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Super Fuscão 1600 S: uma reunião do “Bizorrão”, a primeira série especial do Fusca

A certa altura da quinta-feira eu avistei ao longe um Passat Plus 1984 na praça Adhemar de Barros, em Águas de Lindóia. É um dos meus clássicos nacionais favoritos porque foi o único carro do meu avô paterno que eu lembro. O “seo” Alencar era um cara bem velhinho, de um tempo em que nem todo pai de família dirigia, porque carro não era coisa pra todo mundo. Sua primeira habilitação foi emitida em 28/03/1968 — eu sei porque fiquei com a CNH dele —, quando ele já tinha 53 anos completos. Também como um cara de seu tempo, ele teve apenas carros da Volkswagen, “porque eram confiáveis, robustos e bons de revenda”. Até hoje minha avó tem essa opinião sobre os Volks.

A Brasília branca deve ter sido seu terceiro ou quarto carro, mas também foi o penúltimo, trocado em 1988 pelo tal Passat Plus 1984 que um tio deu a ele depois que começou a comprar Monzas em série. Então  era nesse Passat Plus que eu passeava com o vô Alencar. O carro ainda passou uma temporada na minha garagem — “minha” é licença poética: eu tinha 5 anos quando meu pai vendeu a Belina e, enquanto o Escort não chegava, o Passat foi nosso carro de uso diário por um tempo; não sei quanto.

O fato é que o Passat foi o último carro dele, porque em 1990, voltando de uma viagem, ele deu uma senhora porrada com o Volks e se convenceu de que estava velho demais para dirigir. Sensato, ele, que nunca foi assim um ás do volante.

Como eu não via um Passat Plus pessoalmente desde 1990, estávamos eu e o Juliano a caminho do exemplar exposto no gramado de Águas de Lindóia quando nos deparamos com um “Bizorrão” que rebocava um simpático Karman Caravan RE-350, pintado no mesmo tom de amarelo (amarelo imperial) do carro.

Então desviamos o olhar para o lado e percebemos que ele não estava sozinho: havia uma nuvem de super besouros reunida em uma quantidade raramente vista. Eram mais de dez exemplares do “Bizorrão”, de todas as cores disponíveis nos dois anos em que foi produzido. O Passat ficou para depois. Primeiro precisamos registrar o momento e os detalhes — porque apesar de ser um Fusca, não é todo dia que se encontra um desses em perfeito estado e com as características originais. Quanto mais 10 ou 15 deles.

“Bizorrão”, apesar de ter grafia e sonoridade de apelido popular, foi um termo usado pela própria Volkswagen na publicidade desta que foi a primeira versão especial do Fusca. Para entender o porquê do Fusca ganhar uma série especial depois de tanto tempo de estrada no Brasil, você precisa saber que ele foi lançado em 1974.

Isso traz um contexto: naquele ano a Volkswagen lançou o Passat e o Fusca já enfrentava a concorrência de modelos mais modernos como o Ford Corcel e, principalmente, o Chevrolet Chevette. Se até então o Fusca era absoluto no mercado, a partir dos anos 1970 as coisas mudaram e ele precisou mudar para se manter atraente.

E foi assim que nasceu a primeira série especial do Fusca, em outubro de 1974.  Bem… ela nunca foi chamada de série especial oficialmente, mas se considerarmos sua inspiração, seu conteúdo e seu período de produção, não há como classificá-lo de outra forma.

O Super Fuscão 1600 S, como foi batizado oficialmente, fazia na fábrica o que o público andava fazendo nas ruas com o Fusca: dupla carburação, volante esportivo de três raios da Walrod, alavanca de câmbio encurtada, amperímetro, conta-giros, relógio e termômetro do óleo do motor, além dos bancos reclináveis (inéditos no Fusca, até então) e revestimento de carpete em vez do vinil “carrapatinho”.

As rodas de 15 polegadas originais do Fusca davam lugar às rodas de 14 polegadas da Brasilia, com tala mais larga para comportar os pneus diagonais 175 e aumentar as bitolas para dar ao “Super Fuscão” uma dinâmica mais acertada para quem procurava algo mais esportivo. Os freios eram a disco na dianteira e a tambor na traseira. A Brasilia também cedeu o motor 1600, que recebeu dupla carburação para produzir 5 cv a mais no Fusca, chegando aos 65 cv.

O visual originalmente seria inspirado pela versão estrangeira Sports Bug, vendida na Europa, com apelo jovem — algo evidenciado pelo material publicitário e pelo uso de gírias (de um jeito que parece um tiozinho se passando por jovem). O carro tinha cores vibrantes e uma longa faixa contrastante que percorria as laterais passando pela traseira.

