Olá leitores do FlatOut! Meu nome é Diego Moreno Bravo, tenho 24 anos, sou engenheiro mecânico e fui um dos fundadores da Equipe Unicamp E-Racing, em 2011. Preparei esse post introdutório para vocês, contando um pouco da competição de que participamos e da história de nossa equipe. É impossível desvincular as histórias da equipe e de nosso primeiro carro, já que ambas estão diretamente atreladas. Aproveito o ensejo para expor alguns detalhes técnicos sobre nosso primeiro protótipo: o E2012.
Fórmula SAE? O que é isso?
Fórmula SAE, também conhecida como Formula Student em alguns países, é uma competição estritamente universitária, onde estudantes de graduação e pós-graduação matriculados em cursos de engenharia devem conceber, projetar, construir, testar e competir com carros de corrida estilo fórmula. Todas essas etapas têm de ser concluídas no período de um ano, de forma que cada equipe consiga apresentar um carro completamente novo na competição anual para julgamento e comparação com os carros das equipes adversárias.
Esta é considerada a maior competição universitária do mundo, com eventos anuais em diversos países, com destaque para Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Hungria, Áustria, Reino Unido, Espanha, Austrália, Japão e Índia. As principais categorias são Fórmula SAE Elétrico e Fórmula SAE Combustão, embora algumas poucas equipes também desenvolvam projetos de Fórmula SAE Híbridos e a Hidrogênio. Há mais de 350 equipes na categoria combustão e mais de 120 equipes na categoria elétrica, em todo o mundo, não restringindo-se apenas aos países que sediam as competições, citados anteriormente.
Ao contrário do que muitos pensam, a competição de Fórmula SAE não consiste em uma corrida de automóveis, como Fórmula 1 ou Stock Car, onde todos os carros entram na pista ao mesmo tempo e disputam posíções. No caso da Fórmula SAE, onde os pilotos são os próprios alunos (muitas vezes sem experiência na arte da pilotagem) o único adversário das equipes na pista é o relógio, eliminando-se assim os riscos de colisões entre os carros. Para limitar a velocidade final dos carros que, dependendo da relação final de transmissão, podem ultrapassar os 150km/h, o traçado é bastante estreito, com curvas fechadas e inteiramente delimitado por cones, como pode ser visto no vídeo abaixo, durante a prova de autocross da Equipe Unicamp E-Racing na Competição de 2013 em Lincoln, Nebraska, EUA.
Vale lembrar que, antes de uma corrida, a Fórmula SAE é uma competição de engenharia e, portanto, não são avaliados apenas os tempos que cada carro faz na pista. Também há provas estáticas: apresentações técnicas de projeto para engenheiros experientes da indústria automotiva, elaboração de relatórios complexos e detalhados de todos os custos envolvidos na produção dos protótipos e uma apresentação de marketing. Os carros são autorizados a participar das provas dinâmicas (aceleração, skidpad, autocross e endurance) apenas depois de ser aprovados na inspeção técnica, que avalia se o carro está dentro das regras e proporciona segurança ao piloto e aos espectadores do evento.
Breve Histórico da Competição
A Fórmula SAE iniciou-se nos Estados Unidos em 1981, alavancada pela carência do mercado por engenheiros especializados em veículos de alta performance. Inicialmente, contou com o apoio das três grandes fabricantes norte-americanas — General Motors, Ford e Chrysler — que viram uma oportunidade única de garimpar novos engenheiros para trabalhar em seus projetos futuros. Depois disso, a iniciativa se espalhou pelo mundo e hoje já conta com mais de 500 equipes no total (combustão, elétrico, híbrido e hidrogênio).
No Brasil, a primeira competição de Fórmula SAE ocorreu em 2004. Tinha como principal meta assumir a posição de uma importante ferramenta educacional na formação e aprimoramento dos novos engenheiros, capacitando-os na busca por soluções de problemas, trabalho em equipe, exploração da criatividade, planejamento e análises de custos. Em 2012, foi lançada a categoria de veículos elétricos na qual a Equipe Unicamp E-Racing foi a primeira vencedora. Atualmente, a competição nacional é realizada no Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo (ECPA) e conta com mais de 30 equipes inscritas, de todas as regiões do Brasil e de alguns países da América do Sul.
