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História Motos

Suzuki Katana: a lendária “moto do futuro” completa 40 anos

No momento, o look da moda para as motocicletas é o retrô, inspirado nas clássicas feitas até a década de 1970. Um estilo esbelto, minimalista, com linhas arredondadas e o mínimo de carenagens. O estilo das primeiras trail, com para-lama alto e pneus tijolinho, também anda bastante popular. E há um bom motivo para isto: o visual despoluído remete à leveza, à pureza e ao espírito analógico das motocicletas de antigamente.

 

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Mas o passado das motos guarda diferentes tendências e estilos que podem servir de inspiração para o presente e para o futuro. Como a Suzuki Katana, esportiva dos anos 80 cujo design foi visto com estranheza no início, mas hoje está entre os mais influentes de todos os tempos. Pudera: segundo a Suzuki, a Katana original foi a primeira moto projetada sob encomenda por um estúdio de design. O resultado foi uma moto que, em 2021, definitivamente não parece ter acabado de completar seus 40 anos.

A variedade de motos da Suzuki que receberam o sobrenome Katana é bem grande – há versões de 550cc, 650cc, 750cc e mais. Só que a original mesmo foi lançada em 1981, e não se parecia com nada que veio antes.

 

Quebrando o molde

No final da década de 1970, as fabricantes japonesas já haviam dominado a arte de fazer as chamadas “Universal Japanese Motorcycles” (UJM) – motos de estilo conservador, com linhas arredondadas, ergonomia voltada ao conforto e motores grandes, bons de pegar estrada. As UJM foram muito bem recebidas dentro e fora do japão, e acabaram meio que estabelecendo uma fórmula que acabou seguida no mundo todo – e depois, ramificou-se, dando origem a outros estilos de motos com apelos distintos a vários públicos.

Àquela altura, porém, as UJM já estavam saturadas. Não em qualidade, porque eram boas motos, mas em estilo. Todas eram bem parecidas, e quem não entendia muito de motos poderia até achar que era tudo a mesma coisa. Na Europa, onde as motocicletas japonesas já eram bastante populares, as fabricantes locais também não faziam muito para inovar – ainda que, com linhas mais horizontais, carenagens e para-lamas mais volumosos, as motos europeias de média e grande cilindrada tivessem seu próprio estilo.

Europa ou Japão, tanto faz: o caso é que, em 1980, uma revista alemã chamada Motorrad decidiu que era hora de agitar um pouco as coisas e criou um concurso para definir “a cara” das motocicletas da nova década. Três estúdios – a Porsche Design, a Italdesign e a Target Design – inscreveram seus protótipos, e o público decidiria qual era o melhor.

O conceito da Porsche era bastante… conceitual. Não parecia uma moto de verdade, mas sim uma escultura art-déco, com rodas fechadas, carenagem embutida ao quadro e lugar para apenas uma pessoa.

 

O conceito da Italdesign, obviamente estilizado por Giorgetto Giugiaro, era baseado na Suzuki GS850. Tinha uma carenagem de bom tamanho na dianteira, com farol quadrado e retrovisores embutidos – lembrava, com um pouco de imaginação, as motos usadas pelos patrulheiros americanos. Pelo esquema de cores, inclusive.

O terceiro conceito foi o vencedor. Criado pela Target Design, ele usava como base a italiana MV Agusta 750S America – mas era completamente diferente. A 750S era uma cafe racer à moda antiga, com formas arredondadas, guidão baixo, banco para uma pessoa e rabeta curta.

A Target Design a depenou por completo e deu a ela um visual totalmente oposto – futurista e elaborado, com carenagem envolvente, muitas linhas retas e ângulos por toda a parte. Da ponta do para-lama dianteiro à base do tanque, formava-se um único volume do qual brotavam as extremidades do guidão. O banco continuava individual e a rabeta ainda era alta, mas o contorno da traseira agora lembrava um pequeno spoiler, e o para-lama cromado da MV Agusta original deu lugar a uma peça envolvente de plástico.

Em retrospecto, a proposta da Target Design era a que mais se parecia com uma motocicleta de verdade, ao mesmo tempo em que propunha um estilo realmente novo e factível. O conceito foi apresentado no Salão de Köln ainda em 1979 e recebeu elogios do público e da imprensa.

Mas não foram apenas eles. A Suzuki, que estava de olho no resultado do concurso, também gostou do que viu – por mais que fosse a Italdesign que tivesse usado uma Suzuki como base. Então, depois da exibição, os japoneses foram procurar os alemães e encomendar algo parecido.

 

Os pais da criança

A essa altura você deve estar se perguntando quem era essa tal Target Design. E a resposta ajuda a entender a qualidade de sua criação: a empresa foi fundada naquele mesmo ano de 1979 por Hans Muth, Hans-Georg Kasten e Jan Fellstrom – três ex-projetistas da BMW Motorrad que ficaram bem satisfeitos com a nova “proposta de emprego”.

Na época a moto topo-de-linha da Suzuki era a GSX-1100, uma UJM bastante conservadora com motor moderno – um quatro-cilindros DOHC com 100 cv redondos que andava muito bem na estrada. Lançada em 1979, a moto foi recebida de forma previsível: agradou pelo conjunto mecânico, mas seu estilo foi considerado pouco atraente, sem inspiração.

A Suzuki estava ciente disso e queria mudanças. Rápido. Por isso, não perdeu tempo e contatou logo a Target Design para criar o novo estilo da GSX-1100.

Em entrevista recente ao site Bennett’s, Kasten falou um pouco sobre o processo criativo por trás da Suzuki Katana, e sobre como ele gostou de trabalhar nela. E ele não mediu as palavras.

