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Car Culture

Quando as fabricantes tentam reinventar o volante

Muito tem se falado sobre tecnologia autônoma e em carros capazes de se dirigir sozinhos. E os mais entusiasmados com esta possibilidade até falam em abolir o volante por completo, deixando que o carro vá para onde precisa ir por conta própria e que todos os ocupantes possam aproveitar seu tempo dentro dele para fazer outras coisas. Em nossa visão, eliminar a possibilidade de um ser humano tomar o controle do carro em uma emergência é uma ideia arriscada – ainda vai levar bastante tempo para que uma máquina, por melhor programada que seja, tenha a mesma capacidade de tomar decisões rápidas em situações de risco. Isto sem mencionar todas as barreiras éticas que uma sociedade com carros totalmente autônomos teria de superar.

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O conceito de uma peça que gira para esterçar as rodas de um carro é universalmente adotado porque funciona. Não existe alternativa melhor. Mas, ainda assim, não é de hoje que o volante – uma peça que está em todos os carros há quase 150 anos – é tema de experimentos feitos pelas fabricantes. E se um carro, em vez de um volante, fosse controlado por alavancas, ou por um manche, ou por joysticks?

Não é devaneio nosso: ao longo das décadas as fabricantes já tentaram revolucionar a forma como guiamos nossos carros na direção que eles devem ir. Mas estas tentativas quase nunca passaram da fase de conceito por uma razão bem simples: até agora, não inventaram uma forma melhor de conduzir um carro do que o volante – como veremos a seguir.

 

Ford wrist twist

Em português, o nome wrist twist pode ser traduzido como “torcer o pulso” – e qualquer um que já tenha torcido o pulso sabe o quanto é dolorido. Mas, no caso deste sistema que a Ford experimentou na década de 1960, era exatamente assim que você controlava o carro: torcendo os pulsos.

O sistema foi criado pelo engenheiro Robert Rumpf, que trabalhava com tecnologia aeroespacial e foi contratado pela Ford para desenvolver tecnologias experimentais. Em 1965, Rumpf desenvolveu o sistema wrist twist e o instalou em um Mercury Park Lane, o topo de linha da divisão intermediária da Ford na época (acima da marca Ford e abaixo da Lincoln).

O sistema consistia em uma espécie de guidão no lugar do volante, que se levantava para permitir que o motorista entrasse no carro e contava com dois “mini-volantes”, um em cada extremidade. O motorista encaixava os pulsos nas peças e os virava simultaneamente para controlar a direção do carro.

Segundo a Ford, o wrist twist tinha as vantagens de melhorar a visibilidade do quadro de instrumentos e da estrada, e ainda permitia que o motorista descansasse os braços enquanto dirigia. E, de uma maneira que jamais seria dita nos dias de hoje, a fabricante dizia que o sistema “facilitaria muito a vida das mulheres na hora de estacionar” – ainda que, no vídeo de demonstração, o momento em que a mulher aparece estacionando é na verdade uma filmagem dela saindo da vaga, reproduzida de trás para a frente.

O sistema era até fácil de usar uma vez que o motorista se acostumava, mas era sensível demais. No fim das contas, era uma solução para problemas que o volante não tinha – complicação e gastos desnecessários.

 

Manches e joysticks

Por vezes, as fabricantes tentaram substituir o volante por um manche, como nos aviões. A sueca Saab, conhecida por seu espírito inovador – e por seu passado na aviação – o fez em 1993, utilizando o Saab 9000 como base. Era o conceito Saab Prometheus.

A ideia tinha a ver com segurança. O volante dava lugar a um airbag, e o console central tinha um manche que girava em 180° para virar as rodas do carro. Não havia conexão mecânica com a caixa de direção – a atuação era elétrica.

Além de questões ergonômicas – ficar segurando o joystick com o braço em posição horizontal por mais que uma ou duas horas era extremamente cansativo – havia as questões técnicas. O movimento de 180° do manche significava que qualquer pequeno movimento fazia as rodas esterçarem bastante. Em um volante tradicional, geralmente se tem um giro de 1.260° (três voltas e meias), o que permite correções sutis e precisas – e também mudanças de direção repentinas e rápidas caso seja necessário.

Quando se joga um game de corrida ou um simulador, a diferença entre usar um volante e um joystick fica apenas nos tempos de volta. Na vida real, não poder controlar o carro da forma mais precisa possível pode custar a sua vida e a de outras pessoas.

Mas isto não impediu que, três anos depois, em 1996, a Mercedes-Benz tentasse algo parecido com seu conceito F200 Imagination. Ele era baseado no Classe S W220, que estava para ser lançado, e tinha um V12 de seis litros debaixo do capô.

O manche no console central era posicionado de forma que tanto o motorista quanto o passageiro pudessem controlá-lo. Não havia volante ou pedais – a alavanca do manche era movimentada para os lados para mudar a direção, e também controlava a aceleração e a frenagem. Ele também tinha botões para subir ou baixar os vidros, ligar os limpadores de para-brisa e acionar a buzina. Na porta do motorista ficava outro manche, que era redundante para permitir que o motorista alternasse os braços na hora de dirigir.

