O ritmo de modificações caiu muito após a recuperação do interior, até porque não havia nada mais de grande monta para arrumar. Tinha detalhes por fazer, e a verdade é que é fácil conviver com pequenos defeitos, ao mesmo tempo que bate uma certa ressaca depois de gastar tanto dinheiro em um curto espaço de tempo.
Uma coisa muito legal desse carro é que os botões de ar condicionado estavam inteiros, o que é uma raridade, perante sua fragilidade. O fundo sobre o qual eles são fixados, contudo, estava bem descascado. Quando ligava a iluminação noturna, ficava tudo meio feio. Encontrei o fundo com um cara que desmancha Twingos aqui em SP e achei que tinha resolvido o problema. Levei o carro numa oficina de ar condicionado pedi para eles botarem o ar para funcionar e trocassem o fundo.
Alguns dias depois, volto e o ar está gelando, mas conseguiram quebrar todos os botões na tentativa de transferir eles de um fundo para o outro. Na hora fiquei p#%* da vida, mas depois reconheci que a ingenuidade foi minha. Os botões eram velhos, frágeis e aquela era uma oficina de ar condicionado, certamente não acostumada com esse tipo de maluquice. Nessa, definitivamente fiquei pior do que comecei. Alguns meses depois consegui comprar um conjunto completo de fundo e botões em um desmanche de Florianópolis. Apensar de não estar impecável, ficou muito bom.
O painel digital era outro ponto que me incomodava. Ele funciona bem, não tem partes queimadas nem nada, mas ilumina muito mal. A noite é uma beleza, mas de dia é completamente ilegível. Ciente de que esse problema é comum, levei o carro na Velotec, na Zona Sul de São Paulo na esperança de que uma solução existiria. O diagnóstico foi desolador. Segundo eles esse é um problema comum de antigos painéis digitais (como os de Kadett e Omega).
Com o tempo e a ação do calor as placas que formam o visor descolam e o resultado é um painel fraco. Qualquer interferência seria arriscada. Me desaconselharam a comprar um usado (segundo eles, o meu está melhor do que a maioria do que se vê por aí). A única solução é achar uma peça NOS. Agora, imagina achar um painel digital de um carro francês com mais de 20 anos nas costas… Esse ainda está na fila das coisas que busco.
Nesse meio tempo aproveitei para resolver algumas questões mecânicas que não me satisfizeram na primeira grande revisão. Os freios foram novamente sangrados e regulados. Melhorou bastante, mas ainda não acredito que eram realmente tão pouco eficientes de fábrica quanto ainda estão. Andei em outros Twingos e os freios não são de fato grande coisa. Mas ainda tenho essa pulga atrás da orelha. O câmbio, que ainda tinha engates um pouco duros, recebeu um carinho no trambulador, com lubrificação e regulagem. Ficou zero!
Apesar desses contratempos a verdade é que eu estava me divertindo muito com o carro. Ele é pequeno, leve e muito útil numa cidade como São Paulo. Um carro moderno é superior em conforto e desempenho e um mais antigo é superior em charme. Mas ele joga no meio de campo e se sai muito bem. Tenho mais vontade de andar nele do que no meu Gol contemporâneo e menos receio de sair da garagem do que com o Fusca.
Uns seis meses depois da pintura era hora de levar o carro para algo que há muito em planejava. Um detailing completo. O serviço ficou por conta do Victor da EcoShine, na Lapa, Zona Oeste de São Paulo. Ele já conhecia meu jeito com os carros e fez um trabalho ótimo. O polimento traz um brilho e uma uniformidade na tinta que não é possível conseguir na pintura. A hidratação dos plásticos no interior também faz uma baita diferença. A verdade é que quando um carro sai do mecânico, pintor ou do tapeceiro ele pode até estar tecnicamente pronto, mas nenhum desses profissionais vai tão a fundo no acabamento quanto o pessoal que faz detailing. São abordagens diferentes sobre o carro. Quando peguei o carro na EcoShine senti, pela primeira vez, que ele estava pronto. É aquela coisa, pronto mesmo nunca fica, mas tem um momento que o objetivo é alcançado. Foi esse.
Fechando com chave de ouro
Desde o início tive vontade era de instalar um RagTop no carro. Twingos sempre tiveram esse opcional (mas, pelo que pesquisei, nunca mandaram carros para cá nessa variação), combinam muito com o carro e dão ao menos parte da sensação de guiar um carro conversível. Apesar de afetar a originalidade do carro, que é algo que eu sempre peso nessas horas, achava que andar com o teto aberto seria muito mais divertido e, em última análise, daria mais sentido ao carro no meu cotidiano. Mas trata-se de uma alteração relativamente séria e de reversão não muito simples. Decidi, portanto, que ia pensar nisso só no fim do processo.
