A história de Enzo Ferrari e de como ele criou a Scuderia com seu sobrenome, que mais tarde veio a se tornar uma das equipes de Fórmula 1 mais bem sucedidas do mundo e deu origem à mais emblemática fabricante de supercarros, já é bem conhecida. Nós mesmos a contamos em uma série especial de seis partes. Mas… você sabia que a Ferrari também já participou de competições em duas rodas?
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Para entender esta história, é preciso revisitar as origens da Ferrari. Enzo, como já foi dito por aqui, envolveu-se com o automobilismo aos 20 anos de idade, em 1918, quando foi contratado por uma fabricante italiana chamada CMN (de Construzioni Meccaniche Nazionali) como piloto de testes. Já em 1919 ele fez sua estreia como piloto de corridas – e ele era tão bom que, já no ano seguinte, foi contratado pela Alfa Romeo, que vivia uma bela fase nas corridas de Grand Prix e dava valor a novos talentos.
Enzo Ferrari competiu na Alfa Romeo como piloto até 1929, quando decidiu fundar sua própria equipe de corridas. A Scuderia Ferrari funcionava como uma equipe terceirizada para a Alfa, preparando os carros e recrutando pilotos – foi assim que nomes como Tazio Nuvolari e Achille Varzi entraram no jogo.
Mas, como dissemos, tudo isto são fatos amplamente conhecidos. No entanto, pouco se comenta sobre o envolvimento de Enzo Ferrari com as duas rodas – que começou logo que ele foi contratado pela CMN. Isto porque a empresa costumava reaproveitar veículos militares aposentados, incluindo motocicletas. É bem provável que tenha sido assim que Enzo Ferrari conseguiu sua primeira moto, fabricada pela norte-americana Henderson, que fornecia veículos militares para o exército dos EUA.
Enzo Ferrari acreditava que as motocicletas eram uma ótima forma de treinar pilotos de automóveis. Ele próprio corria de moto ocasionalmente, antes da Scuderia, e fez questão de contratar Tazio Nuvolari, ex-motociclista, em 1929. Nuvolari disputava corridas de moto desde 1920 e tinha um excelente currículo, incluindo uma vitória no Grand Prêmio da Europa de 1925; quatro vitórias no Grand Prix das Nações entre 1925 e 1928; e cinco vitórias no Circuito de Lario entre 1925 e 1929, sempre com motos de 350 cm³ da italiana Bianchi.
Havia uma razão simples para que os pilotos migrassem das motos para os carros: competir com quatro rodas era mais lucrativo. No entanto, em 1932, Enzo Ferrari decidiu seguir o caminho inverso – já bem estabelecido nos carros, ele fundou uma equipe de motociclismo: a Scuderia Moto.
Diferentemente da Scuderia Ferrari, porém, que usava carros italianos, a Scuderia Moto competia quase exclusivamente com motocicletas britânicas, fabricadas pela Norton e pela Rude-Whitwort. Havia excelentes motocicletas italianas – na verdade, as motos feitas na Itália eram as mais avançadas do planeta, com comando duplo no cabeçote e outros recursos incomuns sendo empregados em peso por fabricantes como a Moto Guzzi, a Benelli e a própria Bianchi. No entanto, estas motos não estavam à venda para equipes independentes.
Contudo, isto não impediu a Scuderia Moto de fazer bonito nas pistas, estradas e ovais, especialmente com as Rudge “”TT Replica” de 350 cm³. Já na primeira corrida da equipe, o piloto Guglielmo Sandr venceu o Grande Prêmio da Primavera, realizado em Modena no dia 28 de março de 1932. Outros pilotos, como Giordano Aldrighetti e Aldo Pigorini, que competiam nas categorias de 250, 350 e 500 cm³, ajudaram a equipe de motociclismo de Enzo Ferrari a conquistar 44 vitórias e três títulos nacionais italianos em apenas três anos, entre 1932 e 1934. Todas as motos da Scuderia tinham o famoso emblema do cavallino rampante.
É claro que Enzo Ferrari não estava 100% satisfeito usando motos inglesas – patriotas como são, mesmo os fãs italianos da equipe manifestavam certo estranhamento. Assim, Enzo chegou a encomendar em 1931 um motor italiano à pequena Mignon, uma promissora fabricante de Modena cujo dono era o engenheiro Vittorio Guerzoni. Na época, Guerzoni estava trabalhando em um motor monocilíndrico de 500 cm³, com comando no cabeçote acionado por corrente e transmissão de quatro marchas integrada ao bloco. Com a ajuda de seu assistente, Vittorio Bellentani – que, em 1940, viria a projetar o primeiro carro da Scuderia, a Ferrari 815 –, Guerzoni chegou a desmontar um motor Norton para aproveitar certos elementos do projeto (“copiar” os rivais era uma prática muito comum na época). No entanto, os primeiros testes mostraram que seria impossível obter o mesmo desempenho dos motores britânicos, e por isso os planos foram abandonados.
De qualquer forma, as circunstâncias sob as quais a Scuderia Moto encerrou suas atividades são um tanto nebulosas. Acredita-se que Enzo Ferrari não pagava muito bem os motociclistas, em parte por falta de patrocinadores, e em parte por destinar mais dinheiro à equipe de automobilismo – e por isso o quadro de pilotos mudava com frequência. Além disso, não demorou para que as motocicletas da Rudge e da Norton perdessem o posto para novas concorrentes, mais modernas e potentes, penas quais Enzo não podia (ou não queria) pagar caro.
Assim, depois da temporada de 1934, a Scuderia Moto foi dissolvida, e Enzo Ferrari passou a concentrar-se exclusivamente nas quatro rodas. O que aconteceu depois, todos sabemos muito bem.