Caros amigos, a temporada de 2017 da Fórmula 1 merece a sua atenção especial. Poucas vezes na história vimos uma mudança de regulamento tão radical como a deste ano: mais largos, mais baixos e com pneus imensos como eram nas décadas de 1980 e 1990, os monopostos voltaram a apresentar uma silhueta proporcional e gerarão até 1G a mais (!) de aceleração lateral, o que pode representar uma redução de até quatro segundos por volta.
Como você pode ver no vídeo, há instantes foi apresentado o Renault R.S.17, carro com o qual Nico Hülkenberg e Jolyon Palmer disputarão a temporada deste ano. Além das enormes diferenças trazidas pelo regulamento, cujas consequências iremos discutir aqui (também comentaremos se estas mudanças ajudarão nas disputas), o monoposto traz o motor a combustão com arquitetura renovada e introduz a 2ª geração do sistema de recuperação de energia (ERS), cujos detalhes técnicos começarão a emergir em breve.
Outra grande novidade é presença de seu novo patrocinador principal e parceira técnica, a Castrol, que fornecerá e desenvolverá lubrificantes e combustível – este último, por meio de sua companhia-mãe BP (British Petroleum), igualmente tradicional na F1. A última vez em que Renault e Castrol estiveram juntos foi no Williams FW 19, há exatos 20 anos, na conquista do título de pilotos da Fórmula 1 de 1997 pelas mãos de Jacques Villeneuve (foto abaixo) – mas a marca de lubrificantes possui bastante tradição na categoria, em equipes como a Brabham, Lotus e McLaren. A Castrol e a BP também serão parceiras da McLaren nesta temporada: o MCL32 será apresentado nesta sexta-feira (24).
Revolução dinâmica, novos desafios
É como se a F1 criasse uma categoria acima dela mesma. Em 2017, os monopostos estão mais largos, com pneus muito maiores, incorporaram difusores mais generosos e asas mais baixas e de maior envergadura. Um pouco mais lentos nas retas devido ao ganho de arrasto, mas muito mais poder de tração, frenagem e aceleração lateral. Agora vamos destrinchar este resumo.
Muito mais aderência mecânica: os pneus ficaram 25% mais largos. Se antes eles tinham 245 mm (dianteira) e 325 mm (traseira), agora eles apresentam 305 mm na frente e 405 mm atrás. Além disso, a largura máxima dos monopostos aumentou em brutais 20 cm (de 1,80 m para 2 m, como era nos anos 90), que é repassada imediatamente para as bitolas dos eixos. Com isso, a transferência lateral de peso será menor = ainda mais grip! Os braços de suspensão ficaram um pouco mais parrudos para lidar com o efeito alavanca.
Mais aderência aerodinâmica: o mais evidente é que as asas ficaram mais largas (150 mm a mais na frente e 200 mm atrás) e que a silhueta mudou um pouco – o bordo de ataque da asa frontal ficou em forma de delta (em vez de reta) e a asa traseira ficou 150 mm mais baixa, com os end plates terminando numa diagonal.
Mas as mudanças radicais não estão aí, mas sim no assoalho. Ele ficou 20 cm mais largo (1600 mm) e o principal, o difusor ganhou 50 mm de altura, 50 mm de largura e começa 175 mm à frente do eixo traseiro (antes, ele tinha de começar na linha do eixo). O difusor já era a principal fonte de aderência aerodinâmica e agora terá ainda mais poder. Mais deslocado para a frente, ele deixará a dinâmica do monoposto menos dianteira, reduzindo a dependência do aerofólio dianteiro – o que será bom para disputas.
Outra mudança é a redução da zona de exclusão próxima às entradas de ar, permitindo que os defletores (bargeboards) da região fiquem maiores. Estes condicionadores de ar suavizam o ar turbulento da asa dianteira, pneus e braços de suspensão, e direcionam o fluxo para ao redor da carenagem e para as entradas de ar, que também ficaram maiores.
Mais esforço cardiovascular: com mais aderência, as frenagens ficarão mais fortes e o poder de aceleração lateral será até 30% maior, o que significa que muitas curvas que exigiam lift offs ou frenagens sutis serão contornadas de pé cravado. Além do esforço muscular no pescoço muito maior, todos os órgãos do piloto serão submetidos a esta força. Para você ter uma ideia, o acréscimo de 1G equivale à toda a aceleração lateral que um Porsche 911 Carrera de rua pode produzir.
