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Quando as fabricantes quebram suas tradições, para o bem e para o mal – parte 2

Há alguns dias falamos sobre fabricantes de automóveis e tradições quebradas. Algumas companhias têm uma imagem muito forte junto a seu público mas, por vezes, saem de sua zona de conforto – seja por necessidade, oportunidade ou simples vontade de variar um pouco as coisas. Foi o que aconteceu com as quatro fabricantes alemãs que citamos na primeira parte deste post: BMW, Mercedes-Benz, Audi e Porsche.

Hoje, por demanda popular, vamos falar de mais uma fabricante alemã. Mas também temos duas companhias italianas que quebraram suas próprias tradições em épocas diferentes, por motivos diferentes.

 

Volkswagen e o motor arrefecido a água

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A VW foi lembrada por muita gente na área de comentários do post anterior, e não é para menos: nos anos 70 a fabricante alemã cedeu à tendência mundial e lançou seu primeiro modelo com motor arrefecido a água – algo que dividiu internamente a companhia.

Costuma-se dizer que o primeiro Volkswagen a água foi o Passat, mas este é um erro comum. Na verdade, este carro foi o K70. E ele era tão diferente dos outros Volkswagen porque não foi desenvolvido pela Volkswagen.

Até a década de 1960, a filosofia de produto da Volkswagen era ditada pelo então presidente da Volkswagen, Heinz Nordhoff. Ele era um cara conservador, e defendia com unhas e dentes que o futuro da VW estava atrelado à fórmula introduzida pelo Fusca em 1938, com motor boxer refrigerado a ar e montado na traseira. A carroceria até poderia mudar, mas a constância do conjunto mecânico era essencial para manter a boa reputação dos carros da companhia. E foi assim que surgiram o Typ 3, que daria origem a nossos conhecidos TL, 1600 “Zé do Caixão” e Variant; e o Typ 4 (esse aí embaixo), que foi a primeira tentativa da marca de fazer um carro “de luxo”, de maior porte, com quatro rodas e mais conforto do que era oferecido pelos Volks até então.

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Acontece que o Typ 4 foi um fracasso; o desenho do carro não era dos mais harmômicos e o flat-4 sem radiador era barulhento e fraco demais para a proposta. O carro não vendeu nada. Chegou a hora de ceder.

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Sem experiência nos motores com arrefecimento líquido, o primeiro VW desse tipo foi desenvolvido pela NSU, fabricante alemã que havia sido absorvida pela Volkswagen em 1969. Era um projeto pronto: um sedã com motor quatro-cilindros em linha longitudinal de 1,6 litro com comando no cabeçote, carburador de corpo duplo e 70 cv. O K70 foi introduzido de forma despretensiosa em 1970, servindo apenas como tapa-buraco até que um projeto próprio ficasse pronto.

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Este projeto próprio estava sendo desenvolvido por outra subdivisão da VW, a Auto Union, que foi fundida à NSU e à DKW para formar a Audi. Era uma forma de dividir tarefas e acelerar o processo. Em 1972 o Audi 80 começou a ser vendido na Europa com um novo motor quatro-cilindros de 1,3 ou 1,5 litro, em versões sedã (de duas ou quatro portas) e perua, atuando como modelo de entrada da Audi também nos EUA e na Austrália (onde era vendido como Audi Fox). Em 1973 o Audi 80 recebeu emblemas VW e uma nova carroceria fastback de dois volumes desenhada por Giorgetto Giugiaro. Rebatizado como Volkswagen Passat, o novo carro mostrou que era exatamente o que a Volkswagen precisava.

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Tanto que, já em 1974, a VW lançou seu segundo modelo com motor arrefecido a água – o Golf Mk1, que na Europa substituiu o Fusca de uma vez por todas. Com motor dianteiro transversal, o Golf aperfeiçoou a receita e estabeleceu o padrão a ser seguido pela maioria dos hatchbacks compactos que vieram desde então.

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Alfa Romeo e a tração dianteira

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A chegada do VW Golf, na verdade, pode ser vista como um marco em toda a indústria automotiva: ele foi um dos primeiros carros de tração dianteira populares a fazer sucesso em escala global, “formalizando” uma tendência que já podia ser vista em diferentes segmentos da indústria automotiva. Uma tendência que foi adotada em massa por diversas fabricantes, mas que algumas demoraram mais para aderir – Mercedes-Benz e BMW, por exemplo, como citamos na parte anterior deste post.

Na visão de alguns entusiastas, porém, há outra fabricante que poderia ter se mantido fiel às raízes: a Alfa Romeo. Até os anos 1970 todo Alfa Romeo tinha tração traseira, ainda que em 1952 companhia tenha começado o desenvolvimento do Tipo 103, protótipo de um sedã compacto com tração dianteira que, se produzido, teria chegado anos antes do Mini original e sido pioneiro na configuração. Mas não era para ser.

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Acima, o Alfa Romeo Tipo 103, primeiro protótipo de tração dianteira da marca. Embora seu layout mecânico não tenha vingado, seu estilo foi parar no Giulia sedã, abaixo

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Foi apenas em 1967 que a Alfa começou a levar a sério a ideia, e o resultado foi o pequeno Alfasud, um fastback projetado por Giorgetto Giugiaro com um motor boxer de 1,2 litro e câmbio manual de quatro marchas que levava a força para as rodas dianteiras. Com suspensão McPherson na dianteira e eixo rígido atrás, centro de gravidade baixo (graças ao motor boxer) e apenas 810 kg na balança, o Alfasud era leve, ágil e prático, tornando-se um dos produtos de maior sucesso da Alfa entre 1972 e 1983, com mais de 120.000 exemplares fabricados em 11 anos.

