Em 1968, quando a Ford lançou no Brasil o Corcel com sua configuração mecânica moderna, a Volkswagen precisou se mexer para manter seu espaço no mercado. Não que o Corcel fosse ameaçar o Fusca, mas ele trouxe ao mercado uma alternativa a quem precisava de mais espaço e versatilidade que o velho besouro. Foi quando a Volkswagen lançou o 1600 quatro-portas, mais conhecido por seu apelido Zé do Caixão, seguido pela perua Variant e pelo fastback TL.
Era os primeiros modelos da marca no Brasil desde 1959 — até então a Volkswagen se virava muito bem com o Fusca e com a Kombi — especialmente porque seus concorrentes não eram páreo. Mas o cenário mudaria com a chegada de novos concorrentes como o próprio Corcel e também o Dodge 1800 e o Chevrolet Chevette. O Zé do Caixão não vingou, talvez por ser parecido demais com o antigo Willys Dauphine/Gordini, ou simplesmente por não ter agradado o público. Já a perua Variant deu certo e foi uma forte rival para a Belina, lançada um ano depois — a Variant é de 1969 e a Belina de 1970.
Mas o negócio apertou para a Volkswagen quando a Chevrolet começou os preparativos para o lançamento de seu novo modelo compacto, que se tornaria o Chevette. A Volkswagen acelerou o desenvolvimento de um sucessor mais moderno para o Fusca, visando aprontá-lo a tempo do lançamento da GM do Brasil. E foi assim que a Brasilia (ou o Brasilia, se preferir) chegou às ruas no segundo semestre de 1973.
O carro mantinha todas as qualidades do Fusca percebidas pelo público, porém com uma “embalagem” mais moderna, versátil e mais espaçosa. Em vez da configuração 4+1 do Fusca, na Brasilia há espaço para “cinco pessoas gesticulando”, como dizia o material da época.
O melhor espaço se devia à carroceria com linhas mais retas e, principalmente, pela nova plataforma/chassi, que a tornava mais larga e mais curta que o Fusca — são 17 cm de diferença no comprimento, mas o entre-eixos é idêntico.
O carro vendeu bem, mas não conseguiu substituir o Fusca — principalmente depois que a Volkswagen lançou o Gol, mais moderno e atraente. No fim, a Brasilia saiu de linha em 82 e o Fusca ficou até 1986, com direito a reencarração (pegou o trocadilho?) entre 1993 e 1996.
Dos outros derivados do Fusca, o melhor sucedido foi a perua Variant. O Zé-do-Caixão foi para o saco em 1971, acabou substituído pelo TL, que acabou tendo vida curta porque o Passat chegou em 1974 com a mesma proposta e tornou o TL obsoleto da noite para o dia. Ele ainda resistiu por mais um ano, mas acabou saindo de linha em 1975. Já a Variant continuou porque, além da mecânica confiável e da versatilidade ainda melhor que a da Brasilia, era a única alternativa à Belina do mercado nacional.
Tanto que em 1977 a Volkswagen apostou em uma segunda geração da perua, a Variant II. O modelo seguia a identidade visual da Brasilia, a ponto de ser confundida pelos observadores menos atenciosos. Eu mesmo, quando criança, achava essa Brasilia um tanto estranha, até o dia em que consegui ler o nome e descobri se tratar de outro carro. Era como se alguém tivesse colocado a Brasilia numa máquina de xerox e apertado 110%.
Quer dizer, isso por fora, considerando apenas o visual. Porque debaixo dois painéis de aço havia um carro completamente novo, com uma configuração mecânica jamais vista na linha Volkswagen brasileira.
A Variant II também tinha suspensão independente nas quatro rodas como a Brasília, mas em vez dos braços arrastados com barras de torção na dianteira e semi-eixos oscilantes com molas helicoidais na traseira, ela tinha a moderna estrutura MacPherson na dianteira e braços arrastados com molas helicoidais na traseira, o que resultava em um comportamento dinâmico muito superior ao da Brasilia, pois eliminava a variação da cambagem com o movimento vertical da suspensão, típico dos semi-eixos oscilantes.
Aliás, aqui há uma coincidência interessante: o outro carro da época que usava um boxer a ar na traseira, com braços arrastados atrás e MacPherson na frente era o… Porsche 911! Claro, a Volkswagen não tirou esse arranjo do Porsche para a Variant. Antes dela, os modelos Typ 4 (411 e 412) usaram essa mesma configuração mecânica entre 1968 e 1974 na Europa, em uma última tentativa da Volkswagen de evoluir sua linha “a ar”.
