Estamos falando de um carro histórico, preservado como se tivesse acabado de sair da fábrica após receber preparação para corridas. Um dos quatro Ford Mustang Boss 302 que foram fornecidos para a Bud Moore Engineering, equipe que a Ford contratou para levar o Mustang à Trans-Am em 1971. Este carro nunca competiu e, para todos os efeitos, está novinho em folha. Quer comprar?
Motivos para querer não faltam. O Boss 302 foi desenvolvido justamente para voltar a reinar na categoria. A Trans-Am foi criada em 1966 e, nos dois primeiros anos, foi o playground do Ford Mustang, que usava o prestígio das vitórias nas pistas para ganhar clientes nos showrooms das concessionárias. Isto até 1968, quando a equipe Penske começou a correr com o Chevrolet Camaro — os famosos Camaro Sunoco, que deram à Chevrolet os títulos de 1968 e 1969 da Trans-Am.
Era uma rivalidade acirrada, e o Boss 302 veio em 1969 para tentar clamar o trono novamente. A arma era o motor que lhe deu o nome: um V8 small block de 302 pol³ (cinco litros). Apesar do deslocamento e de ter como base o bloco Windsor, o Boss 302 é bem diferente do V8 do “nosso” Maverick, por exemplo — o bloco é reforçado, com quatro parafusos por mancal e feito de uma liga rica em níquel, com paredes mais espessas e deck mais alto, e o cabeçote vem do motor Cleveland 351, que tinha dutos e válvulas enormes: 2,23” (56,6 mm) na admissão e 1,70″ (43,2 mm) no escape — estas eram preenchidas com sódio para reduzir a temperatura.
O comando de válvulas tem tuchos mecânicos em vez de hidráulicos e um graduação muito mais agressiva, enquanto o virabrequim era forjado e as bielas, bem mais parrudas. Com carburador Holley e coletor de admissão de alto fluxo, é um motor bastante potente (de 450 a 470 cv) e girador, podendo passar dos 8.500 rpm. Para um “veoitão” americano, são rotações estratosféricas — especialmente comparado com a versão de rua, que girava menos e era mais mansa (cerca de 300 cv a 5.900 rpm, com rotações limitadas a 6.150 rpm). Esse motor de rua, amansado, era oferecido como opcional — uma exigência do Sports Car Club of America para homologá-lo.
A preparação toda ficou a cargo da Kar Kraft, do Michigan, que também retrabalhou o sisstema de suspensão (que usava braços triangulares e amortecedores com molas helicoidais na dianteira, eixo rígido com molas semielípticas na traseira e barras estabilizadoras nas duas pontas), freios maiores (a disco nas quatro rodas) e um sistema de arrefecimento mais eficiente. Eles só não mexiam no motor, pois a Ford já os entregava devidamente preparados.
Ao todo, 10 Boss 302 foram entregues pela Kar Kraft à Bud Moore Engineering — quatro em 1969, três em 1970 e 1971. A equipe chefiada por Bud Moore não fora escolhida por acaso, pois era envolvida com a Nascar desde 1961 e, em 1967, competiu com o Mercury Cougar na Trans-Am e só não levou o título por dois pontos. Quando a Ford decidiu cancelar a equipe Lincoln-Mercury para conter custos e investir apenas nos Mustang, a BME foi a escolha natural.
Uma escolha que se mostrou bem acertada — se, em 1969, o Camaro ainda foi o vencedor, o bom desempenho do Mustang teve impactos extremamente positivos em sua imagem junto ao público, culminando com o título de 1970, conquistado pelos pilotos Parnelli Jones e George Follmer. Um dos carros da temporada de 1970 até já esteve à venda neste ano.
O ano de 1971 foi o derradeiro da Ford na Trans-Am: a marca decidiu retirar-se da categoria, decisão que caiu com um baque para Bud Moore e sua equipe. Contudo, com quatro carros praticamente prontos, a equipe decidiu usar dois deles para correr em algumas provas da temporada de 1971.
O carro das fotos, contudo, não foi um deles, o que significa que ele não tem história nas pistas. Por outro lado, também nunca foi usado — o que significa que ele é uma relíquia preservada daquela época.
Ao longo das décadas, o carro (de código de chassi 41971) passou por diversos donos até ser comprado, em 2008, pelos atuais proprietários — que também adquiriram boa parte dos componentes necessários para deixar o carro exatamente como o regulamento da Trans-Am exigia em 1971. Para levar a cabo a empreitada, os donos contrataram o restaurador americano Phil Roberts, que realizou o trabalho com a supervisão de Bud Moore e seus filhos.
Para se ter uma ideia, até os pneus são idênticos aos usados por todas as categorias de turismo na época — os clássicos Goodyear Sports Car Blue Streak G7, com inscrições em branco e visual tão icônico que sentimos falta deles quando não são usados.
Foi o próprio Bud Moore quem insistiu para que o carro fosse laranja e tivesse o número 15, como era em 1971. Além disso, o carro foi certificado e autografado por Moore e sua equipe e atende a todos os requisitos da FIA para participar de eventos históricos nos EUA e na Europa e, possivelmente, até da Historic Trans-Am, que só permite carros da época.
Para curtir o carro, porém, será necessário arrematá-lo em um leilão da que acontecerá no próximo dia 15 de janeiro. A companhia estima que o preço final fique entre US$ 250-450 mil (algo entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão), mas não nos surpreenderíamos se o preço final for ainda maior. Afinal, com que frequência carros de corrida dos anos 1970 aparecem à venda novinhos em folha quatro décadas depois?