Olá, amigos leitores do PC! Acabei demorando mais do que gostaria para escrever esta segunda parte, mas felizmente este tempo serviu para enriquecer as experiências, resultando em exemplos práticos dos desafios de montar um “poisé”.
Ah sim, localizando os acontecimentos no tempo: em janeiro desse ano, após quase seis anos de muito trabalho, tive uma falha no motor durante o HLL 11 (Hot Lap Limeira). Eu já tinha dado algumas voltas, o recorde do FWD tinha vindo de manhã (1:02,380) e apesar de haver algum tempo desde que percebi que o motor não tinha mais aqueeeela saúde de quando era novo, não havia evidência alguma de falha iminente. Mas bastou abrir a volta e entrar (com muita vontade, para tentar baixar mais o tempo) na curva 1, que “algo” começou a dar errado.
Eu sempre observo as luzes do painel e escuto os alarmes de baixa pressão ou temperatura, além de perceber as reações do carro a cada curva, a cada acelerada e frenagem – não mudou nada no comportamento naquele momento, a não ser um pequeno ruído que ouvi ao acelerar. Mas convenhamos né pessoal: 7.000 rpm, escapamento direto, pneus chorando no asfalto e eu de capacete dentro do carro sem isolamento acústico. Nem cachorro escutaria o barulho do motor ali “rajando”! Fui ouvir mesmo que tinha problema só quando fechei a volta e aliviei o pé. E pra quem não conhece o termo, costuma-se dizer que um motor está “rajando” quando ele está com folga excessiva nos mancais ou nas bielas, isso tem um barulho característico, a turma diz também que o motor está “batendo”.
Vendo no filme aí embaixo fica nítido, afinal a GoPro estava presa no farol, pegou o momento exato e acompanhou o sofrimento desse motor guerreiro, que encarou literalmente um “tacalepau” a volta inteira, fez um bom tempo (1:02,787 nessa volta) e ainda me levou de volta pra casa rodando.
Depois disso, abri o motor por baixo para ver o tamanho do estrago, tinha toda a pinta de serem os casquilhos (ou “bronzinas”, como são mais conhecidos). E não deu outra; os casquilhos da biela do 2º cilindro realmente tinham ido para o vinagre… Provavelmente já tinha um risquinho ali, adicione o uso sem dó, uma curva mais forte que fez cair a pressão de óleo… aí não deu mais pra essa bronzina.
Pedaços de casquilho no cárter – primeira evidência da falha
Casquilhos de biela danificados – 1º ao 4º cilindro, da esquerda para a direita na imagem
Casquilhos do 2º cilindro – esmagamento devido à falta de lubrificação
Eu verifiquei se o virabrequim tinha riscado, não havia aquela marca clássica de dano (bem feia), com certeza tinha alguma coisa, mas resolvi só montar bronzinas novas – sabendo dos riscos (vale lembrar que o correto a fazer quando há esse tipo de falha é mandar o virabrequim para uma retífica e também verificar as bielas). Mesmo assim, fechei o motor, andei mais um Hot Lap e rodei cerca de 1000km com o carro – até que começaram a aparecer outros ruídos no motor e resolvi encostar o carro e refazer TUDO!
Desmontagem pré-retífica das peças do motor
Para organizar as ideias e facilitar a leitura, vou usar uma estrutura de tópicos, de repente vai que a coisa fica legal e não serve de auxílio para alguém que esteja engajado em um projeto?
O AP 1.9 – afinal, o que é?
Muita gente me pergunta o que é esse tal de “milinove”; nada mais é do que pegar o motor AP 1.8 e colocar pistões maiores (83,5mm). Veja os valores abaixo:
Motor AP 1.8 (original) = 1.780 cm³ – com Pistão de 81,0mm
Virabrequim com curso de 86,4 + Pistão 82,5 = 1.847 cm³
Virabrequim com curso de 86,4 + Pistão 83,0 = 1.869 cm³
Virabrequim com curso de 86,4 + Pistão 83,5 = 1.892 cm³
O que acaba rolando normalmente, é que o pessoal coloca qualquer um dos três que mencionei acima e chama de “milinove”, eu mesmo usava o de 82,5 e agora passei pra 83mm. O motivo de não ter ido direto para a maior medida é que eu preferi deixar a possibilidade de retíficas neste bloco. Além do mais, a pequena diferença de volumes entre as configurações não é o fator mais relevante para extrair potência/torque no meu motor.
