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Smokey and the Bandit: como Burt Reynolds transformou o Pontiac Trans Am em um ícone do cinema

O mundo quase não conheceu Burt Reynolds, o ator, que morreu na última quinta-feira (6) aos 82 anos. Em vez disso, a notícia poderia ter sido sobre a morte Burt Reynolds, o halfback de futebol americano. Mas provavelmente sequer estivéssemos falando a respeito em um site como o FlatOut se Burt Reynolds tivesse seguido carreira como esportista em vez de tornar-se ator e, em 1977, estrear no clássico Smokey and the Bandit, traduzido no Brasil como “Agarra-me se Puderes”, no qual Bo “Bandit” Darville viveu um motorista de caminhão que topa contrabandear 400 caixas de cerveja Coors do Texas para o estado da Georgia.

Naquela época a cerveja Coors só podia ser vendida no oeste dos Estados Unidos – ainda não havia distribuição no leste, ou “do lado de lá do Mississipi”, o que naturalmente a tornava muito cobiçada por lá. De fato, a Coors era considerada uma das melhores cervejas à venda nos EUA nos anos 70 pois era uma das poucas que não usavam conservantes e estabilizantes no processo de fabricação, apostando na esterilização por temperatura. A ausência de aditivos, porém, fazia com que a cerveja ficasse “choca” em uma semana caso não fosse armazenada em um local refrigerado, o que estimulava a contratação de motoristas para levar de forma rápida e por baixo dos panos a bebida para a Costa Leste dos EUA.

Bandit tinha um prazo de 28 horas para levar a ir de Atlanta, na Georgia, a Texarkana, no Texas, pegar a cerveja, colocar no caminhão e voltar a Atlanta logo em seguida – uma viagem de 1.900 km que na vida real levaria cerca de 18 horas, ida e volta. Na trama, porém, a tarefa de Bandit seria bem dificultada pelo xerife Buford T. Justice, ou simplesmente “Smokey”, que se empenhava com dedicação a capturar contrabandistas de bebidas por aquela região.

O plano de Bandit era chamar seu amigo, Cledus Snow, também conhecido como “Snowman”, para dirigir o caminhão enquanto ele ia na frente com um Pontiac Firebird Trans-Am novo em folha, fornecido pelos mesmos caras que o contrataram para levar a cerveja, desviando a atenção das autoridades da carga ilegal.

A maior parte do filme se passa na estrada, em uma perseguição longa e cheia de percalços. As desventuras de Bandit, que encontra toda sorte de personagens divertidos pelo caminho e até se enrabicha com a noiva do filho do policial que o persegue, renderam a Smokey and the Bandit status de clássico – apesar de morno em sua estreia, no dia 19 de maio de 1977, semanas depois o filme já havia sido exibido em mais de 400 salas nos Estados Unidos.  Descolado, bem humorado e irreverente, Bandit se tornou um símbolo do “macho americano” e o Trans Am preto com detalhes dourados virou objeto de culto — ajudou o fato de o modelo da Pontiac, baseado no Camaro, ser um dos últimos muscle cars de verdade que haviam restado no fim daquela década. A imagem de Burt Reynolds de camisa, chapéu, bigode e um sorriso estampado no rosto ficou para sempre associada àquele carro, e o ator nunca fez questão de mudar isto.

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Burt Reynolds, que nasceu em 1936, ganhou uma bolsa para jogar futebol americano pelo time da Florida State University (FSU), e tinha o desejo de seguir carreira em equipes profissionais. Em 1957, porém, no primeiro jogo de seu segundo ano no time, Reynolds machucou o joelho e teve de ficar de fora dos jogos seguintes. Ainda naquele ano, um acidente de carro o colocou na mesa de cirurgia para remoção do baço. Os ferimentos e a operação prejudicaram sua capacidade em campo, e levaram Burt Reynolds a abandonar o futebol americano.

Florida State University Seminoles

Por algum tempo Burt considerou tornar-se policial mas, por insistência de um de seus professores, impressionado com sua interpretação de Shakespeare durante uma leitura, acabou entrando para o grupo de teatro da faculdade. Em pouco tempo Burt Reynolds começou a atuar em musicais da Broadway, migrando para participações especiais em séries de TV e estrelando em seu primeiro filme, o drama Angel Baby, em 1961.

Entre séries policiais e filmes de pouca expressão, foi em 1972 que Burt Reynolds conseguiu atingir o estrelato em Hollywood, com sua performance em “Amargo Pesadelo” (Deliverance, 1972). Smokey and the Bandit, contudo, pode ser considerado o filme definiu a carreira do ator e, sem dúvida, foi um marco em sua vida.

Burt Reynolds Sally Field Smokey and the Bandit 1977

Tanto que Sally Field, a atriz que interpretou Carrie, a noiva em fuga, veio a tornar-se esposa do ator inda naquele ano. Os dois foram casados até 1982 e atuaram juntos, ainda, em Smokey and the Bandit II, de 1980. Nos anos que se seguiram Burt Reynolds tornou-se conhecido por seus papéis em comédias e filmes de ação, e os cinéfilos costumam dizer que ele é um ótimo ator com filmes ruins demais.

