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Papo de Garagem Técnica

Sistemas de escape: coletores, dutos e emissões – Parte 1

Depois de detalharmos os sistemas de admissão de um motor, chegou a hora de irmos para a outra extremidade de fluxo: o sistema de escape. Enquanto o primeiro é o responsável por levar a mistura fresca até o cilindro, o segundo é responsável por conduzir os gases de combustão para fora do motor da forma mais eficiente possível. E com as cada vez mais restritivas leis de emissões, o sistema de escape também é responsável por tratar os gases de combustão para que estes não sejam tão nocivos à atmosfera.

Foto I

Sabemos que atualmente quase todos os motores produzidos para equipar carros possuem quatro tempos de operação. Admissão, compressão, combustão e exaustão. Até aí nenhuma novidade. Porém, com o avanço no desenvolvimento dos motores a interação entre o fim e o início do ciclo ficou bem maior – onde os tempos de escape e admissão se cruzam. Esta interação começou a ser tratada como um quinto tempo do ciclo, pois é neste tempo que os gases de escape induzem a admissão da mistura fresca antes mesmo que o pistão alcance o ponto morto superior (PMS). É uma extremidade puxando a outra.

Como e por que os gases de escape induzem a admissão e quais os ganhos que esse fenômeno pode trazer são parte do nosso assunto de hoje.

 

O tamanho que faz diferença

Foto II

Os gases resultantes da combustão estão contidos dentro do cilindro em temperatura e pressão bastante altas. Quando a válvula se abre, um pulso supersônico (você leu certo: supersônico) percorre todo o duto e arrasta consigo a massa de gases que tem velocidade muito menor, mas que ainda assim carrega uma quantidade enorme de energia. Então se ajustarmos o comprimento e o diâmetro do coletor para aproveitarmos estas características de escoamento, teremos ganhos significativos de eficiência volumétrica.

Agora vamos entender o efeito de arraste. Esse fenômeno se baseia na primeira lei de Newton. Todo corpo possui uma massa – neste caso o gás de combustão, e toda massa que inicia ou cessa um movimento tende a se manter parada ou em movimento, respectivamente. É o fenômeno que chamamos de inércia. Esta inércia é a responsável por grande parte do vácuo gerado pelos gases no instante em que eles deixam o cilindro. E esse vácuo literalmente suga a mistura fresca que está no coletor de admissão no momento em que ocorre o cruzamento do comando de válvulas — aquele curto momento em que as válvulas de admissão estão começando a abrir e as de escape ainda não se fecharam.

Quanto maior for a velocidade de saída dos gases maior será a inércia destes e maior será o vácuo formado. Porém temos que atentar aos limites, pois grandes velocidades em qualquer fluxo geram muita turbulência, e ela cria uma resistência ao fluxo que é proporcional ao quadrado da velocidade de deslocamento. Por isso, com o aumento da resistência crescem também as perdas por bombeamento, pois o motor gasta mais energia para conseguir expulsar os gases.

Então a solução seria operar com velocidades mais baixas? Não é bem assim que as coisas funcionam…

Foto III

Se observarmos o diâmetro do duto de forma isolada, realmente teríamos uma solução. Porém ele se soma ao comprimento do duto, que determina um volume de gás que fica contido ali. Quanto maior for o diâmetro ou o comprimento, maior será o volume de gás daquele trecho e consequentemente maior será a sua inércia (para facilitar a visualização desta inércia, lembre-se de que os gases são fluidos). Então maior será quantidade de energia gasta inicialmente para tirar aquela massa da inércia. Assim também temos um aumento da perda por bombeamento se o diâmetro do duto for muito grande. Lembrem-se que o fluxo de um motor não é contínuo, mas sim pulsátil. Cada cilindro tem seu ciclo que se inicia e finaliza  em um determinado momento. Por tanto a massa de gás contida no duto se move e para também em ciclos, de forma intermitente. Não é algo contínuo.

Dessa forma temos que buscar uma medida para o diâmetro dos dutos primários, com a finalidade de fazer o coletor operar da forma mais eficiente. Vários estudos práticos revelaram que as velocidades de escoamento ideais para que possamos aproveitar bem o arraste dos gases ficam entre 85 e 91 m/s (306 e 327 km/h!). Então o diâmetro do duto deve ser tal que a velocidade mínima seja alcançada na rotação alvo para o pico de torque que se deseja no projeto.

Foto IV

Vamos fazer um passo a passo dos cálculos usando dados de um motor para facilitar o entendimento de como toda essa magia negra acontece.