Pela mesma questão de “resolver um problema que não existia”, o sistema de direção do F200 Imagination não saiu do conceito. Por outro lado, diversos outros recursos que o carro apresentava, como airbags de cortina, câmeras no lugar dos retrovisores externos, teto solar de vidro eletrocrômico e suspensão ativa, foram incorporados em modelos seguintes da Mercedes-Benz.

Outro carro mais recente que apostou nos joysticks para controlar a direção foi o conceito EV-STER da Honda, que estreou no Salão de Tóqui de 2011. No lugar do volante, ele trazia um joystick duplo que se movia para a trás e para a frente – não muito diferente do sistema de condução de um tanque.

Segundo a Honda, o sistema havia sido projetado para ajudar o motorista a não sentir as forças G sobre o corpo no momento da curva. Mas, como outras ideias mostradas aqui, o conceito era experimental e não tinha argumentos suficientes para substituir o bom e velho volante.

A boa notícia é que o EV-STER acabou chegando às ruas como o interessantíssimo Honda S660, o kei car esportivo com motor central-traseiro que é o sucessor espiritual dos clássicos S500, S600 e S800 da década de 1960. Mas com um volante tradicional, claro.

 

 

Messerschmitt KR200 – o carro com guidão

Há quem conteste a afirmação de que o Messerschmitt KR200, fabricado na Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, é mesmo um carro. O pequeno veículo foi criado porque a Messerschmitt, conhecida como fabricante de aeronaves, ficou proibida de produzi-las por dez anos após o conflito e precisava de uma alternativa.

Com apenas três rodas, dois lugares (com o passageiro atrás do motorista) e um pequeno motor dois-tempos de 191 cm³ e 10 cv, o KR200 era pouco mais que uma scooter fechada. Tanto que seu nome vem de de Kabinenroller, que literalmente significa “scooter com cabine” em alemão.

E, como uma scooter, ele era controlado por um guidão, instalado na mesma posição do volante e conectado diretamente ao eixo dianteiro, permitindo uma condução bastante direta e precisa – mesmo à velocidade máxima de 90 km/h conferida pelo motor monocilíndrico em um veículo que pesava 230 kg em ordem de marcha.

 

Cubo fixo

Embora sejam volantes de fato, os volante de cubo fixo são recorrentes e interessantes demais para ficar de fora desta matéria. Sem dúvida os mais famosos são os volante de cubo fixo da Citroën – no Brasil, presentes no C4 e no C5 vendidos nos anos 2000. Tecnicamente o cubo não era fixo, mas ficava oculto atrás da porção central do volante, esta sim fixa. Apenas o aro se movia, e o duplo chevron da fabricante ficava sempre apontado para cima.

Mas décadas antes houve outro carro com volante de cubo fixo – o Maserati Boomerang, que foi apresentado no Salão de Turim de 1971. Como nos Citroën já citados, apenas o aro do volante se movia, enquanto o miolo ficava parado.

Isto porque era no miolo do volante que ficava o quadro de instrumentos, com velocímetro, conta-giros, manômetros de temperatura, pressão do óleo e medidor da bateria, além de comandos diversos – para os faróis e limpadores de para-brisa, por exemplo.

Apesar do aspecto interessante, a ideia não foi para a frente – quando o Maserati Bora, modelo de produção inspirado no Boomerang, foi mostrado em 1972, ele tinha um arranjo convencional de volante e painel.

 

Volante quadrado

Foto: News d’Anciennes

Uma coisa são os volantes de superesportivos modernos, que têm o mesmo contorno ligeiramente retangular dos carros de competição – como os monopostos, modernos, que praticamente exigem volantes pequenos e retangulares para acomodar o piloto, que de certa forma “veste” o carro. Outra coisa são carros de passeio bem mais mansos que decidem que o volante redondo é comum demais.

Nesse caso, há uma longa história de volantes meio quadrados – já na década de 1920, Gabriel Voisin criou o C6 Laboratoire (acima), uma releitura de um carro de Grand Prix com carroceria aerodinâmica e um volante com base e topo retos.

Nas décadas de 1950 e 1960, fabricantes americanas como a Chrysler também ofereceram volantes ligeiramente quadrados em seus carros. Abaixo, o volante do Plymouth Fury 1960:

Mais recentemente, o Aston Martin Volante também trouxe algo parecido em 2015 – bem como o Fiat Panda de terceira geração, lançado em 2011, que trazia quadrados arredondados (ou squircles, em ingês, de square + circle) em diversos elementos incluindo o volante.

Mas talvez o volante mais quadrado de todos seja a peça do Mazda MX-81 Aria, cupê de quatro lugares desenhado pelo estúdio italiano Bertone. Além da carroceria em forma de cunha e da grande área envidraçada que lhe conferiam um ar futurista, o MX-81 tinha um volante quase totalmente retangular.

Na verdade, sequer era um volante, mas sim uma fita de borracha flexível que se movia guiada por uma armação retangular. No meio dela ficava um monitor colorido do tipo CRT (como as TVs de tubo), bem como alguns comandos para o motorista.

Na época, a Mazda disse se tratar de uma solução engenhosa para ocupar menos espaço na cabine e tornar o ato de dirigir mais fácil. Na prática, porém, o “volante” prejudicava os movimentos do motorista e dificultava a tarefa.