Mais esforço no motor: a BP e a Castrol terão um ano bastante agitado com a Renault e a McLaren, pois os desafios dos motores cresceram muito para 2017. Serão apenas quatro motores por temporada (em vez de cinco), haverá restrição de pressão das turbinas (ou seja, ganhos marginais tornam-se essenciais) e o programa de tokens, que permitia o desenvolvimento de componentes isolados do motor, foi terminado para 2017.
Com isso, o lubrificante ganha ainda mais importância, pois além da relativa liberdade de desenvolvimento deste (ou seja, extrair cavalos escondidos ao longo da temporada será essencial), o desgaste dos componentes terá de ser ainda menor – só que o cenário é de maior esforço que antes. Com mais aderência lateral e maior poder de frenagem, os F1 ficarão muito mais tempo em WOT (carga plena do acelerador) que antes, e há a chance de eles andarem mais juntos em disputas (veja mais na sequência), o que reduz a eficácia dos radiadores. Além disso, os alargamentos dos pneus, asas e carenagem resultam em mais arrasto, que não somente aumenta o esforço mecânico como aumentará o consumo de combustível – o que também será um desafio para a BP.
Para comprovar como um lubrificante pode ajudar no aproveitamento energético, a Castrol possui um case interessante na vitória de Alexander Rossi nas 500 milhas de Indianápolis do ano passado – sua primeira prova disputada num Speedway. O trecho final da corrida acabou pegando muitos pilotos no contrapé, forçando a um splash-and-go dos líderes Carlos Muñoz e Josef Newgarden. Rossi optou por uma estratégia de máxima economia de combustível da metade para o fim da prova e ignorou esta última parada nos boxes, de forma que ele terminou a 200ª volta literalmente no vapor do combustível, cruzando a apenas 220 km/h (para se ter uma ideia, a média da volta é de 360 km/h). Ele e seu chefe de equipe Michael Andretti (ex-piloto e filho de Mario Andretti) creditam parte da frugalidade de consumo à baixa viscosidade e capacidade lubrificante do Castrol Edge desenvolvido para os motores Honda da equipe.
Na esmagadora maioria das vezes, os regulamentos limitaram a performance sob diversos argumentos: equidade, custos, segurança. Para 2017, estamos com um gostinho de 1966, quando o CSI (conselho que determinava as regras da Fórmula 1 na época) decidiu dobrar o deslocamento dos motores aspirados, que da noite para o dia passaram de 1,5 litro para 3 litros. Estamos com a impressão de que a temporada deste ano será marcante para a história da F1. E nesse momento de busca pelas raízes, é bacana ver uma marca tradicional no automobilismo como a Castrol de volta à categoria: eles possuem mais de 100 anos de história e colaboraram com seus lubrificantes para a quebra de diversos recordes no rali WRC, esportes-protótipo WEC e incontáveis categorias de turismo pelo mundo, como DTM, WTCC, BTCC, GT3, Super GT e V8 Supercars.
E afinal, haverá mais disputas na F1?
Toda mudança radical de regulamento técnico traz um embaralhamento, que pode ser bom ou pode resultar no monopólio de determinada equipe que consiga uma solução genial. Tirando este ingrediente da mesa, o cenário é interessante: como o difusor ganhou mais peso como fonte de aderência aerodinâmica e ele começa 17,5 cm adiante do eixo traseiro, o centro de pressão aerodinâmica dele fica um pouco mais para a dianteira, reduzindo a dependência da asa frontal. Trocando em miúdos, isso é bom para as disputas, pois o que dificulta as disputas em trechos sinuosos é justamente a queda de pressão na asa dianteira do perseguidor: se ela perde proporcionalmente um pouco de relevância na soma total de downforce, temos coisa boa no ar. Mas idealmente, a FIA deveria ter partido para a simplificação das asas dianteiras, deixando-as ainda menos influentes nestes cenários de disputa.
Outra coisa. Com bitolas proporcionalmente mais largas que o entre-eixos, os monopostos ficarão um pouco mais tinhosos de traseira. Somando isso ao fato de que eles serão muito mais velozes nas curvas, teremos mais flutuações de performance, o que é sempre bom para facilitar disputas e causar surpresas ao longo da corrida. Por outro lado, já se sabe que o desgaste dos pneus tenderá a ser menor, pois as bitolas mais largas reduzem a transferência lateral de peso e a largura extra dos pneus oferece melhor dissipação de calor. Isso pode deixar o andamento de algumas provas mais previsíveis.
E agora, como fica? Bem, vamos descobrir juntos no GP da Austrália, em 26 de março!