É bem provável que o seu primeiro carro tenha sido um poisé bem peladinho, no qual você tinha que girar manivelas para descer os vidros e jamais esquecer de trancar todas portas, uma por uma, ao sair dele.
Claro, talvez hoje em dia seu espírito entusiasta te diga para dispensar esse tipo de conforto — afinal, itens como vidros elétricos e travas elétricas adicionam mais peso ao carro e significam que há mais coisas para quebrar no seu carro, mas a verdade é que a gente aprende a conviver com estas facilidades e fica difícil se acostumar com sua ausência depois de um tempo. Mas houve uma época na qual eles não existiam, claro. O que nos faz pensar: qual foi o primeiro carro com vidros elétricos? E o primeiro com travas elétricas?
Não é à toa que este é exatamente o título deste post: nós vamos tentar responder a estas duas perguntas.
Vamos pela ordem cronológica: o primeiro carro com travas elétricas foi lançado em 1914 — 102 anos atrás, para quem anda ruim nas contas. E você talvez nunca tenha ouvido falar nele. Ou você por acaso conhece a Scripps-Booth?
Sua história é breve: a Scripps-Booth foi fundada por um cara chamado James Scripps Booth, o carra aí do lado. Sua família não era exatamente pobre — em 1848, Edward W. Scripps Booth fundou a E.W. Scripps Company, empresa de comunicação que publica jornais e é dona de canais de TV espalhado por toda a extensão dos EUA até hoje, além de organizar o campeonato nacional de soletração dos Estados Unidos. Mas OK, como o cara começou a fabricar carros?
James Scripps Booth era artista. Suas pinturas tinham muita fama na comunidade artística na virada do século XX, mas a esmagadora maioria jamais saiu de sua casa em Detroit — ele não era um cara que gostava de se separar de sua arte. Em 1911 ele escudou na Escola de Belas Artes de Paris, onde produzia pôsteres e anúncios e projetava cenários para os outros estudantes. Seus trabalhos foram muito bem recebidos em galerias de arte americanas.
Acontece que James nasceu em 1888, praticamente junto com o automóvel, e desde cedo demonstrou interesse pelas tais “carruagens sem cavalos”. Seus cadernos da escola e da universidade sempre foram repletos de desenhos de carros e esquemas mecânicos e, quando seus pais compraram um carro, ele logo se enfiou na garagem sempre que tinha tempo para fuçar em tudo. Desmontando e remontando os carros da família, James adquiriu conhecimentos mecânicos suficientes para projetar e construir seu primeiro automóvel aos 24 anos de idade.
Quando fundou a Scripps-Booth, em 1914, James tinha 26 anos. A companhia fazia carros de luxo em uma época em que, por si só, ter um carro já era artigo de luxo — ou seja, eles eram realmente luxuosos. O primeiro modelo da companhia foi um roadster chamado Model C. O carro de três lugares era movido por um quatro-cilindros de 1,7 litro com válvulas no cabeçote e 18 cv, acoplado a um câmbio de três marchas.
E ele tinha tantos itens de série que é difícil acreditar que seja um carro de 1914: partida por botão, faróis elétricos (algo que não era muito comum na época), buzina elétrica e… travas elétricas, que trancavam as portas ao toque de um botão no painel. E assim, temos o primeiro sistema de travas elétricas instalado em um carro. A Scripps-Booth foi uma das várias fabricantes que não sobreviveram aos primeiros anos do automóvel, sendo extinta em 1923.
Dito isto, travas elétricas não foram comuns, nem mesmo nos carros de luxo, até meados da década de 1950 — mais precisamente em 1955, quando foram reintroduzidas pela americana Packard. Já era a época dos famosos “rabos-de-peixe”, e toda a linha da Packard naquele ano trazia itens de conveniência como ar-condicionado, direção e pedal do freio com assistência hidráulica e vidros e travas elétricos.
Por dentro de um Packard 400 Hardtop 1956
Aliás, foi a própria Packard que introduziu o primeiro sistema de vidros elétricos em um carro, o Packard 180. Como você já deve ter suspeitado, era um carro de luxo — até seu nome completo era pomposo: Packard Custom Super Eight One-Eighty. Ele tinha um motor de oito cilindros em linha e 356 pol³ (5,8 litro), capaz de entregar 160 cv. O detalhe é que, mesmo com vidros elétricos, os carros tinham manivelas nas portas — para o caso de o sistema dar defeito, provavelmente.
Os primeiros sistemas de vidro elétrico aproveitavam os princípios de outra inovação relativamente recente: a capota automática, criada na década de 1930 pela Plymouth. No entanto, os vidros eram acionados por um sistema hidráulico acionado eletricamente — mesmo esquema adotado pela Ford no Lincoln Custom e pela Cadillac na limusine Series 75 em 1941.
A partir daí, lentamente, outras fabricantes passaram a adotá-los. Em 1946, a Buick introduziu aquele que, de acordo com a fabricante, era o primeiro sistema eletro-hidráulico capaz de operar os vidros das portas, a capota e os ajustes do banco dianteiro.
Os primeiros sistemas eram simples — abriam e trancavam as portas, subiam e desciam os vidros e era isto. Com o passar do tempo, as fabricantes incorporaram a abertura do capô, do porta-malas e do bocal do tanque de combustível — ainda que, até hoje, existam carros que usam cabos para este fim.
O fato é que, à medida que a tecnologia evoluiu, tais sistemas começaram a ficar mais sofisticados, sendo que a principal inovação talvez tenha sido a introdução dos vidros e travas elétricos à distância, por controle remoto; e os sistemas keyless (sem chave).
Entre os primeiros carros a adotar o sistema keyless está o Ford Thunderbird de 1980: em vez de usar a chave, o motorista digitava um código em um pequeno painel numérico sobre a maçaneta. Já o primeiro sistema à distância, com controle remoto, foi introduzido em 1952 com o Renault Fuego.
Hoje em dia estão ficando cada vez mais populares os sistemas de smart key, que dispensam que você aperte o botão — basta chegar a uma distância predeterminada do carro com a chave no bolso, por exemplo, e as portas se destravam automaticamente. Um dos primeiros carros equipados com este sistema foi o Chevrolet Corvette de 1993.