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Car Culture

Quando a Dodge fez um Challenger e um Charger com o motor V10 do Viper

Com seu motor Hellcat, um V8 Hemi de 6,2 litros com supercharged e pelo menos 712 cv (potência da RAM Rebel TRX), a Dodge é vista como uma das últimas fabricantes old school do planeta – e ajuda os Estados Unidos a serem vistos como o último refúgio dos entusiastas raiz. Não é à toa que, além dos Dodge, a própria RAM e também a Jeep façam proveito do Hellcat: é o jeito mais fácil de cair nas graças de quem gosta de carro.

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As loucuras da Dodge, porém, vêm de muito antes do Hellcat. Afinal, que outra fabricante já teve um esportivo com motor V10 aspirado com mais de oito litros, comando no bloco e nenhum tipo de assistência ao motorista? O Dodge Viper original, nascido como uma espécie de “sucessor espiritual” do Shelby Cobra, acabou se tornando uma entidade própria – tornou-se sinônimo de superesportivo feito à moda americana, viveu por quase 30 anos e mudou pouquíssimo ao longo de suas quatro gerações. Andava junto com carros europeus bem mais sofisticados e caros, fez bonito nas pistas e quebrou recordes até sair de linha, e ainda vendeu dois exemplares zero-quilômetro em pleno 2021.

Por que o Dodge Challenger (ainda) é um dos carros mais importantes em produção atualmente?

E o Viper também emprestou seu motor para os muscle cars da Dodge muito antes de o Hellcat sequer existir. Duas vezes.

Dez anos atrás – 2011. Não existia FCA, muito menos Stellantis. O Grupo Chrysler ainda era uma empresa totalmente americana. E o Dodge Challenger ainda era um carro relativamente recente: fora lançado em 2008, e havia acabado de ganhar o então novo motor Hemi 392. Na época, provavelmente ninguém imaginava que ele duraria tanto tempo, e a Dodge buscava formas de resgatar a reputação de drag racer de fábrica do Challenger. E, com o Dodge Viper de terceira geração recém-descontinuado, também não havia um V10 no portfólio da fabricante

E foi então que alguém teve a brilhante ideia: “vamos fazer um Challenger V10!”

A novidade foi anunciada em novembro de 2010 e, embora pareça uma ideia estúpida – especialmente vinda de uma fabricante, mesmo que essa fabricante seja a Dodge – um Challenger V10 fazia muito sentido. Isso porque, acenando para antiga cultura dos carros que vinham de fábrica prontos para as provas de arrancada, a Dodge lançou no fim de 2010 a segunda versão do Challenger Drag Pak, que era exatamente isto: um Dodge Challenger voltado a equipes de arrancada que participavam de competições sérias e poderiam aproveitar muito bem o suporte da fábrica.

E era também uma forma honrosa de despedir-se daquele que, acreditava-se, seria o último V10 aspirado feito pela Dodge – só em 2013 a quarta e última geração foi anunciada.

O motor usado era o mesmo do Viper de terceira geração: ou seja, um V10 baseado na família LA, com comando no bloco, 8.390 cm³ e pelo menos 608 cv. A Dodge nunca chegou a dizer qual a potência do motor no Challenger Drag Pak, mas certamente era mais forte – além de não se sujeitar às mesmas restrições dos motores de rua, ele recebeu novos coletores de admissão e uma calibragem específica. A montagem no cofre exigiu a instalação de novos suportes mas, como não estamos falando de uma conversão de fundo de quintal, e sim de algo oficial, feito pela fabricante, isto não foi problema.

O motor era ligado a uma caixa automática de duas marchas própria para arrancadas, e obviamente levava a força do motor para as rodas de trás – através de um cardã em peça única acomodado em um túnel de transmissão feito sob medida. Atrás, um eixo rígido com diferencial específico e relação apropriada para arrancada (que nunca foi divulgada publicamente).

Outras modificações no carro incluíam janelas laterais de policarbonato, acelerador por cabo (para evitar qualquer delay), célula de combustível selada, reforços estruturais, gaiola de proteção integral e bancos concha compatíveis com cintos de seis pontos (o do carona era opcional). Além disso, não havia ar-condicionado, banco traseiro, direção assistida ou isolamento térmico. Ou seja: era um ambiente de trabalho hostil.

O desempenho era absurdo, claro: um carro mais leve e mais potente, com gordos pneus Hoosier de arrancada na traseira, só podia cumprir o quarto-de-milha em menos de dez segundos. Em seu primeiro teste, a Dodge conseguiu marcar 9,79 segundos a 220 km/h. Meses depois, em 11 de abril de 2011 (exatos dez anos atrás, veja só) o carro fez 9,43s a 231,6 km/h – um recorde na categoria AA/SA, segundo a National Hot Rod Association (NHRA).

