O motor Wankel, curiosamente, não merece o nome que tem. O motor usado até hoje pela Mazda foi desenvolvido de 1951 a 1957 pelo engenheiro Hanns Dieter Paschke, com o protótipo KKM. Wankel desenvolvia paralelamente o DKM, também com rotor, mas sua ideia era mais complexa, precisando ser desmontado para trocar as velas, por exemplo.
Quando Paschke apresentou seu protótipo, que Wankel não conhecia, o home que acabou batizando o motor teria dito a seu rival: “Você transformou meu cavalo de corrida em uma égua puxadora de arado!” Se assim foi, é a tal égua que chegou aos dias de hoje, mas ela não foi parar apenas sob o capô dos modelos japoneses. Conheça outros carros que também tiveram motores rotativos.
Citroën M35
A marca francesa, conhecida por seu pioneirismo, não quis ficar de fora do que prometia ser o motor a combustão do futuro. Em parceria com a NSU, ela criou uma empresa chamada Comotor e desenvolveu ali um motor de apenas um rotor, com 995 cm³ que gerava 50 cv a 5.500 rpm.
Para “vesti-lo”, ela criou um cupê derivado do Ami 8 e o chamou de M35, cuja carroceria foi fabricada pela Heuliez de 1969 a 1971. O carro nunca foi vendido, apenas cedido a clientes fiéis da marca para avaliação.
Dos 267 produzidos, todos com suspensão hidropneumática, boa parte foi recolhida e escrapeada. Alguns escaparam da guilhotina por conta do acordo que a Citroën ofereceu a seus donos: ou devolver os veículos, trocando-os por modelos novos da marca por bons descontos, ou ficar com os M35 e assinar termos de responsabilidade pela manutenção a partir dali.
A Citroën, com isso, se isentou de fornecer peças de reposição. Só alguns poucos conseguiram chegar até aqui inteiros.
Citroën GS Birotor
Este, sim, foi o primeiro e único modelo Citroën fabricado e vendido ao público com motor Wankel. Na verdade, ele era uma versão do GS, lançada em outubro de 1973, três anos depois da apresentação do modelo.
E justamente em meio à crise do petróleo… Com dois rotores e um total de 1.990 cm³ de deslocamento, o Comotor 624 desenvolvia 107 cv a 6.500 rpm. Seu azar foi ser gastão. O carro custava 70% a mais do que um GS comum e quase a mesma coisa que o DS, que era bem maior e mais charmoso. Vendeu pouquíssimo: apenas 847 unidades. A decepção foi tanta que a Citroën quis recomprar todos os Birotor e destruí-los, de novo para não ter de ficar fornecendo peças. Mas sobraram alguns, como o que se vê no vídeo abaixo.
Este outro, um pouco melhor, dá ideia de como era a traseira do carro. E do barulho de seu motor, que lembra o de uma mobilete.
NSU Spider
Em 1961, a NSU havia feito um acordo comercial com a Mazda para desenvolver os motores e houve uma espécie de corrida entre as duas para ver quem lançaria o primeiro modelo equipado com o Wankel. A NSU ganhou e, em 1964, apresentou o Spider no Salão de Frankfurt.
Foto: Alan Broadfoot
Com um motor de apenas um rotor e 498 cm³, ele rendia 64 cv (SAE) a 5.000 rpm e tinha torque de 7,5 mkgf a 3.000 rpm.
Foto: Alan Broadfoot
O motor era montado na traseira e o câmbio tinha quatro marchas, todas sincronizadas. Com apenas 685 kg e 3,58 m de comprimento (2,02 m de entre-eixos), ele tinha desempenho honesto. O tanque de combustível, de 35 litros, era instalado na dianteira, o que reduzia bastante o espaço para bagagens. O porta-malas, então, ficava dividido entre a dianteira e a traseira (acima do motor).
Produzido até 1967, ele nem de longe teve produção tão baixa quanto o GS Birotor. Vendeu 2.375 unidades e foi sucedido no uso pioneiro do Wankel por um modelo de vendas ainda melhores, produzido por dez anos.
NSU Ro 80
Este sedã de luxo, com 4,78 m de comprimento e excelente entre-eixos de 2,86 m, foi lançado em 1967 com um motor que poderia parecer piada de mau gosto. Ele tinha dois rotores e apenas 995 cm³. Se tivesse sido lançado no Brasil dos anos 1990, seria um carro popular, mas a potência de 115 cv a 5.500 rpm faria nossos burocratas acharem um modo de barrá-lo no baile.
Criado por Claus Luthe, o desenho inspirou gerações de outros sedãs nos anos seguintes e tinha o excelente coeficiente aerodinâmico de 0,35. O carro acelerava de 0 a 100 km/h em 12,5 s e atingia máxima de 180 km/h.