Algo curioso sobre o visual da Variant II é que ele fazia a perua parecer muito maior que a Brasilia, mas algumas dimensões nem eram assim tão diferentes. Veja, por exemplo, a largura: a Variant tem 1,63 metro enquanto a Brasilia tem 1,60 metro — apenas 3 cm de diferença. A altura de ambas é a mesma: 1,48 metro. As maiores diferenças estão no comprimento, que é 28 cm maior na Variant II — são 4,04 metros na Brasilia e 4,32 metros na Variant II —, e no entre-eixos, que é 9 cm maior na Variant II.
Apesar disso, os dois carros compartilhavam o para-brisa, o para-choque traseiro, as portas e o conjunto óptico dianteiro, além de elementos internos como as maçanetas, alavanca do vidro, puxadores de porta e outros elementos menores normalmente compartilhados entre modelos de uma mesma linha.
O volume das áreas de carga, claro, também era significativamente diferente. A Brasília sempre teve problemas nesse quesito, pois seu porta-malas dianteiro é raso e ainda acomoda o estepe, enquanto o compartimento sobre o motor também é raso e curto devido ao motor “em pé”, compartilhado com o Fusca.
Com isso, o volume para carga mal chegava aos 160 litros, enquanto a Variant II, por usar o motor “deitado”, proporcionava mais espaço atrás dos bancos (sem contar o comprimento maior). Somando o volume deste compartimento ao volume do bagageiro dianteiro, o total era 412 litros para a bagagem da família.
Ainda dentro dos carros, a idade do projeto da Brasilia já se evidenciava pelo painel e instrumentos, enquanto a Variant II usava um painel de plástico injetado com instrumentos retangulares — os mesmos que seriam adotados no Gol a partir de 1980.
Essa diferença dimensional por si era suficiente para segmentar os dois modelos de forma bem diferente. Além disso, havia o preço de ambas: a Brasilia era cerca de 10% mais barata que a Variant II
Outra diferença entre a Variant II e a Brasilia era, evidentemente, o posicionamento no mercado. A Brasília era posicionada acima do Fusca na entrada da linha Volkswagen, enquanto a Variant II era posicionada acima da Brasília. Até 1980, a segmentação era a seguinte: Fusca, Brasilia, Variant II, Kombi e Passat. Com a chegada do Gol em 1980, ele foi posicionado entre a Brasilia e a Variant II, distanciando a perua de sua inspiradora.
Apesar das qualidades, a Variant II foi bem-sucedida por pouco tempo. Logo em 1978 a Ford atualizou a Belina com um estilo ainda mais moderno — foi o primeiro carro brasileiro com faróis retangulares, inaugurando a tendência dos anos 1980 —, mais confortável, mais versátil, mais silenciosa e mais econômica, custando praticamente o mesmo. Na verdade, a Variant II era posicionada perigosamente próxima da Caravan de entrada.
Segundo a tabela de preços de 1980, a Brasilia custava Cr$ 305.900 na versão básica e Cr$ 338.000 na luxuosa LS, enquanto a Variant II, que era vendida em versão única, custava Cr$ 361.900. Em valores corrigidos pela inflação oficial, o IPCA, a Brasília custava entre R$ 59.000 e R$ 65.300, enquanto a Variant II ficava nos R$69.900.
Com as vendas cada vez mais fracas, a Variant II acabou em segundo plano na linha Volkswagen até ter sua produção encerrada no final de 1980, embora as vendas tenham continuado até meados de 1981. No ano seguinte, a Volkswagen lançou sua nova perua derivada do Gol, a Voyage Parati. Em 1982 foi a vez da Brasilia se despedir do mercado.
Olhando em retrospecto, considerando que a Volkswagen já produzia o Passat e o sucesso do Santana Quantum a partir dos anos 1980, foi um erro estratégico da marca insistir na Variant quando o mercado já apontava para algo bem mais moderno, quando poderia ter trazido a Passat Variant de primeira geração, impondo uma vantagem significativa sobre a Caravan de entrada.
Quanto à Brasilia, a ironia foi ela ter saído de linha antes do Fusca, o carro a quem veio substituir, que continuou produzido até 1986, em vez de manter a Brasilia até 1986 e encerrar de vez a produção do Fusca.