Depois de muito tempo – e ter entrado na lista de projetos desatualizados – consegui concluir esse texto. Era para ter sido antes, mas uma série de problemas, incluindo o caos administrativo no DF, o Windows e duas míseras fotos impossíveis de encontrar fizeram com que mais uma vez eu parecesse um relaxado. Terminei o último post falando da escolha do comando, um da SamCams com 288° de duração, um número conhecido por todo mundo que já mexeu em um AP desde os anos 80. Nada de outro mundo, mas que precisa de atenção aos detalhes para ficar bem feito. E foi isso que acabei ignorando e que hoje faria de forma bem diferente, mesmo que os resultados tenham sido bons naquela época.
Por se tratar de um motor que está por aí como “AP” desde 1984, é natural que inúmeras variações e evoluções tenham existido ao longo dos anos. Algumas melhores para performance, outras boas para resistência e mais algumas que são ótimas bases para preparações, isso valendo para todas as peças. E sendo assim, os cabeçotes possuem muitas diferenças, sendo as mais conhecidas (disse conhecidas, não únicas) os tamanhos das válvulas, formatos dos dutos e números de mancais. E dessas variações a única que era um pouco melhor que as outras no meu caso, ao menos teoricamente, era o diâmetro das válvulas, com 40 mm na admissão e 33 mm no escape, porque o resto seguia a linha dos cabeçotes antigos.
Para quem pensa em utilizar um modelo unilateral de AP 8V, leve a sério os preparadores de cabeçote, eles sabem, os bons ao menos, o que dizem. E muitos preferem os modelos flex, apesar disso ainda gerar muita discussão a respeito de qual é o realmente o melhor para quem gosta de desempenho e mesmo se há tantas diferenças ao se preparar de forma livremente essas peças, sem limites de regulamento. Ao contrário dos mais antigos, eles possuem dutos com formatos que, em teoria, privilegiam muito mais o fluxo, com um recuo lateral, bem diferente da espécie de degrau existente entre os dois lados do duto de admissão que a Volks usou durante muitos anos – soluções diferentes para a mesma finalidade, provocar rotação no fluxo que entrará na câmara.
Para quem nunca viu, tente imaginar o duto do cabeçote, visto a partir da entrada dele, onde encaixaria o coletor de admissão. Nos mais antigos, mais ou menos em distância próxima à guia da válvula, é possível ver que um lado é um pouco mais pronunciado que o outro. Já no modelo flex essa diferença não existe, porém há uma espécie de bolsão na lateral do duto. Não sei se a explicação foi das melhores, queria ter utilizado fotos, porém não encontrei ninguém no DF com o cabeçote flex, apenas motor fechado para venda.
Em relação às outras diferenças, nos últimos modelos as válvulas são um pouco menores, com 39,5 mm na admissão, fora que eles possuem cinco mancais, o que resulta em muitas vantagens teóricas mas pode ser resumido a poder usar molas com mais carga sem tanto risco de danificar o comando em seus apoios (nota: os antigos de tuchos mecânicos possuem três mancais, os de quatro mancais foram adotados nos AP2000 injetados, por causa dos tuchos hidráulicos). Não vou esticar muito por aqui, porque existe bastante literatura na internet a respeito de preparação de cabeçotes em geral, sem contar que em vários casos parece ter um quê de magia negra, seja por parte dos preparadores, bancadas de fluxo ou dinamômetros. E, principalmente, porque não sei o suficiente para deixar registrado para a posteridade.
Voltando ao GTS, após o rebaixamento da peça, que a memória não ajuda tanto mas creio que foi bem mais que o 1 mm que aparece na foto, foi iniciado o trabalho de dutos, algo que até pode ser feito em casa por entusiastas, desde que saibam o que estão fazendo e não tenham mãos trêmulas (a tal vasta literatura que citei no parágrafo anterior). Para quem quiser se aventurar nisso, deixo bons três links em inglês (o último é de um cabeçote de Passat mas as fotos ajudam a entender algumas coisas): , , .
Uma bancada de fluxo ajuda, mas até as caseiras (como ) não são muito simples de fazer, então prefiro deixar esse tipo de coisa com quem tem mais experiência no assunto – e também porque não tenho condições de arrumar peças irrecuperáveis para testar e treinar. Também é interessante notar o trabalho em torno das guias de válvula, ponto sempre crítico. Após isso, as sedes foram retrabalhadas em ângulos e abertas para receber as válvulas novas, com 41 mm na admissão e um escape que era para ser 35 mm, pensamos em manter 33 mm e hoje não lembro quanto que usamos nessa primeira vez. Já em relação às molas, elas foram uma mistura de, salvo engano, AP com AT, tudo para evitar usar molas de Fiat e correr risco de ser necessário mudar os tuchos e reabrir os alojamentos.
Aqui fica um pequeno adendo: não gosto de usar tuchos de Fiat no AP, é algo que precisa de um retrabalho com muita precisão ou sai porcaria. E se errar na folga a pressão de óleo no cabeçote vai lá embaixo e provavelmente o comando de válvulas será destruído.
