No texto anterior, de apresentação, contei a história de como o GTS chegou até mim, algumas impressões e a capotagem em 2008. De acordo com o Project Cars, o segundo texto já traria algumas idéias, rumos e modificações, mas creio que é uma obrigação – na verdade nem é questão de crer, é obrigação mesmo – mostrar o que foi feito para deixá-lo rodando novamente. Além disso, talvez seja útil para os que convivem com a plataforma BX e seus recorrentes problemas estruturais.
Como já dito, vi o mundo de cabeça para baixo em circunstâncias nunca esclarecidas em uma noite de junho de 2008. Mais que a dor do cinto no ombro e as marcas dos cacos de vidro nas mãos e nos braços – e um furo em uma lente dos óculos – havia algo bem pior que era a tristeza e sensação de culpa por ter feito aquilo, mesmo com a certeza que algo bem errado tinha acontecido. Porém, como remoer o ocorrido e ficar lamentando não desempena aço, o jeito foi procurar o Elias, lanterneiro que eu já conhecia há certo tempo e que tinha saído de uma oficina para tocar a sua própria.
Depois de aceitar o desafio, que a julgar pelas pedreiras que ele gosta de encarar hoje nem parece tanto assim, lá foi o GTS para a oficina. Com a desmontagem de algumas peças foi possível fazer uma avaliação mais completa do que precisaria ser trocado e do que precisaria ser puxado e desempenado. Os dois paralamas dianteiros, ambos os parachoques, capô e frente teriam que dar lugar a outras peças, enquanto que o teto continuaria o mesmo (tanto estruturalmente quanto sua folha). Com essa singela lista inicial fomos atrás de cotações, tendo em vista sempre colocar peças originais Volkswagen quando as mesmas estivessem disponíveis. Mas logo vimos que essa idéia teria que ser abortada.
Peças vendidas em concessionárias possuem a fama — justificada — de serem bastante inflacionadas, com exemplos de sobra por aí. Porém eu não achava que o mesmo se aplicaria aos modelos da linha BX, já que alguns anos antes havia visto itens de carroceria, como laterais inteiras, sendo vendidas a preço de banana para limpar estoque. Ledo engano, começava a tentativa de esfaqueamento do meu raso bolso: um capô era mais de R$ 800,00, a mini frente passava dos R$ 600,00 e cada paralama não chegava aos R$ 200,00. Os parachoques apenas por encomenda, então seriam os paralelos mesmo.
Com o orçamento das concessionárias que estourava o meu orçamento, o jeito foi ver o que poderia ser original e o que seria paralelo — nesse caso, peças feitas pela IGP. Depois de um breve estudo, na base do isso vale e isso não, decidimos usar os paralamas originais – que desconfio que eram os últimos do DF, cada um em uma concessionária diferente – e capô e minifrente paralelos. Os parachoques seriam paralelos porque não tinham os originais por aqui naquela época e os retrovisores elétricos tenho certeza que foram os últimos do DF.
Com isso comprado, foi a vez de confiar no Elias para colocar tudo de volta no lugar, com espaçamento, montagem e medidas corretas. O problema é que eu confiava e continuo confiando nele, mas por se tratar de um cara a moda antiga, não tinha nada de mesa de gabarito de chassi, era tudo na base do black shaw (também conhecido como ciborg ou simplesmente alinhador de monobloco) e fio de prumo.
E como as coisas sempre podem complicar mais, lembro que rodei as concessionárias Volks do DF atrás do gabarito com medidas de monobloco da plataforma BX, mas quase nenhuma as tinha, e quem tinha não me deixava sequer dar uma olhada. Sendo assim, e sempre com receio de estar torcendo uma estrutura tão castigada, acabei encontrando tempos depois no VWVortex (como chamam a linha BX lá fora) em PDF, com medidas em unidades métricas, o que me levou a comprar uma régua de medidas de chassi e monobloco e ficar conferindo de tempos em tempos tais medidas.
Voltando ao GTS, enquanto ia puxando e desempenando, o Elias perguntou se eu tinha guardado o parabrisa antigo para poder ir conferindo o quadro dele. Como não guardei, lá fui eu ao local do acidente ver se ainda estava lá. E estava. Só que essa ida acabou mais uma vez levantando um monte de questionamentos na minha cabeça, coisas que tinham esfriado desde a desmontagem mas que voltaram a medida que fui olhando tudo em volta.