Nosso motor tem quatro cilindros, diâmetro de 87,5 mm, curso de 83,1 mm e 1.999 cm³ de deslocamento. Vamos estabelecer a rotação-alvo do pico de torque a 5.500 rpm. A essa rotação o motor tem uma vazão de 95 litros por segundo ou 0,095 m³/s. Para encontrarmos a área da secção transversal do duto precisamos dividir a vazão pela velocidade. Então:

Fórmula I

Desta forma descobrimos que a área de secção transversal do duto é de 0,001114 m² ou 11,14 cm² . Agora precisamos encontrar o diâmetro a partir da área. Então:

Fórmula II

Encontramos um diâmetro interno de 3,76 cm ou 37,6 mm. O tubo comercial com diâmetro mais próximo é o de 38 mm com paredes de 1 mm. Assim nosso diâmetro interno final é de 36 mm o que nos dá uma área efetiva de 0,0010 m².

Foto V

O pulso de escape, que também é conhecido por blow down exhaust, tem velocidade que varia entre 580 e 642 m/s. A velocidade de deslocamento está relacionada diretamente à temperatura de saída dos gases: quanto maior for a temperatura maior será a velocidade do pulso.

Se quisermos aproveitar o efeito do pulso de deslocamento temos de conhecer um pouco mais sobre ondas e ressonadores. De forma bastante simples, uma onda é uma sequência de pulsos. Quando uma sequência de pulsos se desloca através de um duto a massa contida nele apresenta uma resistência ao deslocamento. Essa resistência é chamada de impedância acústica (já falamos sobre ela aqui) e ela muda de acordo com o volume contido num determinado trecho de duto que mantenha a mesma secção transversal.

Porém os dutos, assim como qualquer outro elemento acústico, apresentam uma frequência natural na qual a massa de gás que está dentro deles oscila juntamente com a fonte geradora de sinal, trazendo ganhos de energia para a onda. Essa frequência natural oscilação é chamada de frequência de ressonância.

Foto VI

Um dos modelos de cálculo mais precisos para encontrarmos o comprimento dos dutos é aquele baseado no ressonador de Helmholtz. A foto acima mostra um ressonador desse tipo, ele é composto basicamente por uma câmara e um pescoço. Exemplos comuns desse tipo de ressonador são garrafas que você sopra e ela emite um som, ou flautas de pã (aquelas indígenas).

Aplicando o conceito do ressonador a um motor de combustão: a câmara seria o cilindro e o pescoço o duto de escape. Sendo assim, precisamos determinar o comprimento do pescoço para que o sistema entre em ressonância numa determinada frequência. Que, neste caso, é a rotação-alvo do pico de torque. A fórmula de cálculo do ressonador é apresentada abaixo.

Fórmula III

Onde:

L → Comprimento do duto (cm);

C → Velocidade do som no duto;

k → Constante da frequência de ressonância do duto ;

A → Área da secção transversal do duto;

V → Volume do cilindro

Desta forma precisamos dos seguintes dados para determinar o comprimento do duto: o volume do cilindro (0,000499 m³), a área da secção transversal do duto (0,0010 m²), a velocidade do som no duto (627 m/s), a rotação alvo (5.500 rpm), e a constante de ressonância, que deve ser de 4,65 para rotações abaixo dos 2500 rpm e de 2,1 para rotações acima desse regime.

Então:

Fórmula IV

Encontramos assim o comprimento dos dutos primários. São 166 centímetros que se unem aos 36 cm de diâmetro interno para formarmos os dutos primários. É importante saber que este valor encontrado equivale ao comprimento total do duto primário, que inclui o trecho do duto do próprio cabeçote. Por isso, para sabermos o comprimento dos dutos a serem fabricados usando tubos temos que subtrair o comprimento do duto no cabeçote do comprimento total. Por exemplo, se o duto medido da sede da válvula até o flange do cabeçote tem 10 centímetros de comprimento, subtraímos esse valor dos 166 centímetros e teremos um coletor com dutos primários de 156 cm.

Foto VII

Com o avanço das pesquisas na área de sintonia de ondas descobriu-se que mudanças de diâmetro nos dutos primários também causam a reflexão de parte da energia do pulso original e desta forma os ganhos se estendem por uma faixa de rotações maior. Estes tipos de coletores são chamados de stepped headers – coletor em degraus, numa tradução livre.

Foto VIII

Outra configuração de coletor que utiliza o mesmo princípio de múltiplos diâmetros é o chamado “triplo Y”. Este tipo de coletor se vale de múltiplas junções para criar pontos de reflexão estendendo a faixa de ganhos para baixo, ao contrário dos stepped head que ampliam a faixa de torque para cima.

