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Car Culture

Quem precisa de tinta? Os carros sem pintura mais animais já feitos

Existem inúmeras caraterísticas que tornam a F40 um dos carros mais absurdamente fantásticos já feitos. No Brasil Classics Show 2018, em Araxá/o FlatOut teve a oportunidade de observar de perto, minuciosamente, cada uma delas. Incluindo a famosa pintura Rosso Corsa, impecavelmente aplicada em uma camada tão fina, mas tão fina, que se pode ver a trama da fibra de carbono por baixo dela.

Vimos que dá, mesmo – com atenção e a luz certa, pode-se admirar o esforço que a Ferrari fez para manter o peso da F40 o mais baixo possível.

Mas dá para ir mais longe. Afinal, quem precisa de tinta?

Em um carro do tamanho de um VW Golf, uma boa demão de tinta usa entre 3,5 e 4 litros de tinta, o que equivale a uns três ou quatro quilos. Faz sentido então que, em um superesportivo ou em um carro de competição, as fabricantes e equipes busquem formas de reduzir o peso da tinta.

Além da camada de tinta ultrafina da Ferrari F40, outro exemplo entre os superesportivos é o McLaren Senna. A carroceria extremamente ousada do track monster britânico é pintada com uma tinta formulada para usar menos líquido em sua composição, o que teoricamente reduz o volume de tinta necessário e, consequentemente, seu peso.

A equipe de Fórmula 1 da McLaren já falava dos benefícios de uma pintura mais leve em 2015. Naquele ano, os carros trocaram a pintura metálica cinza por um esquema de cores sólido, preto e vermelho. Para pintar um carro de Fórmula 1, vão-se pelo menos dez demãos e 25 litros de tinta, em um processo que leva cinco dias. Removendo os flocos de metal na tinta, a McLaren enxugou pelo menos três quilos da pintura.

Na indústria aeroespacial, usar tintas e vernizes mais leves proporciona reduções de peso ainda mais significativas. Um Boeing 747, por exemplo, usa cerca de 500 litros de tinta – cerca de meia tonelada. É por isso que a maioria dos aviões é pintada de branco – além de ser mais barata, a tinta branca também pesa menos. Aliás, o processo de pintura de um avião é bem interessante: o trabalho é feito manualmente, com elevadores levando os pintores.

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É claro que, se você realmente quer reduzir o peso de um veículo, talvez queira levar em consideração a possibilidade de acabar com a tinta de uma vez – como os carros a seguir ilustram muito bem.

 

Esportivos de rua

Koenigsegg Naked Carbon, ou só “KNC”. É este o nome do material do qual é feito este Koenigsegg Regera, mostrado pela fabricante sueca de supercarros e hipercarros no fim do ano passado. Com ou sem tinta, o Regera já é um carro notável: ele é um tipo especial de híbrido, com um 1.500 cv e 203,9 kgfm de torque vindos de um V8 biturbo de cinco litros e três motores elétricos – além de um sistema de transmissão que dispensa a caixa de marchas tradicional e usa apenas uma relação fixa, de 2,73:1.

O Regera sem pintura foi encomendado por um cliente suíço. A fibra de carbono nua da Koenigsegg (é exatamente isto que significa KNC) e produzida, até certo ponto, como a fibra de carbono tradicional – a trama é moldada e curada em uma autoclave a temperaturas altíssimas, tomando a forma desejada e adquirindo rigidez.

Contudo, em vez de receber uma camada de resina para tornar-se impermeável e adquirir o acabamento brilhoso que conhecemos, a fibra é lixada manualmente. É um processo incrivelmente demorado e delicado – a fibra não pode ser lixada demais, ou sua integridade estrutural fica comprometida e a peça precisa ser descartada. A diferença que a ausência de resina faz é impressionante: sem ela, o Regera pesa 20 kg a menos, o que significa que ele tem 1.570 kg em ordem de marcha.

Eles só não revelaram se os 20 kg a menos trazem melhoria no desempenho. Não que isto seja tão necessário: o Regera vai de zero a 100 km/h em 2,7 segundos, de zero a 300 km/h em 10,9 segundos, e de zero a 400 km/h – sua velocidade máxima – em 20 segundos.

A Koenigsegg já havia aplicado a técnica em peças menores, como rodas, capas de retrovisores e componentes aerodinâmicos. Com o Regera KNC, foi a primeira vez que a carroceria toda do carro foi feita em fibra de carbono lixada.

Em tempo, existiram outros superesportivos com acabamento em fibra de carbono sem pintura. A Pagani fazia o Zonda R desta forma, e também oferecia a ausência de tinta como opcional para outras versões do Zonda e do Huayra. De forma parecida, a Bugatti fez o mesmo com o Veyron e com o Chiron.

O Lamborghini Sesto Elemento, de 2011, é outro superesportivo lembrado por sua carroceria de fibra de carbono exposta. Partindo do Gallardo como base, os italianos usaram o compósito onde foi possível, incluindo nas rodas e nos braços da suspensão – até mesmo os bancos foram moldados diretamente na fibra de carbono no monocoque.

Com isto, o Sesto Elemento pesa apenas 999 kg e, com seu V10 naturalmente aspirado de 5,2 litros e 570 cv, é capaz de ir de zero a 100 km/h em 2,5 segundos.

Outro bom exemplo é esta Ferrari Enzo, que até já apareceu por aqui em 2016. Seu proprietário simplesmente queria tornar o carro ainda mais exclusivo (como se não bastasse ser um de 400), e por isso encomendou à Ferrari uma nova carroceira, toda de fibra de carbono exposta, para substituir a original em Rosso Corsa. Não é o tipo de coisa que a Ferrari faz a qualquer cliente – é preciso ser um dos melhores.