Após isso, tudo foi remontado, usando o 2E recalibrado e com o filtro de ar original, para deixar a aparência de quando saiu da Volks. Só que nisso existia um “pequeno” problema, também causado pela parte financeira: o escape seguia sendo o original. Então se o 2E por si só já limitava em alta, aquele coletor de ferro fundido com todo o resto original amarrava tanto em baixas e médias quanto na alta de um jeito indescritível. Sei que isso parece uma gambiarra sem tamanho, mas tive que rodar assim por um tempo tanto por falta de verba quanto por um preciosismo estúpido que eu tinha. Queria porque queria um coletor de escape sem curvas esmagadas, só que não existia nenhuma máquina no DF que fizesse curvas assim, era sempre com o habitual esmagamento tão criticado mundo afora. Hoje, depois de ver resultados práticos, não pensaria duas vezes em fazer um coletor assim com algum dos especialistas que trabalham aqui. Funciona, e muito bem.
Andando desse jeito por alguns meses até juntar dinheiro pude observar como realmente existem algum mitos bem enraizados na cultura de preparação no Brasil, em que destaco dois. O primeiro é que só álcool presta e gasolina derrete pistões, algo que mesmo com problemas de falta de combustível nunca aconteceu comigo. E olha que esse motor tinha vários problemas de alimentação… Outro ponto interessante é a história que qualquer comando que não seja original provoca lenta irregular e perda de torque em baixa. Curioso que a lenta era quase normal – e por quase entenda que o 049G de manhã era do mesmo jeito – e a perda de torque foi mínima e bem em baixa mesmo, quase imperceptível para quem não conhecia o carro antes.
Após conseguir dinheiro suficiente para comprar o coletor que tanto queria, liguei na German e pedi um 4X2X1 para Gol quadrado com direção hidráulica. Essa foi uma das poucas peças que fiquei com o valor guardado na memória: R$ 750,00. Se hoje já é muito, imagine em 2009…
Optei por esse 4x2x1 tanto pela fama de produtos de qualidade da empresa quanto por saber que esse sistema costuma puxar um pouco mais de torque e potência para médias rotações. E funcionou, agora girava muito mais livre em todas as faixas, mas continuava limitando em alta. Menos, mas limitava. Tudo bem que para montar esse coletor sem pegar na longarina foi preciso colocar um pino de pistão no coxim direito do motor, que só entrou com vaselina (ui). Algo simples, levando em consideração todo o resto que já havia sido feito.
Só uma observação: quando disse que juntei dinheiro para o coletor, foi só para o coletor. Algum dia, quem sabe, viria o resto do escape.
Voltando à dirigibilidade, ele seguia limitando em alta de uma forma muito estranha. Muito me foi avisado sobre a bomba mecânica, que não daria conta e teria que partir para uma elétrica, mas na minha cabeça não entrava que um minúsculo, pacato e limitado 2E poderia precisar de uma famosa “bomba de GTi”, sobretudo rodando na gasolina. Fora isso, tinha certo receio – e ainda tenho – da bomba ficar ligada em caso de acidente, jorrando combustível para lugares que deveriam ficar sem líquidos inflamáveis. Então tome ficar rodando com um carro de escape livre mas que limitava de alta. Aumenta giclê, diminui giclê, testa ponto, bota vácuo, tira vácuo e nada da amarrada sumir. Eu, do alto do meu conhecimento empírico, insistia que o problema era outro.
Segue a vida. Fiquei um bom tempo andando assim, com a amarrada em alta (desconfio que a essa altura do texto isso já ficou bastante repetitivo…) e o escape só no coletor. Idas e vindas da universidade, estradas de terra e um ou outro trecho efetivo de estrada, tudo da mesma forma que ocorria antes. Não acelerava o tempo todo, mesmo nas vezes que voltava para casa de madrugada, ficava com o pensamento que iria surgir um bêbado ou barbeiro na minha frente do nada e arrebentar o GTS. Nada pelo bem da sociedade ou gesto altruísta, era medo de dar merda mesmo, puro e simples. Mas acontece que um dia – sempre tem “um dia” – voltando para casa, já era noite, resolvi dar umas esticadas leves até umas 6.000-6.500 rpm de segunda e terceira.
Tudo muito bom, tudo muito lindo, o barulho do escape nas tiradas de pé denunciava o show pirotécnico que acontecia debaixo do GTS, mas em dado momento comecei a ouvir um pequeno barulho metálico que aumentava de acordo com a rotação, muito parecido com o ruído que o trambulador fazia antigamente quando estava com folga. Usando um pouco a imaginação, seria algo parecido com moedas em um recipiente metálico. Ignorei que pudesse ser algo no motor e segui assim mesmo.
Na manhã seguinte, um sábado, ele pegou normalmente e fui para outra oficina, ver o motor do Gol que estava sendo refeito lá. Na hora de ir embora dei na chave e nada, parecia que o motor de partida tinha morrido, apenas o “tec” característico de quando isso acontece. O jeito foi empurrar, pegando embalo, botando em segunda, soltando a embreagem e… arrastando as rodas dianteiras.
É, a vida é uma caixinha de surpresas…
Por Marcos Amorim, Project Cars #88