Se você pode fazer uma coisa, não significa que você deva fazê-la. Foi esta a primeira coisa que veio à nossa mente quando vimos o Corvette America — o cara aí em cima — pela primeira vez. Sim, isto é um Chevrolet Corvette de quatro portas e sim, a fabricante realmente considerou produzi-lo em série no fim dos anos 70.
Agora, como verdadeiro apreciador de carros, digamos, excêntricos, este escriba até achou interessante a ideia de um Corvette de quatro portas. No entanto, não há como não ficar incomodado com as proporções estranhas do Corvette America. Em especial, o entre-eixos absurdamente longo.
OK, não dá para dizer que o Corvette de quatro portas é feio — até porque a terceira geração do Corvette, a C3, é bem bonita —, mas a sensação de que há algo “errado” é contundente. Especialmente porque o Corvette, com seu capô longo, traseira curta e formas curvilíneas e musculosas é a definição do esportivo americano de dois lugares. Ele é um carro feito para se curtir sozinho ou, no máximo, a dois. O motor V8 na dianteira e a suspensão independente nas quatro rodas fazem dele, ao mesmo tempo, perfeito para pegar a estrada e uma ótima base para carro de corrida. Mas foram justamente estas características que levaram a Chevrolet, em 1979, a considerar a produção limitada de uma versão de quatro portas do esportivo de fibra de vidro, que seria batizada como Corvette America.
Veja bem: o Corvette, que nasceu como um elegante roadster e se transformou em um cupê ainda mais atraente, nunca foi um carro familiar. Os jovens entusiastas que tinham seus Corvette acabavam precisando de algo maior e mais espaçoso quando encontravam sua alma gêmea, casavam e tinham filhos.
Tanto que, com o passar dos anos, o ‘Vette acabou se tornando parte do estereótipo do cara em “crise de meia-idade”. Com 40 ou 50 anos, depois que os filhos já estavam crescidos e prontos para sair de casa, o cara que teve um Corvette na juventude comprava outro, a fim de provar para si mesmo e para o mundo que ainda era, no fundo, um garotão.
A ideia do departamento de marketing deve ter sido a seguinte: “por que não dar ao cara que precisa de um carro maior e mais espaçoso a chance de comprar um Corvette?” Claro, porque não tinha como dar errado.
De cert o que para não arranhar a imagem de esportivo do Corvette, a Chevrolet decidiu começar de forma discreta, com um plano inicial de 40 unidades por ano. E elas não seriam fabricadas pela marca, mas sim feitas sob encomenda por uma empresa chamada California Coach Customs (que, aliás, ).
O primeiro passo foi a construção de um protótipo, e este serviu como guia para a fabricação de outros cinco exemplares. E o processo era doloroso: dois carros eram cortados ao meio e tinham suas metades unidas. O resultado era um aumento de nada menos que 30 polegadas, ou cerca de 76 centímetros, no entre-eixos. Eram, então, fabricadas duas portas traseiras. Os outros detalhes — se o carro seria um sedã ou targa, por exemplo — eram definidos com os clientes. Que não foram muitos.
Há uma boa razão para isto — além do visual meio estranho, claro: o preço. Na época, um Corvette custava cerca de US$ 13 mil (US$ 37 mil, ou R$ 137 mil, em 2015). Um exemplar convertido não saía por menos de US$ 35 mil (o equivalente a US$ 101 mil, ou R$ 374 mil, em dinheiro de hoje). Claro que, na prática, dois carros eram sacrificados para que um Corvette America nascesse. Mas, ainda assim, não era exatamente um bom negócio. E ainda havia o entre-eixos muito mais longo, que matava boa parte da dinâmica esperta do ‘Vette original.
Não se sabe ao certo quantos Corvette America sobreviveram até os dias de hoje. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que este carro prata era o único restante — um exemplar curioso, com tampa do porta-malas que se abre como a de um hatchback e portas traseiras sem maçaneta, acionadas por um comando na coluna “A” do lado esquerdo. Hoje, sabe-se da existência de pelo menos mais um carro: um vermelho, .
Não teria sido mais inteligente desenvolver um sedã com o motor do Corvette, por exemplo? Esta foi uma lição que a General Motors aprendeu décadas mais tarde: o atual Cadillac CTS-V pega emprestado o V8 de 650 cv do Corvette Z06 para representar com louvor o papel de um dos sedãs mais velozes e insanos da atualidade.