posto que ainda era standard e seu funcionamento não estava ideal. E aí veio o segundo obstáculo para a placa preta pois descobri que o motor não era “BL”, mas sim um modesto motor de Variant, o “BV” de 1,6 litros. Em suma, tinha um SP-2 com o desempenho raquítico do SP-1 sem valer o mesmo tanto que essa raridade. É muito azar para só uma alma atormentada.

3 - numeracao motor SP2

Desta forma, a conclusão a que cheguei é que não me seria possível atingir a perfeição da restauração, seja pela falta de peças, transtornos na execução dos serviços ou ausência de dinheiro. Então, ao menos eu personalizaria o carro da forma que fosse possível, mas de modo condizente com as características do veículo. A alternativa que me pareceu viável seria fazer algo semelhante à ele: o SP-2 Dacon.

3 - SP2 Dacon5

Essa personalização específica deve ter virado a cabeça das pessoas na década de 1970, pelo resultado final (o uso da cor preta, por exemplo) e por ser fruto da já famosa concessionária Dacon, cuja história deve ser conhecida, mas para quem ainda não sabe,  uma boa leitura da mesma. Além da personalização estética dos SP-2, a Dacon também fez  que talvez trouxessem a pegada esportiva que se esperava do carro saído de fábrica. Há notícias também do desenvolvimento do projeto do SP-3 com a utilização do motor refrigerado a água do Passat, que acabou frustrada em termos comerciais pelo alto custo.

3 - fachada Dacon

Para tanto, bastaria, na minha visão simplista, pouca coisa: cor preta e rodas “mexerica”. As alterações mecânicas também não seriam impossíveis e poderiam vir em momento posterior, afinal de contas, um projeto nunca termina. Discutida a cor (eu queria Preto Cadillac, mas o pintor ameaçou abandonar o serviço), optamos pela tinta preta usada no Stilo. As razões dessa escolha eram devidas à facilidade de aplicação e de eventuais retoques, sem falar que o brilho seria discreto, uma vez que chamar a atenção não era a minha vontade, se é que um SP-2 já não chame atenção o bastante por si mesmo.

Como o carro era branco, algumas medidas se faziam necessárias para a regularização do mesmo, e por esta razão eu já tinha a nota fiscal da tinta e teria também a da mão de obra da pintura. Assim, quando o carro estivesse pronto, bastaria realizar nova vistoria e tudo se resolveria. Enquanto a pintura era feita, tratei de dar vida a outras partes do carro, como o sofrido painel. Sobre o mesmo, achei curioso vir pintado nele a data de fabricação, 16/01/1974, o que deve indicar ser meu carro do começo desse ano. O capoteiro (ou tapeceiro) que fez o revestimento dele teve uma tarefa ingrata, pois exigi que não houvesse uma única costura visível na peça.

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

Finalmente o carro estava pintado! A cor caiu bem, não tinha muito brilho, bem como eu queria. Sob a luz do sol as partículas metálicas da pintura se destacavam, mas nada chamativo. Uma vez pintado, enviamos o carro para o mecânico voltar com o motor para o lugar, e depois disso, resolveria como fazer a montagem das peças.

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E aí, um grande mal veio para o bem. A volta do motor para o carro foi tranquila, até mesmo porque não há o que complicar com um VW a ar. Enquanto decidia como resolver a questão da montagem do carro, o mesmo ficou ali, no quintal do mecânico, junto com outros carros. Mas, a enteada do mecânico, já uma balzaquiana, resolveu descontar todas as suas mágoas e frustrações do relacionamento da mãe com o dito profissional bem no meu carro, e ARRANHOU toda a lateral do mesmo, do lado do passageiro. Acredito que não deve ter sido difícil passar um prego numa pintura feita há duas semanas apenas.

3 - ralado

No entanto, esse percalço abriu uma oportunidade melhor para o carro. Eu havia recebido a informação de uma oficina que trabalhava com lanternagem e pintura de carros antigos, e talvez eles se dispusessem a montar o carro para mim. O dono era um senhor muito bacana, experiente, e contava apenas com um lanterneiro e um pintor, profissionais simples, mas muito sérios. Quando me passaram a referência da oficina e fui lá para tratar do serviço, tinha um Gordini “saindo do forno” e o trabalho estava muito bom. O problema era pegar um serviço dessa natureza, e para tanto o dono havia me cobrado o preço de um rim (acho que o esquerdo) para fazer o serviço desde que eu providenciasse as peças porventura faltantes.