Novo motor – setup
O setup que escolhi para esse rebuild, foi o de pistões de 83mm (Iapel), anéis originais (KS), virabrequim VW OEM Std, bielas forjadas 144mm (Ancona), bomba de óleo VW OEM e casquilhos especiais (Clevite). São peças fáceis de achar e que atendem o meu projeto. O bloco é original do carro e passou pela retífica para dar uma geral. Fiz ainda o balanceamento dinâmico do conjunto rotativo e uso uma embreagem com disco simples de 6 pastilhas e platô de 1200lb (FF Embreagens).
Uso um cabeçote 8 válvulas original do 2.0, que teve as válvulas trocadas (medidas originais), sedes e guias, com dutos polidos e câmaras equalizadas. O comando é um 276°.
A alimentação e ignição são gerenciadas por uma FuelTech 1Fi (aquela antiga, a primeira); uso distribuidor original, velas grau 9 e cabos MSD 8.5mm. Na alimentação de combustível usei 8 injetores, sendo 4 Bosch (do Golf) retrabalhados para maior vazão e 4 Delphi (do Celta) também retrabalhados – com 2 bombas Bosch 044 (GTi) alimentando.
O turbocompressor é um KKK modelo K24 com rotor de 47mm.
Motor no lugar, com novas peças e coxins em PU
Cabeçote revisado e já montado com a K24
Detalhes importantes para um motor turbo de pista
Por toda a internet, em fóruns, sites especializados, tem muita informação de medidas, modelos, marcas de peças e afins; por esse motivo, ao invés de apenas listar componentes eu quero aproveitar o espaço aqui do PC pra contar um pouco dos detalhes que podem fazer a diferença em um motor que trabalha “fritando” na pista.
Pra não alongar (demais) o post, vou falar de 2 mudanças e detalhes que fiz e estou fazendo no meu carro – relacionadas ao sistema de arrefecimento e lubrificação.
Arrefecimento
Muita gente tem o costume de tirar a válvula termostática com a intenção de “liberar mais fluxo”, mas será que isso melhora o desempenho do motor?
De fato, aumentar a área de passagem libera maior possibilidade de fluxo de água, mas geralmente quem tira a válvula não muda a bomba ou o radiador. Além disso, a ausência da válvula causa problemas, principalmente na questão da durabilidade e ainda prejudica o rendimento em algumas faixas de trabalho.
Válvula termostática original VW de 80°
Os principais problemas que a falta dela causa são:
– Cavitação (esse é o pior, na minha opinião):
Quando ocorre a combustão dentro do cilindro, naturalmente é gerada uma alta vibração. Neste momento, por fora do cilindro está passando uma camada de água para resfriar, então imagine que vai ocorrer uma variação brusca de temperatura (dentro do cilindro está a mais ou menos 750 graus e fora 80) em um intervalo muito curto de tempo (a 6000rpm, é de 10 milissegundos).
Somando variação de temperatura, vibração e frequência, temos uma ciclagem térmica.
O efeito prático disso é que vão se formando pequenas bolhas de vapor nas paredes do cilindro, que quando estouram criam uma velocidade altíssima desse ar que estava dentro das bolhas. É mais ou menos como se fossem minúsculos martelos que ficam marretando o metal; com o tempo vai perfurando o metal até fragilizar tanto a parede do bloco/cilindro, que fura mesmo.
Como evitar?
– SEMPRE use aditivo na proporção correta (consulte manual do fabricante). Não ande só com água pura –> o aditivo evita corrosão, ajuda no equilíbrio térmico e ainda tem um efeito de diminuir condutividade elétrica no fluido. Enfim, é fundamental usar.
– NÃO retire a válvula termostática, pois ela tem a função de equilibrar a temperatura do sistema, evitando diferenças bruscas de temperatura, que favorecem a formação das bolhas de vapor –> em carros preparados, o correto é usar válvulas com abertura a valores mais baixos (como essa de 80 graus que eu comprei para o meu carro).
– Verifique se não há vazamentos no sistema (mangueiras, radiador, tampa do reservatório de expansão) –> a pressão que é formada no sistema é um dos fatores que contribui para a NÃO formação das bolhas de vapor.
