A internet tem uma teoria sobre a Ferrari: quando seus carros de rua estão em alta, as equipes estão em baixa. A Ferrari, por exemplo, lançou carros incríveis entre 1995 e 1999, quando não ganhava títulos na F1. Quando começou a ganhar, em 2000, os carros começaram a ser mais evolutivos (um jeito elegante de dizer “mais do mesmo”), e voltaram a ser matadores nos anos 2010, quando ela era a segunda força, mas sem chances de título.
Guardadas as proporções, a McLaren parece estar seguindo o mesmo caminho. Ela não disputa um título desde 2011, logo depois que sua divisão de carros de rua da companhia foi reformulada, a McLaren escalou rapidamente para a elite dos superesportivos, começando com o MP4-12C, lançado em 2011, e culminando com os insanos McLaren Senna, Elva, Speedtail e Solus GT.
E o que todos os carros recentes da McLaren tem em comum? A integração do atual logotipo da fabricante, que a McLaren chama de speedmark, ao design dos carros. É um pequeno arco vermelho no canto superior direito do seu nome, ao lado da letra “n”. Parece um símbolo da Nike de cabeça para baixo. Mas obviamente não é.
De acordo com a própria McLaren, o speedmark é inspirado pelos vórtices aerodinâmicos que se formam na traseira do carro, e que ficam visíveis quando o mesmo é testado em um túnel de vento. Considerando que a McLaren tem raízes nas corridas de monopostos e que a preocupação com a aerodinâmica sempre foi uma de suas marcas, até que dá para entender.
Entretanto, não é exatamente segredo que existe uma explicação extra-oficial para o emblema da McLaren. Aliás, mais de uma.
A primeira delas tem a ver com a icônica parceria entre a McLaren e a Philip Morris, fabricante dos cigarros Marlboro. Como contamos neste post a respeito da relação entre a indústria do tabaco e o automobilismo, a McLaren começou a ser patrocinada pela Marlboro em 1974, e a parceria continuou até 1996. Por boa parte deste período a McLaren foi simplesmente imbatível, conquistando oito títulos de construtores e nove títulos de pilotos com cinco pilotos diferentes: James Hunt (o único fumante), Emerson Fittipaldi, Ayrton Senna, Niki Lauda e Alain Prost.
Ao longo destes mais de vinte anos a McLaren estampou as cores da Marlboro em seus carros, nos macacões dos pilotos e em todo seu material publicitário. Nada surpreendente, já que na prática a McLaren era financiada pela Philip Morris (que ainda fornecia todos os maços de Marlboro com filtro vermelho que James Hunt pudesse fumar). O que talvez te surpreenda é que o próprio logo da McLaren acabou incorporando o logo da Marlboro. Se liga na versão que estreou em 1981:
A explicação oficial da McLaren para o formato era que as “bandeirinhas” faziam referência a uma bandeira quadriculada. A porção vermelha, contudo, é uma referência óbvia (ainda que jamais confessa) à estampa da Marlboro.
Em 1991, a McLaren realizou uma leve mudança em seu logo, retirando quase todas as “bandeirinhas”e deixando apenas uma delas, a vermelha – que ainda lembrava bastante o símbolo da Marlboro, aliás.
Então, em 1997, a forma deu lugar ao speedmark que conhecemos hoje. Em 2002 a fonte mudou, ficando mais retilínea e moderna. O speedmark foi mantido.
É possível que o logo atual seja uma versão arredondada do logo antigo – diríamos até que é provável. Mas a mudança não aconteceu por acaso: à medida que avançávamos em direção aos anos 2000 a ligação da indústria do tabaco com o esporte a motor enfraqueceu bastante, em grande parte porque a sociedade foi se tornando cada vez mais anti-tabagista.
O processo culminou em 2001 com a proibição total, por parte da FIA, de qualquer presença de marcas de cigarro no automobilismo. Dá para entender porque a McLaren desconsidera esta parte de sua história. O tabagismo é um hábito nocivo, que não deve ser estimulado de nenhuma forma.
Agora, esta talvez não seja a única origem do atual logo da McLaren. Antes de ser patrocinada pela Marlboro, a equipe britânica tinha outro emblema, que nada tinha a ver com cigarros, mas sim com a origem de seu fundador, Bruce McLaren.
Bruce McLaren nasceu em Auckland, na Nova Zelândia, em 1937, e logo aos 14 anos começou a pilotar carros de corrida em provas amadoras. Ele fundou sua própria equipe de corrida, com seu sobrenome, em 1963, aos 26 anos de idade, e morreu dirigindo um de seus carros em 1970, aos 32 anos.
O primeiro emblema da McLaren era bastante tradicional. Tinha formato de escudo e trazia alguns elementos interessantes. As cores verde e branco eram as cores nacionais da Nova Zelândia no automobilismo (assim como o prata da Alemanha, o vermelho da Itália, o verde escuro dos britânicos e o azul dos franceses). Havia a silhueta de um monoposto de corrida visto de frente na parte superior e, embaixo, a silhueta de um kiwi.
O kiwi é um pássaro nativo da Nova Zelândia, pertencente ao mesmo grupo dos avestruzes, emas e casuares. É o menor deles, tendo o tamanho aproximado de uma galinha. É totalmente incapaz de voar, tendo apenas asas vestigiais que sequer são visíveis sob as penas. Orgulhoso de suas raízes, Bruce McLaren fazia questão de colocar a estampa de um kiwi em praticamente todos os seus carros de corrida.
Isso porque o kiwi é o pássaro nacional da Nova Zelândia. Há séculos o kiwi tem uma importância cultural muito grande para o povo Māori, que chegou à Nova Zelândia no ano de 1250 e tinha no pássaro uma fonte de alimento (carne e ovos) e de material para roupas, que eram feitas com suas penas.
Já no início do século 20 os cartunistas começaram a usar o kiwi como um personagem que representa o povo neozelandês, e o apelido foi adotado com orgulho pela população pouco depois – diferentemente do que pode acontecer com outros “apelidos”, chamar um neozelandês de kiwi não tem conotação pejorativa.
Pois bem: há quem diga, então, que o atual emblema da McLaren é uma evolução do kiwi usado por Bruce McLaren em seus carros, que em 1967 foi substituído por uma versão estilizada e “aerodinâmica”, apelidada de speed kiwi. Esta foi utilizada até os anos 80, quando o logo supostamente inspirado pela Marlboro foi adotado.
Outra referência interessante ao kiwi, que se não for proposital é uma coincidência muito feliz, está no formato das entradas de ar nas laterais do McLaren 570S, atual modelo de entrada da companhia. Repare bem no contorno: não é quase igual à silhueta do kiwi dos antigos McLaren de corrida?