Foi um tempo incrível mesmo — e que poucas torcidas puderam experimentar. De 1970 a 2017 vimos pilotos brasileiros disputando o campeonato mundial de Fórmula 1. Nestes 48 campeonatos, os brasileiros venceram oito vezes, ficaram em segundo lugar outras oito e chegaram ao pódio ao menos uma vez em 41 temporadas.
Quando você olha para as estatísticas da Fórmula 1, a bandeira auriverde aparece lá no topo, em terceiro lugar na lista dos países que mais venceram Grandes Prêmios — a uma distância segura da França, quarta colocada. E fizemos tudo isso com apenas seis pilotos nestas 48 temporadas. Senna é, até hoje, o quinto piloto com mais vitórias na categoria — com apenas 10 temporadas completas e, no máximo, 15 ou 16 corridas por ano.
Sabe o que isso significa? Que ficamos mal-acostumados. O Brasil é um país enorme e cheio de gente. Nossas terras contínuas são maiores que as dos EUA. Somos o quinto maior território soberano do planeta. O Brasil é maior que a União Europeia inteira. A população brasileira é a sexta maior do mundo e a única destas — ao lado dos EUA — a ter miscigenação étnica em sua formação histórica.
Estatisticamente é impossível o Brasil não despontar nas coisas que faz. É muita gente, com muitas culturas diferentes fazendo muitas coisas diferentes no mesmo lugar. Não tem como dar errado. É como pegar uma amostra de cada continente, colocar numa caixa, agitar e colocar um rótulo chamado Brasil.
Veja o hipismo, por exemplo. Um esporte elitizado, caro como o automobilismo. E mesmo assim temos três medalhas olímpicas na modalidade. O mesmo acontece com a vela, outro esporte caro e, por isso, elitizado: somos o 11º país com mais medalhas olímpicas na categoria. Tênis? Gustavo Kuerten e Maria Esther Bueno mandam lembranças.
Ser grande deixa a gente mal-acostumado. A gente fica com a impressão de que é fácil vencer e, por isso, precisa ganhar tudo o que disputa – contrariando o Barão Pierre de Coubertin e aquela história da importância de competir.
Vencer é algo extraordinário — ou seja: “fora da ordem”. A ordem, o normal, o padrão, é não vencer. Se aquilo é fora da ordem vira ordinário… o que se tornará extra-ordinário?
E o que isso tem a ver com o automobilismo? Bem… pra bom entendedor já está claro: quando nossa sequência de campeões mundiais da Fórmula 1 acabou — tragicamente com a morte de Senna, há quase 30 anos —, imediatamente elegemos um jovem adulto, um piloto inexperiente como seu sucessor. Não como sucessor na categoria ou nas vitórias, numa jornada de evolução que poderia acabar com uma disputa pelo título e, com uma combinação muito especial de fatores, com um título mundial.
Nós elegemos aquele jovem piloto ainda inexperiente, como o sucessor de Senna na conquista de um título mundial, como próxima grande lenda do automobilismo. Como se bastasse ser um brasileiro com um carro que caiu do céu pronto para levá-lo à vitória. E isso resultou em dois problemas.
O primeiro foi a frustração generalizada por ele não ser um novo Senna, não por suposta falta de talento, mas pense em um cara que competiu com Schumacher, Hakkinen e Alonso. Quem critica Stirling Moss por não ter sido campeão? O cara competiu com Fangio e Brabham! Essa frustração, para muita gente, se tornou um desrespeito grosseiro pela trajetória do piloto.
O outro problema é que, com o auge do auge — uma série de campeões da categoria mais alta do automobilismo — tido como normal, deixamos de nos satisfazer com outras grandes conquistas de outros grandes pilotos, chegando ao ponto de minimizá-las, com se fosse mais fácil ganhar uma corrida profissional de automobilismo em qualquer lugar do planeta.
A Fórmula 1, afinal, não é apenas para os pilotos mais talentosos. É preciso ter uma combinação de talento, carisma, dinheiro, capacidade de trabalhar em equipe e resultados.
Desde 1994, quando o Brasil decidiu, sem analisar o contexto, que Rubens Barrichello seria campeão mundial, Gil de Ferran venceu a CART/Indy duas vezes seguidas, Cristiano da Matta levou mais uma e Tony Kanaan faturou outra. Foram quatro títulos consecutivos, enquanto Rubinho era massacrado pela torcida por ser “apenas” vice-campeão… atrás de Michael Schumacher. Isso, claro, sem contar a inesquecível vitória de André Ribeiro na Rio 400 em 1996, que reacendeu a torcida brasileira depois da tragédia de Ímola.
A importância da vitória de André Ribeiro na Rio 400 da Indy em 1996
O desempenho dos brasileiros na Indy colocou o Brasil como o segundo país com mais campeões da Indy/CART e o segundo país com mais vitórias em corridas da Indy/CART — superando até mesmo os britânicos. São 112 vitórias de 12 pilotos diferentes e 6 títulos de quatro pilotos diferentes.
E nem falamos da Indy 500, que, embora seja só uma corrida, é uma das três provas da Tríplice Coroa por sua importância histórica. Ali os pilotos brasileiros também fizeram história enquanto todos ficavam olhando só para a Fórmula 1.
De 1994 até 2022, os brasileiros venceram a Indy 500 seis vezes — quatro com Helio Castroneves, um dos recordistas de vitórias da prova, e o único dos recordistas que pode conquistar uma inédita quinta vitória, o que faria dele o maior vencedor da Indy 500 em todos os tempos. A torcida brasileira tem noção disso? A mais antiga das provas do automobilismo ainda realizada anualmente, uma das três maiores do planeta.
Não bastasse o recorde de Helio Castroneves, o Brasil também é o país com o maior número de vitórias na Indy 500 (depois dos EUA, claro) — oito vitórias de quatro pilotos, empatado com os britânicos que também têm oito vitórias com cinco pilotos (dois escoceses e três ingleses). E antes de dizer que a Indy 500 não tem um alto nível, lembre-se que Fernando Alonso tentou duas vezes e não conseguiu vencer.
Desde 2018 não há brasileiros na Fórmula 1, mas Helio Castroneves acabou de vencer as 24 Horas de Daytona pela terceira vez, igualando o recorde de Christian Fittipaldi — que foi bicampeão da IMSA em 2014 e 2015. No WEC, André Negrão venceu o título de pilotos da LMP2 em 2018-19 e Daniel Serra venceu a GTE Pro nas 24 Horas de Le Mans de 2019. João Paulo Oliveira venceu a Super GT 300 japonesa em 2020 e 2022 e eu vou parar de estatísticas por aqui, porque elas tornam a conversa muito enfadonha. A mensagem já ficou clara.
Se o torcedor brasileiro quer ver brasileiro ganhando nas pistas… bem… os brasileiros vencedores estão por todos os lados. Sempre estiveram. A gente é que estava olhando para o lado errado.
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