Sabemos que a geração F do Astra, que nós chamamos de Belga pela procedência do modelo, é um baita de um carro: relativamente leve (cerca de 1.100 kg), confortável e um verdadeiro devorador de curvas, com centro de gravidade baixo, rodas bem nas extremidades e bitolas generosas. Mas o que temos neste post é simplesmente ridículo. Insano. Trata-se do Opel Astra GSi do polaco Rafał Pochłopień. Não. Não nos pergunte como se pronuncia este “l” cortado – muito menos o “n” com acento agudo.
O que mais me chama a atenção neste carro é a antítese do título deste post, ou seja, tudo o que ele não tem. Não tem turbo, não tem fibra de carbono, não tem para-lamas alargados (muito menos body kit) não tem lexan substituindo vidros, não calça slicks imensos – aliás, pelo contrário: são canelinhas bem fininhas, com não mais do que 195 mm de largura. Chega de cera: veja logo o que este monstrinho é capaz! E a música do quatro cilindros (adoraríamos saber o que tem sob aquele capô…) berrando junto com os dentes retos da transmissão de competição?
Agora, você percebeu como ele praticamente não reduz nas curvas? O Astra de Rafał está com um dos equilíbrios mais divertidos para quem gosta de dobrar pneus: aderência lateral sobrando em proporção à capacidade de aceleração do carro. Quem é das antigas vai se lembrar dos tempos da equipe da DKW. Um carro menos potente transfere menos peso para trás nas retomadas e tende a ser mais dinamicamente mais equilibrado por natureza – a tocada ao longo do traçado de subida de montanha vira um exercício de altíssima velocidade média. O fato de este Opel ser aspirado também o deixa mais progressivo e ajuda a não deixar a frente mais pesada (turbina, tubulação, intercooler, válvulas, etc).
Mas claro que não é só isso. A arte da coisa está no trabalho feito na suspensão: pra começar, note como as rodas são pouco esterçadas. Significa que o carro está equilibrado dinamicamente, usando os dois eixos com perfeição na maioria das curvas. Para obter dinâmica neutra num tração dianteira é necessário sacrificar um pouco de aderência no eixo traseiro, com distribuição de freios um pouco menos dianteira e pelo acréscimo de carga (seja na barra estabilizadora, molas ou amortecedores) e dramatizando a transferência lateral – é por isso que você vê ele levantando uma das rodas traseiras nas curvas mais fechadas. O sistema da suspensão traseira, com eixo de torção, também contribui muito para isso. É um efeito parecido com o do kart de competição, mas claro, em circunstâncias totalmente diferentes (tração dianteira vs. traseira, presença de diferencial e de suspensão, distribuição de peso inversa, etc).
Contudo, ao contrário da maioria dos carros de tração dianteira regulados para pista que vemos por aqui no Brasil, ele usa pouca cambagem (uso inteligente da banda de rodagem) e não abusa da carga de suspensão: a carroceria rola apenas o suficiente, sem causar variação excessiva de geometria. É só ver a imagem acima. Rolagem, sim, claro. Mas veja o ângulo do pneu dianteiro do lado de fora da curva: quase todo vertical, usando toda a banda de rodagem. E repare o pouco esterçamento do volante: ele vem deslizando nas quatro – hellyeah!
Este pequeno red devil é prova documental de que boa engenharia não necessariamente é cara, dando um espetáculo gracioso de transferência de peso e de aderência lateral. Em algumas curvas, o carro chega a largar trilhos de borracha do lado esquerdo e direito sem destracionar – sintoma de um acerto de suspensão magnífico. Se você ainda duvida depois de tudo o que você viu no vídeo lá em cima, veja este outro. Note que a aceleração lateral passa de 1,2 G em curvas de raio constante – ou seja, não são picos forçados por transferência repentina de peso. Insanidade!
A peça final deste quebra-cabeças belga é Pochłopień: tocada limpa, inteligente, precisa, digna de um profissional. Veja como ele usa todos os cantos da pista e a forma assustadora como ele carrega velocidade para dentro da curva. Rafał e seu Astra formam uma perfeita dupla sleeper, capaz de deixar muitos superesportivos com crise de autoestima naquela subida de serra – e como vocês viram neste post insano, há alguma coisa na água dos polacos para eles pilotarem desta forma em subidas de montanha…