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Solvitur ambulando: como usar seu carro de um jeito melhor simplesmente caminhando mais

Quando comecei a dirigir, além de usar o carro para fazer qualquer coisa ao lado da minha casa, eu também tinha o hábito de estacionar perto das entradas de shoppings e supermercados. Era algo inconsciente, talvez motivado pela preguiça que domina rapidamente nossas pernas quando deixamos de caminhar e passamos a dirigir. Como sempre tive horários “alternativos”, era fácil conseguir as vagas mais próximas.

E eu continuei fazendo isso até que, um dia, meu carro apareceu com um risco e um pequeno amassado na porta do passageiro. O tipo de coisa que você só repara depois que já está longe. É claro que fiquei furioso, não porque era meu querido carro, mas pela falta de cuidado, de educação e de conduta adequada ao convívio social de alguém que danifica a propriedade alheia e vai embora como se não tivesse feito nada. É… eu ainda ficava furioso com essas coisas.

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Quem nunca levou uma dessa?

Foi nessa mesma época que a realidade jogou na minha cara de moleque que curtir o carro não é um prazer gratuito, e muito menos barato. Pastilhas de freio no osso, pneus no TWI com menos de 15.000 km e duas trocas de óleo em seis meses. Sem contar o tal do “uso severo”, que fatalmente me traria uma conta maior ainda dali a dois ou três anos.

Já falamos sobre isso, mas não custa relembrar: quando você sai de casa com o motor frio, roda cinco ou seis quilômetros, estaciona o carro, depois sai para almoçar ou volta para casa no fim do dia com o motor novamente frio, e roda mais cinco ou seis quilômetros, você está fazendo-o trabalhar com lubrificação deficiente, pois o óleo não atingiu sua temperatura ideal. É daí que vêm as borras de óleo no motor.

Paguei a revisão, os pneus e consertei o carro. Decidi que meu carro não seria destruído precocemente nem por mim, nem por motoristas anti-sociais que batem no carro dos outros nos estacionamentos. E eu faria isso andando menos de carro. Usando menos o carro, eu poderia usar melhor meu carro. De quebra, eu gastaria menos para gastar melhor.

A solução foi caminhar mais. Primeiro deixei de usar o carro para trajetos curtos e passei a percorrê-los a pé. Com isso os números do odômetro passaram a aumentar mais lentamente, as trocas de óleo ficaram mais espaçadas e o óleo menos “sujo”.

Alguns meses mais tarde passei a trabalhar no centro da cidade, a uns 10 km de casa. Passei a ir de carro e precisava de um estacionamento. Todos os estacionamentos próximos ao trabalho eram lotados, e mesmo os mensalistas precisavam deixar as chaves por lá. Mas havia um shopping a uns 800 metros do trabalho com vagas para mensalistas a um preço bem interessante — especialmente porque eu poderia usar o estacionamento livremente, sem restrição de horário ou dias da semana, nem vagas marcadas.

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Como resultado eu continuei usando o carro para ir trabalhar sem deixar de caminhar. Faça as contas: eu caminhava do estacionamento para o trabalho ao chegar pela manhã, depois ia até o carro ler ou assistir algum filme ou ouvir música no carro na hora do almoço, voltava para o trabalho no início da tarde e depois caminhava do trabalho para pegar o carro e ir embora. Quatro percursos de 800 metros por dia, 3.200 metros ou 16 km por semana.

Só que no estacionamento eu ainda tinha o hábito de estacionar perto dos acessos às lojas. E numa dessas alguém sem noção estacionou entre meu carro e a vaga para deficientes físicos, bem naquele espaço que os cadeirantes usam para montar suas cadeiras e descer do carro. Como resultado, além de ferrar o cadeirante, o sujeito marcou a lateral do meu carro ao abrir a porta naquele espaço apertado.

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O sujeito estacionou desse jeito aí, em cima da área zebrada

Não fiquei puto com o shopping. O estacionamento tem responsabilidade legal sobre o que acontece com meu carro, mas acho demais exigir que eles controlem 100% dos idiotas do planeta. É muita gente para tão poucos funcionários.

O ocorrido me fez cair na real: se eu caminho 800 metros para ir e voltar do trabalho, o que são 20 metros até aquela vaga esquecida no canto do estacionamento, onde ninguém passa e onde ninguém quer estacionar? E foi assim que, desde então, passei a estacionar o carro longe das entradas e acessos. Como resultado, além de nunca mais ter meu carro amassado ou riscado, agora também evito a chatice de ficar atrás de motoristas que congestionam o estacionamento por que querem uma vaga perto da entrada.

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O único motorista do mundo que quer estacionar perto da porta de entrada. Certo…

Caso você esteja se perguntando, “solvitur ambulando” significa algo como “resolver caminhando”. É uma frase cunhada pelo filósofo Aurelius Augustinus Hipponensis, mais conhecido como Santo Agostinho, ao descrever a solução de Diógenes, o Cínico, sobre um dos paradoxos de Zenão. Diógenes, ao ser questionado se o movimento era real ou não, levantou-se e saiu do recinto em que se encontrava sem pronunciar uma única palavra.

Ao ser questionado sobre a atitude grosseira, explicou que acabara de resolver o paradoxo simplesmente caminhando. Por esta razão, hoje se diz que quando caminhamos para refletir, pensando com mais clareza, quase como uma meditação, estamos “resolvendo com uma caminhada”.

Numa dessas você até resolve aquele dilema sobre a próxima etapa do seu project car.