Fala, galera! Tô de volta! Na primeira parte contei sobre como surgiu a idéia do meu pai, Humberto Casadei, de construir no ano de 1990 um carro – agora já podemos chamá-lo pelo nome, PUTZ! – compacto/urbano do zero, em casa. Ou melhor… na varanda do apartamento! Não viu? Confere aqui!
Mãos à obra!
Para iniciar os trabalhos meu pai decidiu montar o chassi. Utilizando desenhos em CAD ele idealizou, desenhou e fabricou o chassi inferior do carro utilizando tubos redondos (Metalon) unidos por solda MIG. Calma… CAD? Em 1990? Sim: ele utilizou o software de desenho mais confiável na concepção dele, o Casadei Arranja o Desenho (desculpa o trocadilho infame).
Infelizmente a etapa de fabricação do chassi não foi fotografado, mas aí está ele pronto! (Note o banquinho para teste de ergonomia)
Assim que o chassi inferior ficou pronto foi colocado sobre calços e, para ficar próximo ao que seria o formato do carrinho, foi feito uma gaiola de madeira para simular a parte de cima e verificar se a altura de rodagem, ergonomia e o próprio design estavam ok. E estavam!
Eu servindo de referência para as dimensões do carro. Pra mim ele era um brinquedo!
Para a suspensão traseira direita foi criado um sistema do zero. Um braço frontal servia de ancoragem para a roda. Já os amortecedores eram de uma moto CG e foram ancorados na parte superior através de um suporte soldado ao chassi. Do lado traseiro esquerdo seria da mesma forma, porém com um componente extra. Mas isso será detalhado mais à frente.
Já a suspensão dianteira era do tipo braço independente. Um pequeno Frankenstein montado a partir de peças de Passat, amortecedor de moto CG, buchas e pivot de Chevette. Segundo meu pai, a suspensão foi uma pequena homenagem à industria nacional! Tá aí! Bela homenagem!
Os freios foram “doados” e modificados também do Chevette. Para a coluna de direção outro nacional teve que ir para a sala de cirurgia após seu óbito. Dessa vez um Fiat 147. Mas por um bom motivo!
Suspensões Frankenstein e coluna de direção. Homenagem à indústria nacional
A montagem da coluna sobre o eixo foi trabalhoso, pois a distância do volante à caixa de direção era muito menor que o original. A correta posição da direção foi definida, novamente, com testes práticos. Dessa vez com uma cadeira mais anatômica na altura do banco definitivo.
Eu e minha irmã fazendo testes de dirigibilidade e ergonomia.
Como dito no texto anterior, a mecânica seria aproveitada de uma Vespa. Mas no meio do caminho aconteceram mudanças. Não seria mais uma Vespa, mas duas Vespa! Foram adquiridas duas para aproveitar as melhores peças de cada uma. A partida, por exemplo, era elétrica em uma delas. Já o motor estava em melhor estado em outra.
Dessa forma, os comandos do acelerador, freio e embreagem vieram da Vespa mesmo, porém receberam uma adaptação para os suporte dos pedais do Fiat 147. Já a embreagem se manteve acionada pelo guidon – montado ao lado do volante.
Para o trem de força foi utilizado o próprio motor de 200cc e 14 cv de uma das Vespa disponíveis. Ele foi montado junto à roda traseira esquerda, aproveitando a montagem conforme era originalmente. Desta forma, o veículo era um inédito (até onde eu sei) 4×1 com tração traseira esquerda e motor igualmente traseiro esquerdo!
Motor, suspensão e demais componentes montados na traseira.
Sábados de trabalho
Uma pequena pausa nos dados técnicos para contar um pouco mais sobre como eram os dias de trabalho no carrinho!
Durante os dias de semana meu pai pensava, criava e projetava como seriam as peças e ferramentas necessárias para dar andamento ao projeto no final de semana. Alguns componentes precisavam ser feitos ou preparados em oficinas especializadas, lojas de autopeças, tornearias, etc. Dessa forma, eram encomendados na segunda, para que no final de semana já estivessem prontos. Na sexta à tarde meu pai passava em cada uma das oficinas e buscava as encomendas.