Foi a última vez que a Dodge colocou um V10 no Challenger Drag Pak, do qual 50 exemplares foram produzidos – quando o modelo seguinte foi lançado, em 2015, o V8 Hellcat entrou no seu lugar.

Mas não foi a última vez que um membro da família LX recebeu o motor do Viper. Em 2012, veio o Dodge Charger Juiced.

Diferentemente do Drag Pak, o Dodge Charger Juiced era um projeto exclusivo para o SEMA Show – e deixava claro que os engenheiros da extinta divisão SRT (como dói digitar isto…) gostaram da brincadeira.

O carro era baseado no Dodge Charger R/T da época, que era equipado com um V8 Hemi de 5,7 litros, capaz de entregar 380 cv a 5.700 rpm e 54,6 mkgf de torque a 4.200 rpm – números que parecem até defasados hoje em dia, mas de forma alguma eram pouco em 2012. Ao contrário: o muscle sedan chegava aos 100 km/h em 5,4 segundos e cumpria o quarto-de-milha em 13,8 segundos a 167 km/h.

Na época a Dodge já planejava a volta do Viper, e o V10 de 8,4 litros e 649 cv já estava pronto. Então, quando chegou a hora de apresentar um conceito no SEMA Show, o maior evento de carros preparados dos EUA, a Dodge bolou uma bela maneira de promover o motor: colocá-lo no cofre Dodge Charger.

Como não se tratava de um body-in-white modificado para arrancada, e sim de um carro que precisava parecer um Dodge Charger de rua com motor V10 de fábrica, o swap de motor foi feito com mais capricho e o cofre parece ter sido feito para receber o coração da víbora. A diferença entre as dimensões dos dois motores não era absurda: enquanto o V8 Hemi tinha 53 cm de comprimento e pesava 219 kg, o V10 do Viper media cerca de 80 cm de comprimento e pesava 226 kg. Ou seja, apesar do comprimento consideravelmente maior do V10, suas dimensões foram um problema muito grande na hora de encontrar espaço para o novo motor — ainda que novos suportes tenham sido fabricados sob medida para o motor e o câmbio.

O acréscimo mínimo de peso do motor (apenas sete quilos a mais, graças ao bloco e aos cabeçotes de alumínio no motor do Viper) foi mais do que compensado pelo salto de potência: de 370 cv para 660 cv, ou 290 cv a mais. E 10 cv a mais do que originalmente no Viper, graças a um CAI especificamente projetado para o Charger.

E sendo o motor da Víbora, nada mais justo que colocar também o mesmo câmbio. Ou seja: o automático de cinco marchas deu lugar à boa e velha transmissão Tremec T6060, manual de seis marchas, com direito a manopla pistol grip da Hurst na alavanca, em um mais um aceno aos muscle cars de antigamente.

Na época, não foram divulgados números de desempenho, mas sabendo que o Viper pesava cerca de 1.520 kg e era capaz de chegar aos 100 km/h em cerca de três segundos, é sensato imaginar que o Charger — que pesa cerca de 1.900 kg — levasse pouco mais que isso

Por fora, o carro recebeu uma personalização leve, incluindo novas saias laterais, splitter frontal e difusor na traseira. A cor também era exclusiva — um laranja metálico chamado Copperhead, que também aparece em alguns detalhes de acabamento do interior, como o painel e os bancos. A ideia da Mopar, na época, foi dar ao carro um ar de hot rod e, ao mesmo tempo, manter a identidade do Charger. As rodas, vindas direto do catálogo da Mopar Performance Parts, tinham 20 polegadas e eram pintadas de preto fosco, com um lip na mesma cor da carroceria nas bordas.

A suspensão também recebeu algumas modificações, com molas mais firmes, que também deixaram o carro mais baixo, e barras estabilizadoras mais grossas. No cofre e no porta-malas também foram instaladas barras anti-torção entre as torres dos amortecedores, feitas sob medida.

O carro foi levado para o SEMA Show em 2012 e 2013, mas depois disso não foi mais visto em público. Mas os caras da SRT gostaram da ideia de colocar um motor mais potente no cofre de seus modelos feitos sobre a plataforma LX — o Challenger e o Charger —, pois em 2014 foram apresentados os irmãos Hellcat. E o resto, como dizem, é história.

Hoje, com o futuro incerto dos Dodge a combustão, nos resta olhar para traz e admirar os projetos insanos da fabricante – e algo nos diz que vamos olhar para os Hellcat e suas variantes da mesma forma que enxergamos, hoje, estes dois monstros com motor V10.