Há cerca de dez meses comprei um Volkswagen Gol LS 1985, como contei neste post. Quem acompanha o FlatOut antes mesmo de ser o FlatOut (de 2010 ao fim de 2013, éramos o Jalopnik Brasil) sabe que a compra deste carro foi uma verdadeira saga: eu tinha um Fiat Uno Mille ELX 1995 branco, de quatro portas e, por alguma razão que até hoje não descobri qual era, decidi trocá-lo por outro carro.
Por vários motivos, no fim das contas o Mille ficou abandonado por meses antes que eu, finalmente, conseguisse vendê-lo e, com o dinheiro, comprei o Gol, vulgo “Robso” (não me perguntem por que decidi batizá-lo com este nome). Desde então, tive muitas experiências com este carro, algumas boas e ruins. Todas elas me ensinaram algumas coisas e, hoje, decidi compartilhar algumas destas lições com vocês.
Primeiras impressões são passageiras
Você já esteve melhor, cara
Me mudei de cidade há pouco mais de um ano e logo em meu primeiro dia aqui vi meu (futuro) carro estacionado na rua de casa. Ele me chamou a atenção logo de cara, por que aparentemente a pintura era nova, a estrutura parecia íntegra e seu dono rodava com ele todos os dias. Não demorou para que eu descobrisse que ele estava à venda e, com o dinheiro do Uno em mãos, comprei sem pensar duas vezes.
Não. Faça. Isto.
Claro, eu dei umas voltas no carro e parecia tudo razoável. O painel de instrumentos era diferente do de fábrica (uma peça de 1995 em um carro de 1985) e estava desligado – o dono anterior disse que era “só ligar” e eu acreditei. Os bancos estavam com capas, os revestimentos das portas estavam em mau estado, mas eram originais, e o carro não tinha afogador, apesar do motor 1.6 a álcool. Um botão adaptado no painel borrifava gasolina sobre o carburador, o que ajudava quando estava frio e o motor não queria pegar.
Pneus novos, carro parado: combinação cretina
A pintura era, de fato, nova, feita a portas fechadas. No entanto, massa plástica cobria pontos de ferrugem nas caixas de ar, o que só descobri depois. Ao menos o túnel central não estava trincado (quem tem um Quadrado sabe bem o que quero dizer).
Acontece que estes problemas foram se manifestando aos poucos. Nas primeiras semanas com o carro, tudo correu relativamente bem, exceto por algumas paradas em semáforos que o motor morria. Era só bater a chave e ele pegava novamente. Em mais ou menos três meses, consegui andar com o carro, e cheguei a dirigir até cidades vizinhas… uma ou duas vezes. E, em uma delas, o carro morreu na praça de pedágio, e o fiscal precisou me ajudar a empurrar.
Foi quando eu comecei a perceber que o carro não estava tão bom assim. Morrer com o motor frio, tudo bem, mas morrer com o motor quente? A marcha lenta também não estava segurando bem, o ronco do motor não estava liso e tenho certeza que o consumo de combustível estava alto, mesmo para um carro a álcool. Não havia mostrador de combustível, então vocês devem imaginar com foi que eu descobri. Foi em uma rotatória, e não foi legal.
Enfim, aquela boa primeira impressão foi desaparecendo com o tempo. Definitivamente, ela não é a que fica.
É um curso de mecânica sobre rodas
Essa frase não vale só para o Fusca. Em 1985, o Gol passou a oferecer o motor MD-270, arrefecido a água, com deslocamento de 1,6 litro (1.588 cm³), entregando 81 cv a 5.200 rpm e 12,8 mkgf a 2.600 rpm. Com isto, carro chegava aos 100 km/h em 14,2 segundos, com máxima de 161 km/h (ou ao menos deveria). São 29 cv a mais que o motor 1600 a ar, usado anteriormente no Gol e muito semelhante ao do Fusca. E o projeto do MD-270 é mais moderno (com comando simples no cabeçote) mas, ainda assim, old school, com um carburador Weber 450 e não muito mais do que isto. Sem módulos, sem periféricos aos montes, sem dor de cabeça. Certo?