O dia chegou e dei início a busca. Cheguei a encontrar um conjunto completo original para vender no Mercado Livre da Argentina. Custava algo em torno de R$2.000. Achei que estava dentro do preço e conheço algumas pessoas que moram em Buenos Aires e vem ao Brasil com frequência. A verdade é que desisti da ideia porque tive vergonha de pedir para alguém um favor tão grande. Uma coisa é pedir para trazer um volante, uma manopla ou até um carburador. Outra é um treco do tamanho de um pallet. Fora a questão de o coitado que faria o favor poderia ter problemas na alfandega, etc… Enfim, a minha loucura não pode perturbar demais a vida dos outros. Ainda teria que achar alguém que topasse instalar, que garantisse o serviço. Era dor de cabeça na certa, embora estivesse um nível acima do quesito preservação de originalidade.
Decidi buscar as empresas que fabricassem e instalassem seus próprios RagTops. Pesquisei alguns locais e vi alguns carros com os tetos instalados de diversas empresas. Escolhi a RagTop Sunroof na Vila Guilherme, Zona Norte de SP. Encomendei um modelo com as canaletas em preto fosco e o teto em tecido, não em lona. O objetivo foi buscar um acabamento mais parecido com o original, sem destoar do resto do carro. Valor acertado e aproximadamente uma semana depois o teto estava instalado. O serviço foi muito bem feito, no prazo, e a impressão é que eu tenho um novo carro. Os passeios com o carro são muito mais divertidos e o visualmente o carro fica realmente mais interessante. Só não sei se entra água, já que não costumo sair na chuva com ele.
Algumas semanas depois levei o carro em um encontro do Clube do Twingo e uma coisa muito legal aconteceu por lá. Um dos presentes gostou muito do carro, e notou que eu ainda não tinha a luz interna de cortesia. Tirou do próprio carro e me vendeu por um preço justo. Fiquei muito feliz com a atitude dele. Além de me oferecer uma peça realmente difícil de encontrar, aquela atitude totalmente altruísta foi, para mim, um reconhecimento do esforço de ter colocado o carro de pé. Ganhei do dia!
Durante esses quase dois anos que estou com o carro percebi que eles estão aos poucos atraindo o interesse de mais gente. Além de amigos que me mandam fotos cada vez que veem um na rua (tem muito carro por aí), tenho alguns que estão seriamente pensando em também comprar um! Recentemente surgiu um maluco no Instagram que tem um perfil sensacional sobre o carro dele. Seguir o @twingo_do_carlos é risada garantida! Meu palpite é que Twingos vão dominar o mundo nos próximos anos.
Esse capítulo encerra a história do carro por hora. Sempre há o que fazer, mas hoje o carro está bonito, prático, confiável e divertido. Não há, portanto, nenhuma alteração de grande monta pela frente. A partir de agora é só corrigir pequenas coisas e continuar me divertindo guiando-o. Na lista de pendencias constam, basicamente, o painel digital e o volante NOS, uma investigação mais profunda nos freios e uma revisão na alimentação do carro. Ele vem dando pequenas engasgadas de forma muito ocasional. Vou ter que ver isso, mas encarar um possível problema em uma injeção eletrônica de 23 anos não é algo que me anima muito. Isso deve ser um vespeiro… Quero, por fim, trocar as placas. Elas estão velhas e amassadas, e prejudicam o visual do carro, mas com essa história de novo padrão de placas acho que só vou fazê-lo quando a alteração for consolidada.
É natural que nós, que adoramos carros, tenhamos uma baita fixação por automóveis de alto desempenho, peças de performance, melhora do comportamento dinâmico, etc. Esse carro, contudo, mostra um outro lado. O comportamento dele nunca foi nem nunca será esportivo. Ele nunca foi pensado para isso. Mas é possível sim se divertir sem andar rápido ou forçar o carro, lidando com 50cv, menos de 4 metros de comprimento e um RagTop.
Embarcar no projeto de recuperar um carro, mesmo num caso de baixa complexidade como esse, sempre se mostrou para mim uma tarefa fortemente antieconômica. Por outro lado, trazer um automóvel, ainda mais um underdog como esse de volta a um bom estado de conservação é um prazer enorme. Identificar potencial e concretiza-lo onde pouca gente faz é muito satisfatório. Ter um carrinho acertado, esperto e diferente para rodar pela cidade, mais ainda!
Por Marco Aurélio Koch, Project Cars #491
Uma mensagem do FlatOut
Marco, como dizemos por aqui, é sempre bom ver um carrinho bacana sendo recuperado e mantido em ótimas condições para ser usado e curtido. Eles merecem isso. Parabéns pelo projeto.