Os Rolls-Royce estão há mais de 100 anos entre os carros mais caros, luxuosos e sofisticados do planeta. Eles normalmente são grandes pesados e têm potência e torque de sobra, mas a intenção maior é mover mais de duas toneladas de metal, couro e madeira com agilidade, e não desempenho. Eles sempre foram caríssimos, exclusivos e faziam do conjunto mecânico um mero detalhe. Não é exatamente o tipo de carro que serve de base para um utilitário. Mas o ser humano é conhecido por sua capacidade de desafiar a lógica, não é?
Só assim para explicar estes Rolls-Royce transformados em picapes que lembram muito as F4000, com suas caçambas de madeira usadas para transportar material de construção, móveis, mudas de plantas, frutas ou, na real, qualquer outra coisa. Mas picapes assim são, por definição, veículos rústicos, com acabamento simples, motor a diesel, geralmente vendidos apenas com a cabine sobre o chassi. Transformar um Rolls-Royce em uma picape como esta é um exercício de exagero com um resultado desconcertante.
Existe a chance de você já ter topado com este vídeo ou com algumas das fotos deste post, e chegado à conclusão de que, por mais que seja desconcertante e pareça errado, também é fascinante um Rolls-Royce Picape. Hoje, topando com as fotos mais uma vez, decidimos investigar de que se trata, afinal. Pois bem: este é um Rolls-Royce Silver Shadow 1972… ou o que sobrou de um.
De acordo com o blog Bentley Spotting (lembrando que a Bentley e a Rolls-Royce foram uma marca só até o início da década de 2000), a real é que esta é uma picape Dodge cuja carroceria de cabine dupla foi feita com base em um Silver Shadow, aproveitando, inclusive, seu interior. Mas por quê?
Este carro está na Holanda, e é relativamente conhecido na cidade de Utrecht, que fica bem no coração dos Países Baixos. É visto com frequência na cidade e fora dela, nem sempre rodando no asfalto. Afinal, visual à parte, trata-se de uma Dodge Power Wagon W200 1976, caminhonete de fato, com eixo rígido na traseira, chassi reforçado e motor V8 de 5,2 litros movendo as quatro rodas através de uma caixa automática de três marchas com caixa de transferência e reduzida.
Os criadores deste monstro de Frankenstein com traje a rigor foram os amigos Dick Bronkhorst e Koos van den Plas, dois amigos que há mais ou menos quinze anos compraram uma W200 que havia servido ao exército, mas estava convertida para rodar nas ruas e bastante detonada. Em uma visita ao ferro velho, Dick e Koos encontraram a sucata de um Rolls-Royce 1972.
Não é exatamente comum ter carros de luxo na Holanda, e por uma boa razão: na década de 1950, foi estipulado que carros de luxo eram supérfluos e deveriam ser taxados com mais rigor que os outros. Ao longo dos anos, esta taxa foi aumentando e, no início da década de 2000, chegou a cerca de 45% do preço de mercado do carro. Ou seja, se carro custava US$ 100 mil, eram acrescidos US$ 45.000 de impostos. E ainda havia a taxa sobre a venda, de mais 19% – no nosso valor hipotético, mais 19.000. Ou seja, um carro de US$ 100.000 custava, ao consumidor final, US$ 164 mil.
Estas condições desestimulam o mercado de carros de luxo na Holanda, e por esta razão, um Rolls-Royce 1972 sucateado não vale muita coisa por lá. Assim, na missão de comprar peças para restaurar a picape, Dick e Koos acabaram comprando a carroceria de um Silver Shadow por uma merreca.
Por sorte, Dick era metalúrgico e já tinha experiência com restauração automotiva. Ele e Koos traçaram um plano: transformar aquela W200 em uma picape Roll-Royce, com todo o luxo que um Rolls pode oferecer, e mantê-la documentada como uma caminhonete Dodge, de forma perfeitamente legal. Uma brecha na legislação holandesa que veio a calhar.
A dupla de amigos realizou todo o trabalho sozinha, incluindo a adaptação da carroceria para caber no chassi sem inutilizar as portas traseiras. Isto foi feito reduzindo a largura das portas e o comprimento do teto e aproveitando parte das chapas originais para não perder a silhueta do Rolls-Royce. A grade foi restaurada nos padrões originais, mas a altura da lataria abaixo dela foi aumentada para melhorar as proporções gerais. Os para-lamas, porém, são originais, assim como faróis, lanternas e acabamentos.
No interior, a mesma coisa: tudo o que era original do Rolls foi aproveitado e recondicionado. Os dois se deram até mesmo ao trabalho de refazer todo o revestimento de madeira do painel de instrumentos em nogueira. Aliás, o painel foi feito sob medida usando o original como referência, porém invertendo a posição do volante: o Rolls-Royce tinha mão inglesa.
O motor original da picape foi todo refeito, e foi convertido para queimar gás liquefeito de petróleo (GLP), também conhecido no Brasil como “gás de cozinha”. Motores que usam tal combustível pagam menos impostos na Holanda. Originalmente, o motor entrega 180 cv, o que nos parece uma potência justa para uma caminhonete.
A Dodge W200 é conhecida por sua robustez, e não é à toa que a picape Rolls-Royce feita sobre ela segue rodando firme e forte na Holanda. De vez em quando o veículo é fotografado por entusiastas curiosos, que publicam as imagens na Internet.
Agora que você sabe qual é a história, não parece menos inusitado? Na verdade, a gente até gostaria de saber como é a sensação de pilotar este negócio.