Histórico da Equipe
Em 2011, após uma apresentação sobre veículos elétricos e híbridos no Crongresso da SAE Brasil, alguns membros da Equipe FSAE Unicamp foram abordados pelo Engenheiro Ricardo Takahira, um dos voluntários da SAE Brasil que batalharam para trazer a categoria elétrica para o país. Ricardo nos questionou sobre a possibilidade de a Unicamp participar com um Fórmula SAE Elétrico já na competição de 2012, na categoria recém criada. Naquela hora ninguém se prontificou a assumir tal compromisso, mas com o passar do tempo a idéia foi sendo amadurecida até que, no final de outubro de 2011, foi criada a Equipe Unicamp E-Racing.
Seus fundadores eram oito alunos que já haviam feito parte do projeto de Fórmula SAE Combustão e, portanto, já tinham algum conhecimento técnico sobre várias áreas como suspensão, direção, chassi, transmissão, aerodinâmica, freios e elétrica. Contudo, o powertrain elétrico e as baterias representavam uma grande novidade para todos. Por esse motivo, a equipe tinha como objetivo inicial fazer um carro simples, cujo projeto fosse concluído cedo para que houvesse tempo de sobra para solucionar eventuais problemas que pudessem surgir com o motor elétrico e/ou com as baterias. O principal objetivo era que o carro andasse, independentemente de ser rápido ou lento.
Como a equipe era nova, não tinha oficina, ferramentas, dinheiro, peças e nada que fosse essencial para se fazer o carro. Sem ter o orçamento definido, também era impossível avançar no projeto. Iniciou-se então a busca por um prédio na universidade onde a equipe pudesse montar sua oficina e, simultaneamente, a busca por patrocinadores que estivessem dispostos a investir no projeto para fazê-lo sair do papel. Foi elaborada uma lista com mais de 500 empresas que identificamos como potenciais patrocinadoras. Muitas destas negaram nosso pedido, mas algumas foram muito receptivas e, interessadas em conhecer melhor nossa proposta, abriram suas portas para nos receber. Uma dessas empresas foi o Instituto de Pesquisas Eldorado, de Campinas, que mudou totalmente o curso da história da equipe.
Quando expusemos ao Instituto de Pesquisas Eldorado o nosso objetivo de fazer um carro que apenas andasse, José Eduardo Bertuzzo, o então Gerente de Desenvolvimento de Hardware da empresa, foi enfático em suas palavras: “Se for para o Eldorado apoiá-los nessa empreitada, terá que ser com tecnologia de ponta, com o que há de melhor no mercado!”. Interessados em se envolver com a tecnologia do powertrain de veículos elétricos, o Eldorado nos forneceu o motor, seu controlador, as baterias e seu sistema de gerenciamento, e o carregador.
O motor era o melhor que encontramos no mercado! Era um protótipo ainda, projetado e fabricado por uma empresa britânica: YASA Motors. Pesava apenas 25 kg, com potência máxima de 134 hp, torque de 750 Nm e rotação máxima de 2.000 rpm, que dispensava um sistema transmissão, garantindo a simplicidade desejada inicialmente. O motor era tão inovador que, para a sua aquisição, foi necessária a assinatura de um termo de confidencialidade entre a Equipe Unicamp E-Racing, o Instituto de Pesquisas Eldorado e a YASA Motors.
Com esse torque e rotação, a equipe optou por uma configuração na qual o motor é instalado diretamente no eixo traseiro do veículo, conhecida como “direct drive”. Como o motor escolhido é oco, conforme pode ser visto na figura abaixo, foi possível montar um diferencial de deslizamento limitado (LSD) em seu interior (ilustrado na Figura 9).. As baterias escolhidas eram de LiFePO4 (lítio ferro fosfato), apresentavam boa capacidade de armazenamento de energia e permitiam correntes de descarga de até 400 amperes.
Montagem do diferencial (componente dourado)
Com essa tecnologia em mãos, a equipe não poderia mais fazer um carro “simples”, que apenas andasse. Agora, seria obrigação fazer um carro rápido, confiável e que garantisse a primeira colocação. As buscas por patrocinadores intensificaram-se ainda mais e a tecnologia que tínhamos em mãos, graças ao Instituto de Pesquisas Eldorado, acabou abrindo muitas portas e atraindo o interesse de muitas outras empresas que passaram a nos apoiar.