Mas, quando contei o acontecido com o carro, ele renegociou o valor do trabalho para um valor global menor se eu deixasse o carro ser pintado lá. Desisti de contratar um pistoleiro para eliminar lanterneiros, mecânicos e enteadas por achar melhor encaminhar o carro para eles. Detalhe: era no mesmo quarteirão da oficina do mecânico e eu nunca tinha atentado para a existência da mesma.

Então o carro foi encaminhado para a segunda pintura em pouco mais de dois meses. Serviço rápido, bem feito, e a montagem teve início. Nesse meio tempo resgatei as peças ainda existentes, invadindo a antiga oficina, porque o imóvel foi entregue pelo pintor da primeira pintura e ele não se responsabilizava pelas coisas que não eram dele. Antes que o proprietário limpasse o que ficara para trás, entrei na oficina com um conhecido que tinha as chaves e fiz uma “caça ao tesouro”. Resgatei várias coisas, mas algumas se perderam (ou foram vendidas ou descartadas) e o prejuízo foi grande: teclado do painel, retrovisor interno e os limpadores de para-brisa. Não faça as contas, é uma despesa considerável. Aí vai uma crítica aos “profissionais” do ramo: boa parte não tem o devido cuidado com a armazenagem das peças dos carros, que muitas vezes custam mais que o faturamento de um mês de trabalho.

3-pintura 3 pronta

O carro foi montado, faltando basicamente essas peças. Da pintura foi para o eletricista, que adaptou comandos de caminhão no painel e assim faróis e ventilação poderiam ser usados. Mas bateu desânimo continuar avançando porque o momento não era financeiramente oportuno. Com isso, o carro ficou parado, não evoluí para cuidar do interior e deixei o tempo apontar uma solução. Para piorar, o número do chassi sumiu, parecia ter sido corroído, ou seja, tinha o documento de um carro branco mas o veículo era preto, e como os vidros não eram gravados, nem havia qualquer outra indicação que aquele carro preto era o mesmo do documento, a ideia da troca de cor ficou mais complicada.

3 - instrumentos do painel

Passou cerca de um ano e meio, até que, numa das constantes pesquisas por peças, achei o conjunto dos frisos, as dez peças e elas poderiam ser enviadas para mim lá de Blumenau. Não tive dúvidas, arrematei as mesmas, afinal de contas já eram cinco anos à procura e não correria o risco de perder a oportunidade! Cheque especial não é para emergências? Passado um tempo (recuperação do rombo no orçamento), adquiri do mesmo vendedor os limpadores do para-brisa, o teclado do painel e assim o carro poderia ficar bem próximo da originalidade.

Uma outra aquisição importante foi a do botão da buzina. A original é de borracha e deve haver apenas umas três disponíveis no mundo, após 41 anos do fim da fabricação do carro. Portanto, foi adquirida uma paralela, cujo encaixe foi preciso mas que é dura como um pau. O importante é que é funcional e respeita a estética do carro. Comprei também o rádio da época, o que deu um pouco de dor de cabeça. Achar rádio original para VW da década de 1970 não é complicado nem caro, mas há modelos variados. Após muita pesquisa e consultas em fóruns, o escolhido foi o modelo “Rubi”, o qual, pelas fotos de manuais e carros nunca restaurados parece ser o modelo certo.

3 - radio e teclado

Deixar o carro bem original era a ideia, não sou adepto de personalizações em carros tão raros. Veículos com maior volume de produção eu acho bastante válido personalizar, dar a cara do dono, mas em um carro que teve pouco mais de dez mil unidades, quem pode deixá-lo o mais próximo do original tem um dever a ser cumprido.

Já tive intenção de habilitá-lo para placa preta, mas o tanto que ainda me custaria atingir um patamar condizente (em termos financeiros), aliado ao fato da desmoralização de tal “deferência”, me fez desanimar por completo a fazer o esforço para dar a ele a placa em questão. Pelo que já vi nas ruas, revistas e programas de televisão, imagino que os antigomobilistas devem ter um desgosto enorme ao verem carros não originais com a mesma identificação dos veículos conservados a duras penas.

