A cultura automotiva é mesmo algo extremamente diversificado, com tribos e adeptos de diferentes estilos florescendo, muitas vezes, em locais inesperados. Por exemplo, quem poderia imaginar que, no extremo norte do mundo civilizado, existiriam alguns europeus absolutamente obcecados pela cultura americana das décadas de 50, 60 e 70: os Raggare, que espalham por todo o país escandinavo o ronco dos V8, jaquetas de couro, topetes e acordes de guitarra.
Na década de 50 uma das maiores tribos urbanas dos EUA eram os greasers, que usavam jaquetas de couro, topetes com gel ou “brilhantina” (daí o nome) e gostavam de Elvis Presley, Little Richard e Chuck Berry. Culturas semelhantes surgiram pelo mundo todo — como no Reino Unido, onde se chamavam rockers ou ton-up boys e ajudaram a iniciar a cultura das cafe racers — e definharam com o passar dos anos. Contudo, em um lugar a adoração por barcas americanas e os primórdios do rock segue firme e forte, a ponto de se tornar parte da identidade nacional: a Suécia, onde os greasers se chamam raggare e fazem o que podem para se divertir à moda dos americanos de seis décadas atrás.
A cultura americana chegou à suécia através do Plano Marshall, que foi criado depois da Segunda Guerra para que os EUA ajudassem os países europeus a recuperar sua economia, enfraquecida por causa do conflito — e também para evitar que eles adotassem o comunismo soviético, que estava em expansão. Mas não foram apenas recursos financeiros que os EUA exportaram — sua cultura também foi extremamente difundida durante os primeiros anos do pós-Guerra.
A ajuda americana fez bem à economia da Suécia — que havia permanecido neutra durante a guerra — e, além de se tornarem ávidos consumidores de cultura americana, os jovens também acabaram tendo mais acesso ao que viam em filmes de James Dean, Marlon Brando e do próprio Elvis Presley, ao mesmo tempo em que passaram a cultuar o American way of life como o modo ideal de se levar a vida. E não estamos só falando de roupas e cortes de cabelo, mas de atos de rebeldia e, claro, carros. Porque isto é o FlatOut!, afinal de contas.
, a Suécia na década de 50 ainda era um país extremamente conservador apesar da invasão cultural americana. Sendo assim, os hábitos da então nova contracultura causavam certo escândalo — música barulhenta, dança, sexo e bebidas eram suficientes para dar pauta a tablóides e provocar rebuliços nos subúrbio. A tribo ficou conhecida como raggare logo no início porque ragga, em sueco, significa algo como “pegar garotas” em uma tradução livre — algo que pode ser entendido mais amplamente como “curtir a vida adoidado”.
Ter um carro ajudava muito nesse ponto — de preferência, um bom exemplar de aço americano —, pois ele se tornava uma espécie de “clube sobre rodas”: você e seus amigos tinham um lugar aconchegante para ficar com as garotas, um meio de transporte, um lugar para escutar suas músicas favoritas e guardar suas bebidas, e uma ferramenta para transformar qualquer estacionamento de café em um salão de dança. Era muito comum que um raggare desse carona a uma garota e que o passeio acabasse em sexo no banco traseiro.
Nos anos que se seguiram, a cultura raggare cresceu exponencialmente na suécia, e era inevitável que os jovens se dividissem em gangues. As maiores e mais importantes ficavam nos grandes centros, como o norte de Estocolmo. Brigas entre gangues raggare e hippies ou punks eram bastante comuns e repercutiam negativamente na mídia local — o que, certamente, fazia com que mais e mais jovens se tornassem adeptos. Nas cidades menores, onde o acesso a carros americanos era mais difícil, os rapazes se viravam com modelos da Volvo, Opel e Mercedes-Benz, os pintando de preto e customizando para dar-lhes um visual americanizado.
A popularidade dos raggare durou vários anos e acabou incorporando, também, os muscle cars das décadas de 1960 e 1970. Contudo, foi também nesta época que os primeiros raggare começaram a deixar as ruas e a constituir famílias — muitas vezes com as garotas que engravidaram no banco de trás do carro — e, assim, sua presença na paisagem urbana foi ficando cada vez mais escassa.
Como qualquer subcultura, contudo, os raggare nunca desapareceram por completo, pois o legado que eles deixaram sobrevive até hoje na Suécia. E boa parte dele está justamente nos carros. Graças aos raggare, poucos países têm uma cultura tão forte em torno dos carros americanos quanto a Suécia — mais até do que os próprios EUA— embora a tradição de personalizar carros europeus ao estilo americano continue.
Existem mais carros americanos das décadas de 50 e 60 restaurados em território sueco do que em seu país de origem, e todos os anos cerca de 2.000 carros clássicos americanos são exportados para a Suécia.
Todos os anos, desde 1978, os adeptos da cultura raggare e entusiastas de carros americanos se reúnem no Power Big Meeting na cidade de Västerås. O evento, que acontece desde 1978, é um dos maiores encontros de carros americanos não apenas da Suécia, mas do mundo todo.
Nos últimos anos, muitos jovens suecos passaram a se interessar pela subcultura raggare e, embora os poucos pioneiros do movimento que ainda estão vivos não os considerem verdadeiros raggare, seu modo de se vestir, suas roupas e seu comportamento são exatamente iguais — porém com menos garotas pegando carona e mais atenção à cerveja, à música e, claro, aos carros.