Tinha tudo para dar certo, mas a NSU foi apressada demais em lançá-lo. Os selos dos rotores se gastavam mais no centro do que nas pontas em partidas frias e os motores começavam a dar problema aos 24 mil km. Com 50 mil km, muitos deles tinha de ser refeitos.
Isso deu ao carro uma má fama da qual ele nunca se livrou, mesmo quando os selos foram aperfeiçoados a ponto de não darem mais problema, ganhando centros de Ferrotic, ou carboneto de titânio, um material cerâmico muito resistente.
Os modelos 1970 já eram bem mais confiáveis, mas a extensão da garantia e o dano à reputação da empresa acabaram com suas chances de se recuperar financeiramente. No mesmo ano de apresentação do modelo aperfeiçoado, a NSU foi comprada pela Volkswagen e absorvida pela Auto Union, passando a integrar o que hoje conhecemos como Audi.
O motor Wankel quase foi parar sob o capô de um Audi 100, mas o modelo não chegou à produção em série.
AMC Pacer (?!)
Sim, senhores. O Pacer foi planejado para ter motor Wankel e ser parecido com isso aí que você vê abaixo.
A NSU firmou um acordo com a empresa Curtiss-Wright em 1960 para o desenvolvimento do Wankel. Enquando a NSU ficaria encarregada de cuidar de motores de baixa e média potência, a Curtiss-Wright faria motores fortes. E foi a ela que a AMC encomendou os motores do Pacer em 1973, mas desistiu pouco tempo depois para comprar seus motores Wankel da GM. Era assim que ele ficaria, só para dar um contexto caso você ache o modelo final de produção feio demais.
Em 1974, a General Motors desistiu oficialmente de produzir motores Wankel. Apesar de ter conseguido diminuir seu consumo, não houve jeito de ela conseguir atender às normas de emissões dos EUA. Sem motor, a AMC enfiou um seis cilindros em linha no Pacer. E ele ficou assim:
Falando em GM…
Chevrolet XP-895 e XP-897GT
O projeto XP-882 deu origem a dois carros, construídos pelos engenheiros de Zora Arkus-Duntov, o pai do Corvette, em 1969. Ele tinha motor central, V8, mas John DeLorean achou o projeto muito caro e impossível de produzir e o engavetou.
Quando a Ford anunciou que venderia nos EUA o De Tomaso Pantera, DeLorean o tirou da geladeira e expôs o carro no Salão de Nova York de 1970. Mas foi em 1972, quando o pai do GTO deu luz verde para o projeto prosseguir, que ele ganhou sua configuração de motor mais ousada.
Chamado agora de XP-895, ele recebeu um motor que era a junção de dois Chevrolet Vega, motores Wankel de dois rotores cada. Os quatro rotores geravam 422 cv. O XP-895 foi oficialmente apresentado no final de 1973.
No mesmo ano, outro projeto, o XP-897GT, com motor de apenas dois rotores, também foi exibido, mas a crise do petróleo, de novo ela, matou o motor Wankel na GM. O projeto até teria uma continuidade, com motor V8 6.6 e outro nome, Aerovette, mas aí ele já deixa de interessar a nossa história.
Mercedes-Benz C111-I e II
Outra fabricante que se arriscou com os Wankel foi a Mercedes-Benz, mas apenas de modo experimental. Para explorar as possibilidades que o desenho permitia, ela usou o carro conceito C111. O primeiro motor Wankel da marca, de três rotores e 280 cv, foi colocado no C111-I, de 1969, e era capaz de atingir 260 km/h.
Apenas cinco meses depois, a Mercedes aperfeiçoou a carroceria do conceito, para torná-la mais aerodinâmica (0,33 de cx), e a equipou com um motor de quatro rotores, 351 cv e 40 mkgf. O bicho ia de 0 a 100 km/h em 4,8 segundos e atingia a máxima de 300 km/h. Se fosse colocado em produção, nenhum carro da época seria capaz de superá-lo.
O C111-II foi apresentado ao público no Salão de Genebra de 1970, semeando esperanças de que aquele pudesse ser o sucessor do Asa de Gaivota. Mas legislações de emissões pelo mundo e a crise do petróleo de 1973 cortaram as asas destes sonhos. O Wankel era beberrão e poluente além da conta.
Frazer-Nash Namir
Fora a Mazda, o modelo mais recente a apresentar motor Wankel foi o Frazer-Nash Namir, criado por Giorgetto Giugiaro na Italdesign. Apresentado no Salão de Genebra de 2009, o conceito usa um Wankel de um rotor e 814 cm³ para a inglória tarefa de carregar as baterias do carrão, movido por quatro motores elétricos, um para cada roda.
Considerado o híbrido mais veloz da época, o Namir atingia 300 km/h e ia de 0 a 100 km/h em 3,5 segundos. Nunca chegou à produção. Se chegasse, talvez seu uso do Wankel não servisse para colocá-lo nesta lista, mas ele merecia menção.