– Trincas (fissura térmica)
Como sabemos, a variação de temperatura faz os metais dilatarem e contraírem. Agora imagine isso acontecendo no motor a cada cilco (queima), ainda mais em rotações altas e com motor a plena carga. Como isso é inevitável, o motor precisa de um sistema eficiente e equilibrado para minimizar essas contrações e dilatações.
OU SEJA, se você trabalhar com o motor muito frio (sem válvula), vai agravar esse desequilíbrio térmico e potencializar esse efeito de variação. Resumindo, vai favorecer o aparecimento de trincas por fadiga térmica.
O cabeçote costuma sofrer bastante esse efeito. Veja um exemplo de como pode ficar em níveis críticos.
– Lubrificação
Nem preciso entrar no detalhe, afinal a gente sabe bem para que serve o óleo no motor. Basta dizer que se o óleo está muito quente perde a capacidade de lubrificação, mas muito frio também prejudica o motor porque não consegue fluir bem e chegar até onde tem que chegar (partes móveis, bronzinas, mancais). Além de usarmos o óleo correto para o nosso motor, escolhendo conforme suas características construtivas e também de aplicação (original, rua, pista, arrancada), temos que ter controle da temperatura dele (usando radiador de óleo, se necessário). Tem um monte de cálculos para determinar isso, mas para um AP turbo da forma que usamos (rua/trackday), o sistema original com óleo bom, bomba boa e temperatura do motor controlada, não nos trará problemas.
Veja o que o óleo muito frio ou pouco viscoso pode fazer no motor (falta de lubrificação adequada, perda do filme de óleo).
– Rendimento do motor
Sabendo que o motor à combustão “já não é lá aquelas coisas” em termos de eficiência (um treco muuuito bom fica perto de 30%), é importante pensarmos em formas de minimizar qualquer perda.
Como normalmente a gente pega um motor original e modifica, não adianta tentarmos mudar a faixa de temperatura de trabalho para obter o melhor rendimento. Isso até é possível tecnicamente falando, mas fica inviável economicamente, pelo menos para carros de rua. Competição é outra história, onde o que interessa é “tirar pelo de ovo”…
Então, sabendo que os materiais mudam seu comportamento (dilatam/contraem) com a temperatura, é fato que existe uma faixa de trabalho correta para que as folgas sejam conhecidas/controladas e o motor renda conforme foi projetado. Como geralmente estamos adicionando potência, carga térmica no motor, precisamos mais ainda do controle eficiente de temperatura.
Concluindo, o caminho não é tirar a válvula termostática; O correto é usar uma que te dê a resposta desejada, em alguns casos (aumentos muito grandes de potência) além de mudar a temperatura de abertura dela, tem que mudar a bomba d`água (maior fluxo) e radiador.
– Resfriando o óleo
Instalei no Pangaré um radiador de óleo, é pequeno mesmo – ele é tipo um “hamburguer” que fica entre o suporte (cavalete) e o filtro de óleo. Mas ele não precisa ser grande, porque a troca de calor é feita com a água do motor – como ali passa um fluxo alto, a troca é eficiente. O mais legal de tudo, é que mantém o óleo bem próximo da temperatura do motor (perto dos 100 graus). Já um radiador de óleo que troca calor com o ar (aqueles que vão na frente do carro), vai variar muito, conforme as condições climáticas do dia (inverno/verão, dia/noite – comportamentos totalmente diferentes). Funciona bem, se for dimensionado corretamente.
Radiador de óleo original VW – benefício de manter a temperatura do óleo na faixa ideal de trabalho
E para finalizar, ainda falando de óleo, resolvi fazer um defletor no cárter para evitar que o óleo “passeie” muito no motor – a ideia é garantir que nunca falte óleo na região do pescador, seja fazendo curvas ou acelerando/freando. Também utilizarei a junta original do Golf, que ajuda a segurar o óleo ali embaixo.
Figuras 10, 11, 12 e 13: processo de confecção dos defletores de óleo no cárter
“Junta defletora” original do VW Golf/Gol GTi 16V
Alguns carros possuem defletores no cárter, mas não é o caso do AP… Eu fiz um molde em papelão, cortei um pedaço de chapa de aço e soldei. Veja como funciona a peça nesse rápido vídeo que fiz, com água mesmo, só pra dar uma base:
Bem, por hoje é só e até o próximo post!
Por Leo Ceregatti, Project Cars #94