Antes de começar a ler este post, pense quantos carros com suspensão ajustável você conhece. Pode ser qualquer um, desde os modelos com suspensão “de rosca” até os mais modernos, com suspensão ativa. É bem provável que a lista seja maior do que você espera. Mas como isso começou? Quem teve a ideia de fazer uma suspensão que pudesse ser ajustada de acordo com o uso do carro?
Surpreendentemente a primeira suspensão ajustável é tão antiga quanto a própria suspensão automotiva, mas ela não nasceu como um equipamento original de fábrica. Até 1899, os carros não usavam um elemento amortecedor de impacto na suspensão. O que havia era apenas uma mola que permitia alguma flexão do eixo do carro, fazendo a carroceria chacoalhar bem menos que os veículos de eixo rígido. Esse tipo de suspensão com molas semi-elípticas surgiu muito antes dos carros, e já era adotado em carruagens e diligências desde o século XVIII.
A ideia de usar um amortecedor de impactos surgiu em 1899, quando um entusiasta chamado Edward V. Hartford foi a à França assistir a uma corrida de bicicletas e viu um cara chamado J. M. M. Truffault vencer a prova com uma bicicleta equipada com suspensão dianteira. O garfo era suspenso por molas e tinha um dispositivo de atrito para evitar que a dianteira pulasse excessivamente. Hartford viu potencial naquela invenção e decidiu conversar com Truffault.
O resultado dessa conversa foi o “Truffault-Hartford’s Shock Absorber”, também conhecido como “o primeiro amortecedor da história”. Ele consistia de duas alavancas que formavam um V deitado, unidas por um pivô em uma das extremidades. Entre as alavancas havia um elemento de atrito feito de borracha que amortecia os impactos das rodas. Hartford instalou o negócio em um Oldsmobile e o usou para demonstrar as maravilhas do amortecedor de impacto para o público americano.
Nos EUA, ele abriu a Hartford Suspension Co. e começou a vender o sistema como acessório para ser adaptado a outros carros. A qualidade da rodagem dos carros equipados com esse amortecedor levou Hartford a fechar um contrato de fornecimento com Alanson Partridge Brush, fundador e proprietário da Brush Motor Car Company, que instalou o componente na linha 1909 de seu Brush Runabout.
Se você está se perguntando onde está o “ajustável” dessa história, chegou a hora de dar a primeira resposta: o amortecedor de Hartford tinha um parafuso que prendia o sanduíche de alavancas e borracha. Se você apertasse o parafuso a suspensão ficava mais rígida, e se você soltasse a suspensão ficava mais complacente. Isso faz do Brush Runabout o primeiro carro com suspensão ajustável da história. Há 110 anos! Por essa você não esperava não é?
Tração dianteira, suspensão ajustável
Agora… este é um tipo primitivo de suspensão e que foi usado por pouco tempo pois os amortecedores hidráulicos de tubo apareceram logo na década seguinte. Eles não eram facilmente ajustáveis, mas eram muito mais versáteis, duráveis e, acima de tudo, muito mais confortáveis. Por isso levou algum tempo até alguém inventar um novo tipo de suspensão ajustável. Ela só foi aparecer em 1954 quando a Citroën desenvolveu um sistema hidráulico para o Traction Avant 15-6 H, este sim o primeiro sistema ajustável moderno.
Ele era um tanto complicado e, ainda que tenha sido oferecido ao público, era mais uma forma de testar o sistema antes de aplicá-lo no futuro modelo da marca, que seria lançado no ano seguinte. Sim, o Citroën DS. A suspensão hidráulica foi instalada apenas na traseira do 15-6 H, e usava uma alavanca que modificava a altura de rodagem.
Ela também tinha uma alavanca no painel que permitia o travamento da suspensão na altura padrão quando o carro fosse desligado, assim a suspensão não “caía” pela despressurização do sistema (que usava uma bomba de alta pressão movida por polia). Para destravar a suspensão, bastava acionar a embreagem — ou seja: ao engrenar a primeira marcha o travamento era desativado.