O diâmetro tanto do degrau de um coletor do tipo stepped quanto dos dutos secundários de um triple y deve ser o equivalente ao dobro da área de um duto primário. A partir daí devemos seguir a mesma sequência de cálculos aplicada para se determinar os dutos primários. Entretanto, o comprimento dos dutos secundários deve ser preferencialmente de 1/3 do comprimento calculado. Desta forma aproveitaremos o terceiro harmônico da onda fundamental, pois ele é o harmônico que apresenta as menores perdas em relação à onda fundamental. Aplicamos essa regra por questões de dimensionamento, porque fabricar um coletor com mais de quatro metros de comprimento seria inviável.

 

Junções

Foto IX

As junções de dutos são cruciais num coletor, pois nelas acontece a primeira reflexão do pulso de escape. Ali também há a união do fluxo de pelo menos dois dutos para seguir o caminho restante. Portanto estas junções devem ser confeccionadas da melhor forma a garantir as menores perdas.

A foto acima mostra uma junção 4×1 ideal. As curvas são suaves e convergem para um nozzle que tem uma área de entrada menor que a área dos quatro dutos somados. Essa configuração reacelera o fluxo, reduzindo as perdas e ajudando a arrastar os gases que se encontram nos outros dutos da junção.

 

Coletores para turbocompressores

Foto X

O ideal para a turbina é que os pulsos ocorram a cada 240⁰, mas os motores de quatro cilindros apresentam um ciclo de pulsos síncronos a cada 180⁰. Então manter o mesmo comprimento para todos os dutos primários e um diâmetro que garanta uma boa velocidade ao fluxo são essenciais para que haja uma boa recuperação de energia térmica por parte da turbina. As mesmas fórmulas usadas acima são aplicáveis aqui, devendo “apenas” a vazão de gases ser corrigida em função da nova eficiência volumétrica induzida pelo turbocompressor.

 

Altura do solo

Foto XI

Um dos grandes problemas para um projeto desse tipo é a altura livre do solo. Para coletores tipo 4×1 os dutos primários podem ser alinhados numa junção horizontal, entretanto esse tipo de junção aumenta significativamente a área de entrada o que aumenta as perdas por bombeamento. Outra solução é o uso de tubos oblongos com uma área de transição. Assim a altura livre aumenta e a área dos dutos não é comprometida.

 

Materiais

O aço carbono é o material mais utilizado na confecção de escapes, pois seu preço é mais baixo quando comparado a outros metais. Entretanto ele apresenta um alto nível de oxidação e desgaste, não sendo assim a melhor das opções.

O aço inoxidável apresenta o melhor custo benefício por ter baixíssimo nível de oxidação. O tipo de aço mais utilizado nesse caso é o AISI 304. Porém a concentração de carbono dessa liga acaba fragilizando-a em temperaturas muito altas devido à corrosão intergranular. Então para a faixa de temperaturas encontradas nos gases de escape o recomendável é utilizar tubos de liga AISI 304L. Esta liga tem baixa concentração de carbono, no máximo 0,03%

O Titânio Ti-6242 é um dos melhores (e mais caros) materiais, normalmente utilizado em sistemas de escape de competição e superesportivos. Apresenta altíssima resistência a oxidação e corrosão, além de uma grande resistência mecânica o que permite a utilização de tubos com paredes mais finas. Mas o grande problema vocês devem imaginar, o preço.

Por último temos o Inconel 625. Usado em escapes da Formula 1, Indy e WEC (serious business, bitc#). Essa liga tem propriedades incríveis e altíssima resistência à fadiga gerada pelo estresse térmico. Só tem um pequeno probleminha… se o Titânio é caro, o Inconel é estratosfericamente mais.

 

Pareamento

Foto XIII

Um dos grandes problemas da instalação de um sistema de escape é o pareamento dos dutos. O pareamento serve para unir os dutos de escape de forma cooperativa, mantendo o espaçamento de 270⁰ entre os pulsos. Por isso normalmente vemos a combinação 1-4 / 2-3 em motores quatro cilindros. A grande dificuldade de pareamento acontece em motores com duas ou mais bancadas de cilindros. A exemplo dessa dificuldade de pareamento vamos analisar um V8 tradicional.

Os motores V8 com virabrequim de plano cruzado normalmente tem a seguinte ordem de ignição 1-8-4-3-6-5-7-2. Então o banco esquerdo de cilindros tem o espaçamento entre os pulsos de 270⁰- 180⁰- 90⁰- 180⁰ e o banco direito, de 90⁰- 180⁰- 270⁰- 180⁰. Vemos claramente que os pulsos são assíncronos. Essa característica causa a sobreposição dos pulsos e consequentemente o aumento da back pressure. Então usamos um coletor triplo Y, pareando os cilindros da seguinte forma. Banco esquerdo 1-5 e 3-7, banco direito 2-4 e 6-8. Dessa forma passamos a ter um espaçamento de 450⁰- 270⁰ entre os pulsos.

