Há uns vinte e poucos anos eu ainda era uma criança que não entendia muita coisa de carros. Não sabia que a tração podia ser dianteira ou traseira, que existiam diferentes configurações de motor ou que o câmbio podia ser automático ou manual. Mas eu já gostava de carros. Morava em uma cidade minúscula, no interior do interior de São Paulo, e um dos meus passatempos favoritos era sair para dar uma volta com meu pai e ficar olhando os carros passarem na avenida principal. Conhecia os nomes e reconhecia as carrocerias – Brasília, Chevette, Belina, Opala, Uno, Gol, Corsa, 147 dominavam as ruas. E eu gostava todos eles.
Eu ainda não sabia, contudo, que iria crescer e me tornar um entusiasta. Muito menos que ganharia a vida falando (escrevendo) sobre carros. Olhando para trás, contudo, vejo que não poderia ser diferente.
Agora, todo entusiasta tem um carro que começou tudo. O carro que produziu a faísca, que te fez perceber que aquelas máquinas com quatro rodas, motor, volante e pedais mexem com você. O meu? Algo improvável, no mínimo: o Audi TT de primeira geração.
No fim dos anos 90, com uns 7 ou 8 anos de idade, eu curtia muito o Fusca – provavelmente porque o primeiro filme que me lembro de ter assistido na vida (fora os desenhos animados) foi “Se Meu Fusca Falasse” (The Love Bug), lançado em 1968 nos EUA e em 1969 no Brasil. Que criança não curtiria um filme com um Fusca chamado Herbie que tem consciência própria, ajuda seu piloto a vencer corridas e até se apaixona? Bom, eu curto até hoje, e naquela época foi o bastante para torrar a paciência do meu pai até ele comprar um Fusca.
Foi por isso que, como já contei aqui outras vezes, também fiz meu velho comprar uma revista Auto & Técnica com o New Beetle na capa. Mas, como eu já disse, não acho que o Fusca tenha sido o carro que me fez perceber que gostava de carros. Todo mundo gosta ou pelo menos tem certo carinho pelo Fusca, entusiasta ou não.
Agora, o New Beetle foi lançado em outubro de 1997, e a revista foi publicada algumas semanas (ou meses, não lembro direito) depois. E foi naqueal revista que eu vi, pela primeira vez uma foto do Audi TT. Era uma foto pequena, ilustrando um box no canto de uma página, com o TT cupê visto de frente e de traseira. Não encontro mais aquela foto, mas era parecida com esta:
Fui correndo mostrar para o meu irmão. Eu ainda não entendia exatamente o motivo, mas achei aquele carro legal demais, e ele imediatamente se tornou meu carro favorito. Provavelmente foi ali que eu descobri que a Audi existia, e logicamente eu não sabia que a Audi pertencia à Volkswagen. Portanto, foi a primeira vez que eu admirava um carro que não tinha relação alguma com o que eu estava acostumado a ver na rua.
O Audi TT foi lançado exatamente um ano depois do New Beetle, em outubro de 1998. Na época eu já enxerguei certa semelhança entre ambos: as linhas arredondadas, o teto que era quase um semi-círculo, o formato da janela lateral traseira. Sequer desconfiava que ele, na verdade, compartilhava parte de sua arquitetura como New Beetle – os dois dividiam a plataforma, que era a mesma do VW Golf de quarta geração.
Mas o caso é que o Audi TT me atraiu, com oito anos de idade, exatamente por uma de suas maiores qualidades: o design. O cupê esportivo da Audi foi desenhado por J Mays (o designer por trás do New Beetle, aliás) e era completamente diferente de qualquer outro Audi da época. Em 1998 os Audi eram sóbrios, quadradões e imponentes. Olha só o Audi A4 daquele ano:
Mesmo o Audi A3, bastante atraente e lançado em 1996, era dono de um desenho bem mais convencional. E, vale lembrar, ele também usava a plataforma do Golf.
A versão conceitual do Audi TT foi apresentada em 1995, e o modelo de produção surpreendeu ao conservar praticamente todas as linhas do conceito, com exceção do formato das janelas laterais e da coluna “C”:
O design industrial de J Mays era muito marcante. Dianteira e traseira tinham praticamente o mesmo perfil, e os faróis e lanternas era muito integrados à carroceria, quase como se tivessem sido apenas desenhados ali. As linhas arredondadas, vistas também no New Beetle, funcionavam muito bem com a silhueta mais baixa do TT, que não tinha o dever de acomodar quatro pessoas com relativo conforto – o New Beetle ainda tinha espaço razoável para quatro pessoas, enquanto o TT era um carro para se curtir, no máximo, a dois. Ele não era um compacto estilosinho para ser usado como segundo carro. Era um esportivo. Tanto que possuía uma versão com motor 1.8 20v turbo de 225 cv, tração nas quatro rodas e câmbio manual de seis marchas.
O lado de dentro casava perfeitamente com a carroceria: o painel de instrumentos tinha linhas arredondadas e limpas, com quatro saídas de ar circulares, comandos despoluídos e ergonomia toda voltada para o condutor, que sentava em uma posição baixa, “abraçado” pelo carro.
Aliás, na foto abaixo podemos ver claramente a influência do design do interior do Audi TT (assinado por Peter Schreyer) presente até hoje nos modelos da marca – é o painel do Audi A3 atual:
O design do Audi TT é objeto de elogios até hoje, e conseguiu superar até mesmo problemas iniciais que o modelo teve com comportamento imprevisível em curvas de alta velocidade. A Audi logo tratou de adicionar controles eletrônicos de estabilidade e tração, além de um spoiler na traseira e suspensão retrabalhada, para tornar o carro mais controlável. Em 2000, já com os problemas sanados, o TT ganhou o prêmio de Carro do Ano nos Estados Unidos, além de se tornar figurinha frequente em listas de “Melhores do Ano” pela imprensa especializada.
Quando a geração seguinte do TT foi lançada, em abril de 2006, a excelência dinâmica continuou. Mas seu desenho não causou o mesmo impacto: era basicamente a mesma silhueta da primeira geração, porém com a identidade visual que a Audi estava usando na época.
O mesmo vale para a geração atual, de 2014. Por mais quehoje em dia o TT continue sendo um carro excelente (e cada vez mais potente, considerando os 400 cv do motor cinco-cilindros do 2.5 turbo usado no TTRS 2018), só o primeiro TT trouxe em 1998 tinha design revolucionário, capaz de fazer uma criança de oito anos ficar apaixonada pelo carro sem nem entender direito o motivo. O desenho do Audi TT é a peça que completa o conjunto formado pela boa mecânica e pela dirigibilidade exemplar, seja com tração dianteira ou integral. Conjunto que, somado os preços ainda relativamente acessíveis, tem tudo para fazer do primeiro Audi TT um futuro clássico.
Na época eu sequer sonhava que o TT seria um carro tão marcante. Talvez nem imaginasse que um carro pudesse ser tão marcante, no geral. E é por isso que eu tenho certeza que o Audi TT foi o carro que me fez perceber que eu gostava de carros.
Agora, lanço a pergunta: para você, qual foi o carro que começou tudo e te fez perceber que era um entusiasta?