Marcas de derrapagem, os lugares onde subi o meio fio, o hidrante, o local onde caí — tudo ainda estava com o registro daquela noite. E apesar de algumas teorias descartadas, como barra estabilizadora rompida, quebra de suspensão, estouro de pneu ou barbeiragem pura e simples, eu continuava sabendo que algo não estava normal. E graças a isso bateu a luz de algo que até tinha tirado foto como sendo suspeito, mas não tinha associado a outro evento, anterior ao acidente, e que a borda da Orbital me lembrou.
Naquela noite foram tiradas algumas fotos, tanto por mim quanto por um amigo que estava perto e liguei logo após o acidente. Uma dessas fotos mostrava a borda da Orbital com um bom punhado de asfalto que foi cortado da pista, mostrando que aquele pneu de alguma forma já não tinha mais pressão, restando saber se antes ou depois de acertar o meio fio. Bem que procurei o local de onde esse asfalto saiu, mas não encontrei e continuei com a dúvida. De qualquer forma, fui lembrado pelo meu pai de algo que acontecera cerca de uma semana antes, voltando para casa, quando comecei a ouvir um estranho barulho na roda traseira direita.
Cheguei e nem fui olhar o que era, achei melhor esperar e ir à oficina tão logo fosse possível, pensando em problemas de cubo, tambor, lona quebrada, qualquer coisa mais grave. Só que o diagnóstico se mostrou bem mais simples e preocupante: a roda estava solta, alguém tinha afrouxado os parafusos. Sabendo como era — e ainda é, e provavelmente continuará sendo — a Universidade de Brasília (UnB), achei melhor descer uma rua e já ir direto ao Alemão, que faz parafusos anti-furto há anos e já encomendar um jogo, que foi instalado tão logo ficou pronto.
A teoria conspiratória ganhava força, porque assim como todas as teorias conspiratórias ela conseguia juntar todas as peças do quebra cabeça de forma fácil, mesmo que às vezes parecesse absurda. Mas ao contrário do habitual, ela não contrapunha algo simples, lógico e racional, era apenas a única explicação disponível. E assim ficou, com o mais aceito sendo que alguém tentou roubar minhas queridas Orbitais na UnB mas não conseguiu (essa que é a parte absurda, quem conhece a UnB sabe do que estou falando), tentando novamente dias depois e dando de cara com parafusos segredo, resultando em um criminoso abaixamento de pressão de algum pneu que resultou no acidente. As Orbitais não foram roubadas, mas acabaram rasgadas.
Por falar nisso, com a desmontagem da parte mecânica vimos que o eixo traseiro não tinha salvação, uma torre de suspensão chegou a formar um vinco – o lado direito, enquanto que o lado do hidrante fez o local de fixação da torre entrar e recuar entre 10 e 15 cm na parede corta fogo – assim como bandejas, amortecedores e mais algumas coisinhas.
No fim foi menos do que achava que seria preciso trocar, porém as rodas estavam em estado crítico e trocar não era uma opção, visto que eram modelos originais feitos pela Borlem. Então tome serviço para o Alemão, que faz isso desde a época que alargavam rodas Gaúchas para colocar em Maverick. Na verdade, acho que desde antes.
Em torno de três meses depois e uma poupança zerada, ele estava de volta. Não estava igual antes, graças aos para choques paralelos que possuíam cor diferente e fizeram com que todos os plásticos fossem repintados. Felizmente eles duraram pouco, depois de algumas semanas chegaram os modelos originais, de cor cinza, e foram instalados.
Os paralelos só servem para quebrar galho, porque mesmo que possuam o recorte de escape correto – maior nos GTS e GTi devido à ponteira dupla – eles são ondulados, com rebarbas, não encaixam, são duros e tem uma cor estranha. Fora isso, eu conseguia ver uma ondulação no teto que mais ninguém via, culpa de uma coluna A que insistia em baixar a B sempre que era puxada um pouco mais. Isso teria sido resolvido com a troca do teto, mas o Elias nunca quis isso e acho que é porque ele desconfiava que eu não cumpriria a promessa de deixar o GTS guardado.
Aconteceram mais algumas coisas, porém se escrevesse tudo aqui não teria espaço para a parte de modificações e viraria um ProjectCars de contos. Dito isso, já resumo que depois que ele ficou pronto foi que começou a idéia de preparação, ainda sem muita definição, mas pensando em algo leve e que mantivesse a originalidade. E como todo bom AP, começou com uma receita simples que vem desde a época dos GT e, dependendo do foco, data ainda dos anos 70, com os MD de Passat. Mas isso terá que ficar para o próximo capítulo.
Por Marcos Amorim, Project Cars #88