O Super Fuscão chegou a ser testado no Brasil com um arranjo de faixas semelhante às do TL  No fim das contas, a Volkswagen desistiu das faixas e adotou apenas um scoop preto feito de fibra sobre os respiros do capô, que passaram a atuar como uma espécie de indução para os carburadores. Aliás, engana-se quem pensa que ele é apenas uma caixa plástica sobre a tampa original: no Fuscão a tampa não era aletada, mas sua estamparia era totalmente aberta sob o scoop que captava o ar fresco para o cofre. E temos até a foto para mostrar:

No lançamento, a Volkswagen repetiu o estilo da campanha europeia com um material publicitário combinando personagens ilustrados, cores vivas e fotos do carro, além das gírias e uma versão brasileira do nome Sports Bug: Bizorrão.

As quatro cores do Super Fuscão 1600 S: ao fundo, na direita, o amarelo imperial (1975), em primeiro plano, à direita) o amarelo safari (1974), seguido pelo vermelho rubi (1974 e 1975) e pelo branco lótus (1974 e 1975)

A escolha de cores, contudo, foi mais conservadora que o Sports Bug. No primeiro ano as opções eram amarelo safari, branco lótus e vermelho rubi, enquanto no segundo ano o amarelo imperial substituiu o amarelo safari e, dizem, o azul caiçara entrou em cena. Por dentro, ele poderia ser preto ou castor (um tom de ocre) e, nos carros pintados de branco lótus ainda poderia ser vermelho, enquanto os carros vermelho rubi poderiam ter o estofamento também na cor areia (um tom de bege claro).

O carro foi lançado em outubro de 1974 e foi produzido somente até o abril de 1975. Como a Volkswagen apresentou a linha 1975 já em novembro, o Super Fuscão 1974 foi produzido, na prática, por apenas um mês, o que faz dele bem mais raro que o modelo 1975, produzido ao longo de seis meses. E você pode diferenciá-lo pela identificação da plaqueta, pelos selos serigrafados nos vidros, pelo revestimento do teto e pelas lanternas traseiras — isso, para resumir a história.

O número de unidades é um dos grandes mistérios do Fusca. Uma matéria do jornal O Globo de 1º de maio 1975 menciona que o Super Fuscão deixaria de ser produzido depois de apenas seis meses e 3.000 unidades “desde outubro do ano passado”. O jornal também menciona a produção de 1.600 unidades entre janeiro e fevereiro de 1975.

No site Autoentusiastas, o especialista nos modelos Volkswagen, Alexander Gromow, menciona que a revista O Cruzeiro citou, na época, que a produção seria encerrada pois a Volkswagen havia produzido as 5.000 unidades para homologar o carro pelas regras do Grupo 1 da FIA — algo que corrobora a tese de que ele é uma série especial limitada.

 

Felizmente os entusiastas estão empenhados em resolver este mistério: o Clube do 1600 S teve acesso a um documento técnico da Volkswagen que menciona a produção de 5.758 motores 1600 S — eles eram identificados por uma plaqueta, que os diferenciava dos 1600 da Brasilia que, na época, usava só um carburador —, o que indica que a Volkswagen pode ter produzido mesmo as 5.000 unidades e que ele era realmente uma versão de homologação do motor 1600.

O amarelo imperial (mais intenso, em primeiro plano) ao lado do amarelo safari (mais claro, ao fundo)

No dia 2 de maio de 1975 a Volkswagen lançou o novo Fuscão, com o motor 1600 de carburação simples, substituindo o Fuscão 1500, que foi produzido somente até 1974.

Outro mistério que orbita no universo do Super Fuscão 1600 S é a existência de exemplares na cor azul caiçara. Há quem diga que alguns exemplares foram pintados com esta cor e até existe um 1600 S de plaqueta pintado de azul caiçara. Infelizmente, os membros do Clube do 1600 S não conseguiram validar a existência do modelo — na época era comum haver repinturas completas em concessionárias e encomendas especiais baseadas em modelos já faturados nas lojas. Um dos exemplares azul caiçara, por exemplo, embora jamais restaurado, tem todas as características corretas de um 1600 S, porém tem na plaqueta o código de cor 001, que identifica o branco lótus. Esse mistério, infelizmente, ainda levará algum tempo para ser resolvido.

Por último, para matar a curiosidade sobre o reboque Karmann Caravan, trata-se de um reboque RE 350, lançado em 1974 (mesmo ano do Bizorrão, portanto), de 1,10 metro de comprimento e 1,40 metro de largura, o que resulta em uma capacidade total de 350 litros/350 kg. Como era feito de chapa zincada a fogo, pesava apenas 130 kg.

Ah, e o Passat Plus ficou para o fim do dia. Exatamente como eu lembrava dele, com seus bancos baixos, falantes nas laterais traseiras, volante “cachorrinho”, para-choques na cor da carroceria e calotas integrais sobre a roda prateada de aço estampado. Igualzinho ao carro do vô Alencar.