Errado. Mas tudo bem: se você quer se sujar de graxa (ou mesmo quando não quer), seu carro velho vai te ajudar! Se você nunca precisou regular um giclê de carburador, trocar um filtro de ar, verificar vazamentos na linha de arrefecimento ou algo do gênero, prepare-se para fazê-lo. Às vezes, até demais, na verdade. O que, fora o fato de te fazer querer desistir de tudo de tempos em tempos, vai te ensinar na prática o básico (e até um pouco mais) em mecânica.
Você faz novos amigos
Esta é uma das partes mais legais de comprar um carro velho: muita gente se identifica com você e arranja um pretexto para puxar assunto, te perguntar se é motor é bielinha ou bielão, se é a ar ou a água, falar sobre o Gol chaleira de um tio que não vê faz tempo, reclamar do trabalho e das despesas que um velhinho dá e encerrar falando que não troca sua lata velha por nada. Dá para fazer amigos assim.
E isto vale também para a internet, ainda que sejamos pressionados a interagir com todos o tempo todo hoje em dia, ter um interesse em comum ajuda a tornar a aproximação com outras pessoas mais natural, espontânea e fácil. Você vai pedir ajuda em um grupo de Facebook/Whatsapp, ou perguntar se alguém tem aquela peça que você estava procurando, o inbox do Facebook vai saltar e logo, aquele seu amigo com o qual você não conversa muito vai dizer que conhece um cara que tem exatamente aquilo que você procura. Mesmo que o cara, no fim das contas, não tenha o carburador certo, talvez vocês continuem se falando para trocar figurinhas ou simplesmente acompanhar o andamento dos projetos um do outro.
Além disso, não é incomum que membros de uma determinada comunidade de entusiastas se mobilizem em conjunto para ajudar alguém a encontrar o que precisa, ou até dê um jeito de conseguir a peça. É o lado bonito das “panelinhas”, no extremo oposto das rixas automotivas sem sentido que já criticamos algumas vezes e que só atrapalham a convivência entre os entusiastas.
Quanto tudo corre bem, a experiência orgânica é insubstituível
Cara, como quebra-ventos são legais! Como é bacana esterçar em um volante grande e de aro fino, sentindo cada milímetro dos movimentos das rodas pivotando sobre o asfalto! Como é gostoso sentir o cheiro de combustão dentro do carro, e ouvir com clareza o ronco do motor mesmo dentro do carro! Essa área envidraçada é enorme, dá para ver tudo!
Se você não estiver bravo porque o carro não está funcionando direito, não há carro moderno que se compare a um automóvel de 30 anos ou mais na hora de te transmitir a sensação de estar no controle de uma máquina. Sem assistência, uma caixa de metal com janelas grandes e sem um mar de plástico, tecido e espuma à sua volta. É como vestir o carro.
As coisas nunca são tão simples quanto parecem
Era “só ligar o painel”, lembram? Mas eu decidi colocar um painel period correct no carro. No Gol LS, o acabamento era bem interessante, e o painel de intrumentos era de metal revestido com espuma e couro sintético na parte superior. O que eu consegui (em troca de dois pedais de guitarra e um violão) veio de um Gol BX e, por isso, é todo de lata.
O painel original, completo, veio junto com o carro, mas estava em péssimo estado e, por isso, eu só aproveitaria o cluster. Em tese, era só instalar o painel do Gol BX, o cluster original do LS e correr para o abraço. Na prática, a instalação elétrica do carro estava toda errada (culpa de algum dos donos anteriores), o painel tinha diversos conectores queimados e, assim, o chicote precisou ser todo refeito. Até encontrar um painel compatível, eu e meu mecânico/eletricista decidimos instalar o cluster de 1995 fazendo uma pequena adaptação técnica. Esteticamente ficou horrível, mas ao menos o velocímetro e algumas luzes espia funcionam. Agora, estou com um cluster de Voyage Plus 1986, com carcaça marrom e conta-giros, esperando para ser instalado. Por que ele ainda não foi? Porque…
… um problema nunca vem sozinho (e isto cansa às vezes)
Eu gostaria de ter tirado fotos melhores, com o carro estacionado em um lugar mais bonito, mas você deve ter notado que a bateria não está ali. Comprei uma bateria nova, mas ela não pega carga e será preciso trocar por uma nova. Por que isto ainda não foi feito?