Quando a Citroën lançou o DS em 1955, o novo modelo já foi equipado com uma suspensão hidropneumática nas quatro rodas com função autonivelante. Essa função permitia que o carro rodasse até mesmo com apenas três rodas se fosse preciso. Nós explicamos como ela funciona exatamente neste post.
Ajuste ativo
O sistema hidropneumático da Citroën continuou basicamente o mesmo até o fim dos anos 1980, quando a marca incorporou controles eletrônicos para criar o sistema Hydractiv. Mas desta vez ela não foi a pioneira: em 1983 a Toyota desenvolveu um sistema ativo para o sedã Soarer daquele ano. Batizado “TEMS” (sigla em inglês para “suspensão com modulação eletrônica da Toyota”), o sistema só funcionava em modelos com suspensão independente nas quatro rodas e usava quatro amortecedores eletrônicos que eram ajustados de acordo com as condições de rodagem. Inicialmente só havia dois modos — Auto e Sport —, mas o desenvolvimento ao longo dos anos 1980 evoluiu para quatro modos — Auto, Soft, Mid e Hard.
Diferentemente das suspensões ativas modernas, capazes de ler a pista, o TEMS do Toyota Soarer modificava a carga dos amortecedores com base na velocidade do carro e movimentos do volante. Por isso o sistema foi oferecido apenas no Japão nos primeiros anos — a Toyota o calibrou de acordo com os limites de velocidade locais. Somente mais tarde ele foi reprogramado para o resto do mundo.
Leitores de asfalto
Atualmente alguns carros usam sistemas de “leitura” da pista para modular a suspensão e otimizar conforto e estabilidade do carro. O Mercedes-Benz Classe S W222 é um desses carros, usando radar e lidar para “ler” as irregularidades da pista. Outro caso é o Ford Fusion, que tem um sistema de suspensão ativa capaz de identificar buracos à frente e segurar o rebote da suspensão para minimizar os impactos e até proteger as rodas.
Mas o primeiro carro equipado com esse tipo de suspensão foi lançado em uma época em que os computadores ainda não eram parte do nosso dia-a-dia. Quer dizer, a menos que você trabalhasse no ramo, claro. O primeiro carro a “ler” a pista para modular a suspensão foi o Nissan Leopard e seus irmãos Cedric e Maxima de 1990, e o sistema tem o nome mais legal da história das suspensões: Super Sonic Suspension II.
O vídeo é da Mercedes, mas o princípio da Super Sonic II é o mesmo
Ela usava um sonar instalado atrás do para-choque dianteiro que fazia a leitura da superfície da pista para acionar os atuadores instalados nas torres da suspensão de acordo. Também havia um painel no console central para que o motorista pudesse ajustar a suspensão de acordo com seu gosto em quatro pré-definições: Auto, Soft, Medium e Hard.
Fora da estrada
Os modelos off-road modernos também têm suspensão ativa capazes de controlar a altura de rodagem além da carga da suspensão. Esses sistemas se popularizaram mundialmente nos Land Rover Discovery e Range Rover Sport e Vogue, mas os SUVs britânicos não foram os pioneiros. A primeira vez que um SUV controlou automaticamente sua altura de rodagem e também a carga de sua suspensão foi em 1998, quando a Toyota lançou a oitava geração do Land Cruiser, o J100.
Rolando por aí
Por último, mas não menos importante, a Mercedes-Benz desenvolveu no começo dos anos 2000 um outro tipo de suspensão ativa: o Active Body Control. Como seu nome sugere, a suspensão altera a carga dos amortecedores para compensar a rolagem da carroceria e assim reduzir até 60% os movimentos laterais e longitudinais do carro.
Mesmo com a rolagem reduzida não deu pra segurar
A estreia aconteceu em 1999, ano de lançamento da segunda geração do Classe CL (C205) e depois foi adotado por outros modelos de luxo da marca. Atualmente ele foi incorporado ao sistema Magic Body Control, presente no Classe S.