O próprio Reynolds não se importava com esta reputação, e não era uma celebridade que levava muito a sério seu status de estrela de Hollywood, nunca teve tanto cuidado com seu patrimônio e fazia piada até mesmo com as decisões ruins que tomou no curso de sua carreira – como recusar os papéis de Han Solo em “Guerra nas Estrelas” (interpretado por Harrison Ford) e de Don Corleone em “O Poderoso Chefão” (o que era irônico, pois no início de sua carreira Reynolds era mesmo chamado de “dublê de Marlon Brando” pela semelhança física entre os dois).

Muito mais do que lhe servir de consolo, porém, Smokey and the Bandit garantiu que Reynolds jamais fosse esquecido – começando por seu desempenho matador na bilheteria, com mais de US$ 125 milhões arrecadados, ficando atrás apenas de Star Wars e seus US$ 225 milhões. E foi seguido por diversos filmes na mesma pegada, como próprio The Cannonball Run“Comboio” (Convoy, 1978) e o criticado Smokey and the Hotwire Gang, de 1979, que é considerado uma versão piorada do clássico e recebeu este nome para confundir quem já tinha assistido ao filme de Burt Reynolds.

Ele também pode ser considerado o cara que ajudou o Pontiac Firebird Trans-Am a se tornar um dos últimos muscle cars legais de verdade. Em 1977 os Estados Unidos ainda estavam passando por uma crise nos preços de combustíveis e, de quebra, as agências ambientais já começavam a apertar o cerco contra carros que emitiam muitos poluentes. Enquanto o Ford Mustang de segunda geração, lançado em 1974, havia assumido proporções mais compactas e até motores de quatro cilindros, o Chevrolet Camaro e seu primo, o Pontiac Firebird, seguiam como cupês arrojados com motor V8.

A Pontiac fez um acordo com o diretor do filme, Hal Needham, para que quatro exemplares do novo Trans-Am fossem cedidos à produção de Smokey and the Bandit em troca da publicidade, e ainda prometeu a Burt Reynolds um exemplar de presente caso o filme fosse um sucesso.

No ano de 1977 o Firebird foi reestilizado, ganhando uma nova dianteira com faróis quadrados, distanciando-se do Camaro em estética, e usava um V8 de 6,6 litros de 187 cv como motor de série na versão Trans-Am, sendo que havia um motor com carburador quádruplo de 203 cv como opcional. De qualquer forma, a aparição do carro em Smokey and the Bandit serviu como divulgação para o novo Trans-Am, e de fato a Pontiac viu as vendas do modelo mais que dobrarem em 1977, com 1.217 exemplares emplacados contra 533 carros no ano anterior.

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Os quatro carros usados nas filmagens acabaram destruídos, e Burt Reynolds jamais recebeu o exemplar que lhe havia sido prometido. Por medo de ser confundido com um daqueles famosos que ficam pedindo presentes, o ator decidiu entrar em contato com a fabricante meses depois. Para sua surpresa, o executivo que lhe havia prometido um carro tinha sido demitido, e o cara que entrou em seu lugar decidiu simplesmente não cumprir a promessa.

Isto não impediu, porém, que Burt Reynolds ficasse eternamente ligado ao Firebird. Ele já teve réplicas do carro usado no filme ao longo dos anos, e já se juntou mais de uma vez a oficinas de restauração para que fossem feitas réplicas “oficiais”. Aqui mesmo no FlatOut mostramos um deles, feito em 2007, em parceria com um canal de TV.

O carro, equipado com o motor opcional de 200 cv ficou idêntico ao Trans-Am do filme e ainda recebeu algumas melhorias, como barras estabilizadoras mais grossas, direção com relação mais direta e pneus modernos nas rodas de alumínio de 16 polegadas conhecida com “Snowflakes” por causa do desenho dos raios.

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Outro Trans-Am 1978, customizado por uma oficina chamada Restore a Muscle Car, foi leiloado em fevereiro de 2017 pela Barrett-Jackson, arrecadando US$ 275 mil, ou o equivalente a quase R$ 1,2 milhão.

O carro recebeu réplicas de 18 polegadas das rodas Snowflake, pintura especial em preto com detalhes na cor prata, e um V8 big block de 8,2 litros e mais de 600 cv debaixo do capô. O Trans-Am também tinha a assinatura de Reynolds bordada nos bancos e no painel.

Burt Reynolds também se envolveu recentemente no design e na promoção de um versão modernizada do Trans-Am, feita com base no Chevrolet Camaro de quinta geração, com um body kit totalmente inspirado pelo clássico da década de 1970.

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O carro, feito pela customizadora Trans-Am Depot, teve mais de 350 componentes modificados ou substituídos, incluindo todos os painéis da carroceria com exceção das portas. Faróis e lanternas eram exclusivos, projetados e fabricados in house, bem como o painel de instrumentos, os revestimentos internos e o console central.

Além disso, freios maiores, novos componentes na suspensão e até um teto targa feito de fibra de carbono também entravam na história. Eram planejados 77 exemplares, todos autografados pelo próprio Burt Reynolds, mas não se sabe se todos eles chegaram a ser encomendados.

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É bacana, porém, que Reynolds tenha se dedicado a manter a imagem de “Bandit” até seus últimos anos, apesar dos problemas de saúde que o deixaram notadamente debilitado.