Podemos observar pela ordem de ignição, que em determinados momentos temos dois pulsos seguidos em uma bancada e nenhum na outra, esse evento causa um desbalanceamento de fluxo entre os bancos de cilindros. Para compensar essa diferença são utilizados tubos que ligam as bancadas, estes podem ser retos chamados de (tubos H) ou cruzados (tubos X). Há uma diferença significativa entre estes tubos de balanceamento, a capacidade de arraste de cada um.

Foto XV

Os tubos H permitem que os pulsos disparados pelos cilindros também alcancem a outra bancada, porém devido a sua ligação em 90⁰ a parede do tubo principal a transferência de energia acaba sendo mais baixa. Também por conta do ângulo de ligação reto, o arraste inercial também é baixo.

Foto XVI

Os tubos X são a evolução do modelo anterior e apresentam uma grande quantidade de energia transferida entre as bancadas. Isso acontece porque o ângulo de ligação é agudo, fato que acaba favorecendo o retorno do pulso refletido assim como ao arraste inercial.

 

Catalisadores

Foto XVII

Os catalisadores são responsáveis pela oxidação do monóxido de carbono (transformando o CO em CO₂) e pela redução dos óxidos de enxofre (convertem NOx em N₂). Para isso os catalisadores possuem três vias de conversão formadas por metais nobres, Platina (Pt), Paládio (Pd) e Ródio (Rh). Por conta destes metais a substituição de um catalisador é extremamente dolorosa ao bolso.

Foto XVIII

Conversores catalíticos são de suma importância para o controle de emissões, porém os modelos originais dos veículos apresentam grande restrição ao fluxo quando o assunto é performance. Então a solução é retirar substituir o catalisador por outro de alta performance. Estes modelos possuem uma área efetiva igual ou superior à área de admissão, deixando de ser uma restrição. Porém os catalisadores são prejudiciais aos pulsos de escape, pois sua colmeia acaba aniquilando a energia do pulso. Por isso não vemos catalisadores em carros de rali por exemplo.

 

Isolamento térmico

Foto XIX

Como já vimos, a temperatura dos gases na saída do cilindro é muito alta. Porém, devido a expansão e a transferência de calor para as paredes dos dutos, os gases resfriam e com isso perdem velocidade – resultando em aumento das perdas por bombeamento. Como não podemos evitar as perdas por expansão, nos resta reduzir a transferência térmica utilizando isolantes térmicos na parte externa dos dutos.

O isolamento mais comumente utilizado é a manta térmica feita de lã de rocha ou lã de vidro. São popularmente chamadas de “termotape”, apresentam baixa condutividade térmica, pouco desgaste em temperaturas elevadas (até 900 ⁰C em ciclo contínuo e 1200 ⁰C de modo intermitente) e baixo custo. Só tome muito cuidado se for fazer um DIY pois em contato com a pele elas coçam mais que pó-de-mico. Recomendo (por experiência pessoal) que, para manusear esse material, o amigo utilize luvas nitrílicas (de borracha), camisas grossas de algodão, calça e máscara respiratória. Porque fiapos se desprendem da fita e grudam pelo corpo principalmente nos braços.

Aos que são alérgicos e que mesmo assim querem insistir em fazer esse trabalho ou aos que desejam um grau a mais de proteção — para não passar horas debaixo do chuveiro tentando acabar com a coceira, aqui está a sugestão:

Foto XX

Existe um macacão plástico da DuPont chamado Tyvek® que serve como forno proteção total e pode ser reutilizado para diversos outros serviços, como pintura por exemplo. Ou num açougue. Brincadeira.

Outro tipo de isolamento muito mais sofisticado (e caro) é a deposição cerâmica por plasma. Apesar de um nome que parece ter saído de um laboratório de um cientista maluco, a técnica em si é simples.

Foto XXI

Partículas cerâmicas (normalmente Zircônia) são propelidas por um jato de plasma, assim ganham temperatura e carga elétrica. Ao se chocarem contra o metal (substrato) aderem formando uma barreira termoquímica nas paredes do tubo. Essa técnica é muito usada em turbinas, jatos de foguetes e nos coletores da F1 até a década de 1980.

Foto XXII

Então meus amigos, estes foram os segredos que eu pude passar sobre a magia negra do sistema de escape. Na próxima parte falaremos sobre escapes para motores dois tempos, silenciadores e sobre uma calculadora muito prática e bacana que estou preparando para vocês. Até lá!