O carro então, foi levado para a Carrozzeria Zanasi, oficina italiana para onde a Ferrari manda os carros que tiveram danos muito grandes na carroceria e precisam de conserto. Uma nova carroceria foi feita usando os moldes originais, e todo o processo teve a supervisão da própria Ferrari – ou seja, tecnicamente, são autênticos.

 

O incrível Calibra ITC da Zakspeed.

Ainda sobre a fibra de carbono nua, não há como mencionar o Opel Calibra ITC da Zakspeed. O bólido é um projeto abortado para o ITC, o International Touring Car Championship – categoria que sucedeu o DTM. O Calibra deveria correr em 1997, mas a competição foi cancelada por questões de custo.

Além de um V6 Cosworth de 2,4 litros e 500 cv a 12.000 rpm, o Calibra ITC tinha esta absurda carroceria de fibra de carbono – nada de alumínio ou fibra de vidro, como o carro que correu antes dele. Até o banco do piloto era moldado direto no monocoque, assim como um console com os principais comandos do carro. Com isto, ele pesava apenas 1.040 kg – mas nunca disputou sequer um treino de classificação.

O Calibra provavelmente receberia uma pintura de corrida caso chegasse a participar de uma, mas nós gostamos dele assim, full carbon.

Mas nem só de fibra de carbono vive o homem.

 

Flechas de prata

Há um bom tempo, contamos aqui no FIatOut a história por trás das cores oficiais que os países da Europa usavam no automobilismo – o British Racing Green dos ingleses, o vermelho dos italianos e o branco dos alemães.

Na Alemanha, a cor branca foi usada até meados da década de 1930. No entanto, em algum momento, alguém teve a ideia de remover a tinta branca dos carros – que era feita à base de chumbo – para reduzir peso, adotando uma prática que já era muito difundida na aeronáutica pelo mesmo motivo.

Há controvérsia em relação à quem teve a ideia primeiro – se foi a Mercedes-Benz ou a Auto Union (a companhia que daria origem à Audi). Ambas disputaram provas de Grand Prix e eventos de endurance com carros sem pintura, apenas de alumínio polido, que foram apelidados pela imprensa de Silver Arrows, ou “Flechas de Prata” em português.

 

Shelby Cobra

Mas não foram apenas os europeus que abriram mão da tinta em nome da redução de peso. Carroll Shelby fez o mesmo com o Cobra, seu hot rod feito com base em um roadster britânico chamado AC Ace. Em 1962, a Shelby American oferecia como opcional a carroceria de alumínio polido, sem pintura, para o Cobra com motor V8 289 – e o mesmo acontecia com o Cobra 427, versão com motor big block lançada em 1964.

Desde 1996 a Shelby fabrica e vende o Cobra original como chassi rolante – ou seja, sem motor – na chamada Continuation Series. Em 2014, para marcar o aniversário de 50 anos do Cobra 427, a Shelby lançou a edição limitada 50th Anniversary Edition. A série incluía como opcional a carroceira de alumínio polido, sem pintura, como se via nos anos 60 – exceto pelo acabamento, bem mais polido e brilhante que o original, que tinha uma aparência mais escovada.

 

DMC DeLorean

Outro carro com carroceria de metal sem pintura é o emblemático DMC DeLorean. O esportivo norte-americano lançado em 1985 tinha uma proposta futurista, e por isso John DeLorean decidiu que, em vez de tinta, seu acabamento seria de aço inox escovado. A carroceria era montada sobre uma estrutura de fibra de vidro com uma “espinha dorsal” de aço.

Embora tivesse um efeito visual matador, a carroceria de inox tornava o processo de fabricação e reparo do DeLorean exacerbadamente claro. Era preciso usar ferramentas especiais, mais resistentes, para moldar os painéis, pois o aço se enrijece durante a moldagem. Na hora de restaurar um DeLorean, não é possível aplicar massa plástica ou soldas, pois as imperfeições não podem ser cobertas por tinta.

Na época, John DeLorean chegou à conclusão de que seria mais fácil substituir um painel danificado do que repará-lo. E hoje em dia, por sorte, existem milhares de componentes de reposição new-old stock (NOS), e a própria DMC – a companhia renascida, com sede no Texas – ainda os fabrica sob encomenda.

 

DKW Carcará

Foto: Jorte Lettry – via Autoentusiastas

Este post não estaria completo sem um brasileiro. O DKW Carcará foi um protótipo criado em 1966 para quebrar recordes de velocidade. Seu nome foi inspirado por uma música que fazia sucesso na voz de Maria Bethânia, e sua carroceria foi projetada para cortar o ar de forma eficaz e pesar o menos possível. Isto incluiu dispensar qualquer tipo de pintura.

Anísio Campos, Jorge Lettry e Rino Malzoni, os criadores do Carcará, tomaram como exemplo justamente os Silver Arrows alemães. A inspiração maior parece ter sido o Auto Union Typ C Streamliner, de 1937 – que, com Hans Stuck ao volante, chegou aos 320 km/h naquele ano.

O Carcará estabeleceu o primeiro recorde de velocidade brasileiro ao atingir os 212,903 km/h, em um quilômetro lançado,  na antiga BR-2, rodovia que ligava o Rio de Janeiro a Santos. Ele tinha um motor DKW de três cilindros, dois tempos e 1.089 cm³, com carburador de corpo triplo Solex (na verdade, um Solex de corpo duplo e meio) para entregar 103 cv.