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O Alfasud foi substituído por dois carros: o Alfa Romeo 33 e o Arna. O primeiro era uma evolução do Alfasud, enquanto o segundo era um compacto mais barato, com projeto de origem Nissan.

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Enquanto isto, no segmento dos modelos médios estava o Alfa Romeo 75, que ainda tinha tração traseira. Mas ele estava com os dias contados: em 1986 a Alfa Romeo foi comprada pela Fiat, e iniciou-se um processo de renovação da linha com base em projetos da gigante de Turim – àquela altura, todos com tração dianteira. Como resultado, o Alfa 75 foi o último modelo da marca com “tração nas rodas certas”.

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Por mais que a compra pela Fiat tenha permitido à Alfa Romeo continuar operando, os entusiastas mais radicais da marca acreditavam (e alguns acreditam até hoje) que a marca perdeu a mão quando o Alfasud foi lançado. Com o passar do tempo os Alfa de tração dianteira, como o 155, o 164, o 156 e o 166 são bem vistos e cobiçados por muitos entusiastas. Mas certamente há uma razão para que a Alfa Romeo tenha voltado a investir na tração traseira, começando pelo 4C em 2013 e pouco tempo depois, em 2016, com o sedã Giulia.

 

Ferrari: motores turbo de rua e um hatchback com tração nas quatro rodas

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Como boa fabricante italiana de supercarros, a Ferrari manteve seus motores naturalmente aspirados por muito tempo. Quase todos os carros de competição da Scuderia usavam motores V12 naturalmente aspirados, e a tradição se manteve até os anos 50, quando Enzo Ferrari viu-se obrigado a fabricar esportivos de rua para pagar as contas da equipe de corrida.

Até os anos 80 a Ferrari conseguiu manter este princípio. Então, em 1983, Nelson Piquet foi o primeiro piloto da história a vencer um título de Fórmula 1 com um carro turbinado – o Brabham BT52, que usava um quatro-cilintros turbo de 1,5 litros desenvolvido pela BMW. Foi o início da primeira “era turbo” da Fórmula 1, e naturalmente a Ferrari não ficou de fora.

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Na verdade foi mais do que isto: a Ferrari se empolgou e, nos anos 80, começou a desenvolver uma versão de homologação da 308, seu modelo de entrada com motor V8, para o Grupo B, categoria mais insana do automobilismo – nem todo mundo lembra mas, além dos ralis, o Grupo B também se aplicava a corridas de turismo. O resultado foi a Ferrari 288 GTO, com motor V8 biturbo de 2,9 litros e 400 cv que acabou não competindo porque o Grupo B de turismo jamais decolou. Então a 288 GTO foi vendida como flagship da Ferrari entre 1983 e 1987, com 272 unidades fabricadas.

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Em 1987, depois da 288 GTO veio a F40, que também tinha um V8 biturbo de 2,9 litros, porém com 478 cv. Também naquele ano foi lançada uma versão turbinada da Ferrari 308 para o mercado italiano, que usava um V8 turbo de dois litros para entregar potência similar ao V8 naturalmente aspirado de três litros, porém pagando menos impostos.

A Ferrari voltou a usar um motor V8 biturbo em 2014, quando foi lançada a California T, e atualmente também fabrica a 488 GTB. Ambas utilizam motores V8 biturbo de 3,9 litros, e a Ferrari não mostra sinais de arrependimento. Na verdade, a companhia nunca se incomodou com as lamúrias dos fãs – se a Ferrari F50, por exemplo, voltou a usar um motor V12 naturalmente aspirado, foi simplesmente porque o pessoal de Maranello achou melhor, e não para respeitar a tradição.

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Mas nos anos 80 houve uma atitude ainda mais radical por parte da Ferrari: a fabricante construiu dois protótipos com motor V8 de quatro litros central-traseiro e um sistema de tração integral hidráulico. O projeto foi batizado como Ferrari 4RM (de quattro ruote motrici, “quatro rodas motrizes” em italiano) e foi capitaneado por Mauro Forghieri, que havia acabado de sair da Scuderia para trabalhar nos carros de rua da Ferrari. Forghieri havia sido um dos poucos a insistir em um protótipo de Fórmula 1 com tração integral, mas isto nunca aconteceu.

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O projeto 4RM acabou não indo para a frente, mas a ideia voltou a aparecer em um carro da marca: em 2011 foi lançada a Ferrari FF, gran turismo de quatro lugares com motor V12 na dianteira e um complexo sistema de tração nas quatro rodas que conta com uma espécie de segunda transmissão no eixo dianteiro, de modo a distribuir a força do motor às quatro rodas de forma variável e eficiente. Dito isto, o sistema só funciona quando nos modos de direção comfort (conforto) e snow (neve), fazendo com que o carro tenha tração traseira na maior parte do tempo. O sistema foi incorporado à versão atualizada da FF, a Ferrari GTC4 Lusso.

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Mas a FF também quebrou a tradição da Ferrari porque, além de ter tração nas quatro rodas… ela é um hatchback! Com banco traseiro rebatível e tudo. Prático, sem dúvida. No regrets.