Portanto, considerando a possibilidade de deixar o carro bem próximo do original, e o fato de não ter mais o número do chassi gravado, era hora de ressuscitar o SP-2 e tentar devolvê-lo à sua glória, e por isso ele iria para a sua terceira pintura, desta vez na cor condizente: branco lótus. Voltei à mesma oficina (onde de vez em quando passava para bater papo) e tratei com o dono que levaria o carro para nova pintura.

Negócio fechado, viajei alguns dias depois e vendo as notícias da cidade pela internet qual não foi a minha surpresa ao saber que o dono da oficina havia falecido em um acidente de trânsito! Ela havia saído atrás de umas peças para um cliente e sofreu um ataque cardíaco enquanto dirigia. Logicamente, além da perda sentida, afinal de contas era uma pessoa que tinha se tornado querida, certamente o projeto do carro sofria mais um revés.

Com isso, enquanto a família e os dois profissionais que trabalhavam no lugar não decidiam o destino da oficina, fiquei em compasso de espera. Levar o carro para outro lugar, além dos riscos de uma nova “relação”, me parecia uma falta muito grave com o que fora combinado. Passadso alguns meses, família e funcionários conseguiram resolver a legalidade da situação e a oficina continuou, desta vez nas mãos do pintor e do lanterneiro.

Finalmente pude levar o carro, e tempos depois tive a boa notícia que o número do chassi foi localizado pelo pintor, absolutamente intacto debaixo da “batida de pedra” que o primeiro lanterneiro tinha aplicado sem muito cuidado. No entanto, pelos constantes trabalhos menores que entravam na oficina (pintor e lanterneiro precisavam se reerguer), a pintura do carro só aconteceu cerca de um ano e meio depois.

2017. O carro foi pintado. Os frisos de alumínio, com a fita adesiva vermelha devidamente colocada, estão na lataria. Os mais atentos perceberão que a linha deles não coincide com a linha da lanterna traseira. Em razão da inexistência dos nichos para a fixação dos mesmos, os frisos foram colocados um pouco mais acima, para que as portas pudessem ser abertas e fechadas normalmente. Lamento, puristas. Para piorar, não foram encaixados (saía de fábrica com a lataria furada, pois há pequenos pinos nos frisos para encaixe no carro) mas colados com fita dupla face, larga e de excelente qualidade. No interior, apenas o tecido do teto foi colocado para que o para-brisa fosse posto, ainda está sem carpete, mas tem os forros de porta originais. Há retrovisores nas duas portas, porque não consigo mais dirigir olhando apenas pelo lado do motorista e meio do vidro.

Aliás, preciso instalar o retrovisor central, que é específico do carro e tem apenas uma ranhura para encaixá-lo no teto, sem esforço ou mesmo parafusos. Em nome da segurança (e como os cintos originais foram extraviados), coloquei cintos retráteis de três pontos. Como o carro tem duas portas, e pela posição e tipo dos engates (especialmente os fêmea), medi e achei adequado colocar os cintos do Kadett. A instalação foi tranquila, há um espaço na lataria que esconde a máquina, e mesmo com o ponto superior não sendo elevado como nos carros atuais o cinto trabalha perfeitamente. O funcionamento está redondo e os engates curtos do câmbio passam a ideia da esportividade que o motor deveria ter.

3 - final

O carro está pronto? Não e sim. Não porque ainda há o que fazer, mas que é pouco diante do que foi feito, e é isso que faz a graça do projeto, o nunca concluir. E sim, está pronto, porque agora, finalmente, eu posso entrar nele, afivelar o cinto, ligar o motor e sair pelas ruas, do jeito que eu sempre quis.

Por Clenio Santos, Project Cars #403

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Uma mensagem do FlatOut!

Clenio, nós concordamos com você: devolver um carro assim raro à sua originalidade é, de fato, uma obrigação de seu proprietário. Ficamos realmente felizes em ver mais um SP2 voltando à vida e divertindo seu proprietário como ele deveria ter feito desde o dia em que saiu da fábrica. Parabéns pela conclusão!