Graças ao árduo trabalho de todos os membros da equipe naquela época e ao importante apoio de pessoas como o Prof. Dr. Ennio Peres da Silva (nosso orientador), iniciamos 2012 com uma oficina relativamente bem equipada, com o powertrain inteiro definido e com recursos suficientes para construir um bom carro!
No final do mês de fevereiro de 2012 demos início à construção do chassi e dos componentes da suspensão. Tudo baseado em tubos e chapas de aço 1020, cortadas a laser, e algumas poucas peças usinadas em alumínio e aço 1020. A escolha do aço 1020 para confecção de tantas peças se deveu à sua grande disponibilidade no mercado, à ampla gama de medidas disponíveis, à facilidade de soldagem, ao fato de não ser necessária a realização de tratamentos térmicos após a finalização das soldas e ao baixo custo.
Durante a construção do chassi, fomos visitados por uma figura ilustre: o piloto brasileiro Ingo Hoffmann. Ingo foi convidado a nos visitar para contar um pouco de suas experiências no automobilismo e para ajudar a motivar a equipe a continuar trabalhando arduamente para atingir seus objetivos.
Algumas peças usinadas foram ficando prontas, outras peças importadas foram chegando e nosso primeiro carro foi tomando forma, conforme pode ser observado na sequência de fotos abaixo.
Confira abaixo as especificações técnicas completas do carro:
Com o E2012, a Equipe Unicamp E-Racing venceu a competição brasileira de Fórmula SAE Elétrico em 2012, obtendo as seguintes classificações em cada prova:
- 1º Lugar Geral – Categoria Elétrico
- 1º Lugar – Apresentação de Projeto
- 2º Lugar – Prova de Custos
- 1º Lugar – Apresentação de Marketing
- 1º Lugar – Aceleração
- 1º Lugar – Skid Pad
- 1º Lugar – Autocross
- 1º Lugar – Endurance
- 1º Lugar – Eficiência Energética
Com esses resultados, a equipe se classificou para a primeira competição de Fórmula SAE Elétrico dos Estados Unidos, que foi realizada na cidade de Lincoln, no estado do Nebraska. Com anseio de repetir os excelentes resultados na terra do Tio Sam, a equipe se preparou ainda mais, praticando o idioma entre seus membros, preparando-se melhor para as provas estáticas, treinando os pilotos, fazendo diversas validações em pista e melhorando ainda mais o carro. O fruto desse esforço pode ser conferido nos resultados abaixo, obtidos na 1ª Competição de Fórmula SAE Elétrico norte-americana, em junho de 2013:
- 1º Lugar Geral – Categoria Elétrico
- 1º Lugar – Apresentação de Projeto
- 1º Lugar – Prova de Custos
- 2º Lugar – Apresentação de Marketing
- 1º Lugar – Aceleração
- 1º Lugar – Skid Pad
- 1º Lugar – Autocross
- 1º Lugar – Endurance
- 1º Lugar – Eficiência Energética
A pontuação final da Equipe Unicamp E-Racing foi de 985 pontos, de um total de 1000 pontos possíveis. Esta é a melhor pontuação da história de todas as competições, desde 1981, quando a Formula SAE foi criada!
Antes de apresentar o assunto do próximo post, a equipe gostaria de agradecer a todos os patrocinadores, professores, técnicos de laboratório, amigos de outras equipes de atividades extra-curriculares da Faculdade de Engenharia Mecânica e familiares. Sem vocês não conseguiríamos fazer nada disso!! Vocês nos ajudaram o tempo todo, suprindo nossas necessidades, sejam elas materiais ou psicológicas.
No próximo post vamos apresentar o protótipo E2013, bem como as melhorias que foram adotadas em relação ao E2012, discorrendo sempre sobre os aspectos técnicos que nortearam as tomadas de decisão da equipe. Para atiçar a curiosidade do leitor e convidá-lo a ler nosso próximo post, deixamos aqui uma amostra do que há por vir. Se alguém quiser conhecer um pouco mais sobre nosso trabalho, basta visitar nossa página no facebook: www.facebook.com/unicamperacing.
Até o próximo post!