“A primeira GSX-1100, projetada no Japão, era incrivelmente feia, e a Suzuki pediu para modificarmos seu estilo o mais rápido possível. Por isso, falaram para não fazermos nenhuma mudança técnica, só criar um estilo completamente novo. Começamos em novembro de 1979 com desenhos e o enviamos para o Japão. Eles gostaram e pediram para criarmos um protótipo, então o fizemos usando clay (argila) e o apresentamos lá. A partir daí, eles fizeram questão de lançá-la o mais rápido possível.

Não é sempre que isso acontece. Geralmente, quem encomenda algo novo diz que é preciso pensar nas pessoas mais conservadoras, que é preciso ter cuidado, que não dá para ser futurista demais. No caso da Suzuki, eles não estavam esperando nada em específico. A gente podia fazer o que bem entendesse.”

E assim foi. A Target Design teve toda a liberdade possível para criar uma moto, desde que ela estivesse dentro das normas para rodar nas ruas.

 

Uma “moto-design”

Para Kasten, o que realmente colocava a Katana à parte de outras motos era o simples fato de ela demonstrar atenção ao estilo. “Na época não havia muitos designers projetando motos. Naquele tempo, uma motoera um tanque, um banco, e a tampa da bateria. Dava para mexer e mudar um pouco, mas ninguém via a moto inteira como uma escultura.”

E era justamente essa a ideia da Katana – dar mais “substância” ao estilo das motos, sem apelar para uma mera carenagem adaptada. O nome remetia à tradicional espada curva usada pelos samurais. Mas, olhando para ela, a última coisa que vinha à mente era tradição.

Boa parte da identidade visual da Katana nascia do tanque – que, sendo usado por uma sport tourer, precisava não só oferecer boa capacidade, mas também garantir uma posição de pilotagem confortável. Se fosse largo demais, o tanque obrigaria o piloto a sentar-se muito para trás, ou a ficar com as pernas muito abertas.

A solução foi tornar a base do tanque mais alongada e estreita, alargando-se na parte superior, que foi deslocada para a frente. O restante da moto, então, foi desenhado ao redor do tanque: a carenagem pontiaguda na dianteira, presa ao quadro – e  não ao garfo, como era costume na época – o banco com um ângulo de quase 90° na parte anterior; as laterais em plástico, acompanhando as linhas do tanque, e a rabeta empinada, com uma enorme lanterna quadrada. O farol também era quadrado, com uma bolha pequena e quase totalmente vertical.

A ideia da carenagem integrada ao quadro veio da experiência de Kasten com a BMW: ele deu uma volta na R90S, que tinha um boxer bicilíndrico de 900cc e chegava aos 200 km/h, e viu que o bloco óptico da moto tremia muito por conta da fixação da carenagem às bengalas – algo que foi eliminado no design da Katana.

Um aspecto interessante do desenho da Katana é como é fácil descrevê-lo – os elementos de estilo, afinal, são poucos. O conjunto formado por eles, porém, é tão distinto que fica difícil confundir a Katana com qualquer outra motocicleta da época.

 

Eficácia comprovada

Do conceito inicial à versão de produção da Katana, passaram-se menos de dois anos. Parte disso se deve ao fato de que, por baixo da carenagem futurista, a Katana era um GSX1100 como qualquer outra, com o mesmo motor DOHC de 1.074 cm³, 111 cv (11 a mais que a GSX normal) e 9,9 kgfm de torque, ligado a um câmbio de seis marchas com embreagem banhada em óleo.

A aerodinâmica, porém, fazia diferença: a Suzuki Katana era capaz de chegar até os 237 km/h – um ganho palpável ante os 228 km/h que atingia a versão clássica.

A Katana também tinha os elementos tradicionais das motos de cilindrada equivalente – quadro de berço duplo, suspensão com garfo telescópico na dianteira e duplo amortecedor na traseira e carburador (um Mikuni de corpo duplo). O segredo estava em disfarçar o arranjo tradicional com um aspecto verdadeiramente inovador.

Se falarmos que deu certo logo de cara, será uma imprecisão: a Katana hoje é respeitada e considerada a precursora das superesportivas carenadas modernas – influências de seu estilo podem ser vista em uma infinidade de motocicletas que vieram depois, da Honda CB750 à primeira Kawasaki Ninja. Mas, na época, ela foi considerada um tanto ousada demais. Consequência de estar à frente de seu tempo, imaginamos.

A Suzuki não deixou a Katana original durar tanto tempo, porém: ela foi fabricada entre 1981 e 1985, e só. O nome foi aproveitado depois em outras motos da Suzuki – chegou até a década de 2000. Mas os fãs da original não curtem muito esse abuso de identidade: motos bem mais conservadoras, como a GS650, foram chamadas de Katana pela Suzuki, e isso é considerado meio que um desrespeito ao legado da clássica de 1981.

Isso só foi resolvido recentemente, em 2020, quando a Suzuki colocou no mercado a Katana atual. Apresentada como conceito em 2018, ela chegou às ruas como mais uma motocicleta retrô diferente só pelo fato de ser inspirada em um projeto oitentista, e não em algo mais antigo. Não é o que está na moda hoje em dia, mas o respeito com que a Suzuki tratou o estilo da original é notável.

A nova Katana é baseada na GSX-S1000, uma naked com motor quatro-cilindros DOHC de 150 cv que arranha os 300 km/h – e é vendida no Brasil como GSX-S1000A. A Suzuki chegou a registrar a nova Katana no Brasil no fim de 2019, mas a pandemia de Covid-19 acabou colocando de molho os planos. Seria interessante vê-la por aqui, não?