Porque não bastaria: o miolo do motor está em ordem, mas o carburador original já estava velho demais. O carburador que eu comprei para substituí-lo foi recondicionado, mas ainda precisa de uma boa regulagem, e uma revisão no cabeçote também não faria mal. Com isto, há pelo menos três problemas para resolver antes que o Gol fique aceitável.
Não são questões complicadas, e também não são os reparos mais caros que se pode fazer em um carro. Mas, como eles vieram quase ao mesmo tempo, eu simplesmente não tive saco para resolvê-los ainda. Felizmente o Gol não é meu carro de uso diário.
Mas… ele é meu. O que me leva ao próximo ponto.
O seu carro é seu carro, e você não pode esquecer disso
Talvez alguns de vocês tenham torcido o nariz quando mencionei a questão do painel, e eu os entendo. E, não vou mentir, considerei fortemente uma restauração 100% fiel aos padrões de fábrica nas primeiras semanas em que fiquei com o carro. Só que eu já mudei de ideia: embora seja plenamente possível… não é o que eu quero fazer. A bola branca na alavanca de câmbio dá a dica – este carro vai ter a minha cara. Os revestimentos de porta mais simples do Gol BX me agradam, e eu curto o visual do painel de lata. Os bancos ganharão revestimento de couro (ou curvim) preto, combinando com o acabamento escuro do resto do interior. Não foi assim que saiu da fábrica, mas vai ficar legal, tenho certeza. Também vou procurar um volante de época, ou algum volante novo com visual retrô e bom acabamento – o mercado traz algumas opções bem interessantes, de qualidade e que não custam os olhos da cara.
O Gol LS tinha frisos nas laterais, o meu carro não vai ter. As rodas eram de aço estampado com calotinhas, mas vou procurar um jogo de rodas de liga de época ou então, lançar um jogo de steelies pretas para aquele visual badass. As molas e amortecedores são relativamente novos, estão em bom estado e a altura do carro está boa para meu gosto. Há emblemas do FlatOut nas laterais e na traseira.
Se você não quiser deixar seu carro 100% original seu carro velho/antigo/clássico, não deixe. É claro que o melhor é respeitar as características um carro raro, ou de uma relíquia, mas lembre-se: você também não precisa fazer isto se não quiser. É só ter um mínimo de bom gosto e, principalmente, bom senso.
É uma relação de amor e ódio sem data para acabar
Quando falei com o Leo e o Juliano a respeito desta matéria e começamos a conversar a respeito, eu disse a eles: “o negócio é que a cada duas horas eu mudo de ideia a respeito do Gol”. E eu não exagerei: quando você tem um carro velho/antigo parado, a vida se torna um eterno questionamento. Você se pergunta se realmente devia ter gastado aquela grana comprando o carro. Se pergunta se realmente quer seguir adiante com ele, mas não fica um dia sem vasculhar a internet e as redes sociais atrás de peças, informações e inspiração.
Eu já quis tatuar o carro na minha panturrilha esquerda, e já quis vendê-lo a preço de banana e usar o dinheiro para comprar uma scooter – daquelas com transmissão CVT, que só exigem que você troque o óleo na hora certa, calibre os pneus nas especificações corretas e encha o tanque uma vez por mês. Foi assim ontem, foi assim hoje (enquanto eu escrevia este texto, devo dizer) e vai ser assim amanhã.
Não tenho certeza sobre o destino deste carro no momento, e vou esperar para ver. Sei que meu Volkswagen Gol LS 1985 um dia vai habitar outra garagem, mas não sei quando. Mas algo é certo: ele nunca vai deixar de ser meu primeiro carro velho. E não vai ser o último.