As ferramentas utilizadas tiveram as mais diversas origens. Desde compradas, até emprestadas, doadas, construídas, modificadas… Enfim, era feito o que dava com o recurso que tivesse disponível! Só não podia ficar um sábado sem construir um pedacinho do Putz!
Sábado era o dia oficial de mexer no carro. E, como já diriam os Beatles: “with a little help from my friends”! Dar palpites, tomar cerveja, comer uns petiscos, jogar conversa fora, falar de futebol e… ajudar na montagem, é claro! Parte elétrica, soldagem, acabamento, tudo era motivo pra chamar os amigos e passar o final e semana juntos!
Mesmo com a ajuda dos amigos, ainda existiam várias dúvidas e dificuldades. É claro que não faltava a pergunta: “Como vai descer, já sabe?” A resposta para isso veio em forma de uma faixa colocada na varanda: “Não me pergunte como vou descer o Putz!”
De volta aos trabalhos
Nesse ponto, o chassi superior já estava pronto, porém por questões logísticas não foi soldado ao chassi inferior logo de início. Um dos motivos foi a necessidade de reforços na estrutura. Dessa forma, era possível fazer modificações mais facilmente. Além disso, havia a questão de como ele iria descer dali! Por incrível que pareça, por mais que o projeto já estivesse adiantado, não havia um plano definido para levar o carro até as ruas.
Lalá (um dos amigos) ajudando a soldar reforços no chassi superior. Detalhe para a tábua de queijos sobre o chassi inferior.
Alguns ajustes aqui, outros reforços estruturais ali… o carro foi ganhando forma e funcionalidade! Mas o tempo todo ele não passava de um esqueleto, ainda faltava algo para ele se tornar um carro de verdade!
Esqueleto do Putz! na varanda e com a cidade ao fundo.
Carroceria – começando a tomar forma!
Para deixar de ser só um feio esqueleto e passar a ser pele e osso, iniciou-se a montagem da carroceria. E já diria Colin Chapman: “Simplifique e adicione leveza”. A carroceria – na cor amarela para dar mas destaque e chamar atenção por questões de segurança (afinal era um carro muito pequeno e precisava ser visto nos retrovisores) – foi construída com fibra de vidro. Leve, de fácil manuseio, simples de se construir e esteticamente perfeita.
As chapas de fibra eram colocadas sobre o chassi para verificar dimensões e estética. O estúdio de design era na própria varanda e a prancheta era o chassi! Recortes, emendas, ajustes… Era tudo feito ali mesmo. As chapas eram unidas inicialmente e provisoriamente com fitas adesivas para, caso houvessem modificações, fossem facilmente retiradas e retrabalhadas. Claro que o desenho inicial já estava definido, porém pequenos ajustes sempre são necessários.
Montagem da carroceria. Mock-up, uniões com fita e o primeiro teste – já com superlotação.
Segundo meu pai, a Lei de Murphy esteve presente do início ao fim do projeto, mas nem por isso ele parou. Já diria Dadá Maravilha: “Toda problemática tem uma solucionática”. E não foi diferente durante a gestação do pequeno grande carro!
As lanternas foram aproveitadas de lanternas traseiras de caminhão e posicionadas verticalmente na única região de chapa da traseira. Os faróis vieram também da moto CG. Vários elementos de design estavam presentes na carroceria, como a própria chapa de alumínio, rebaixada em relação ao resto da traseira. Um rebaixo também percorria todo o perímetro da carroceria, na altura das rodas, dando mais suavidade ao design. Na dianteira vincos em ângulo foram adicionados dando um charme e um quê de entrada de ar esportiva! Na lateral esquerda haviam duas aberturas funcionais próximas à caixa de roda para refrigeração do motor.
As portas seriam suicidas, num formato não convencional e com abertura bem grande; tudo isso para facilitar a entrada e saída de motorista e passageiro. Numa das sessões de palpites, um dos grandes amigos do meu pai, o Léo, sugeriu que fosse adicionado uma divisão na porta para que ficasse mais agradável visualmente e melhor estruturada. Palpite que deu ao carro um toque genial e único.
Teste das portas suicidas e verificação do design.
A carroceria superior permaneceu separada da inferior até o ponto no qual se decidiu não utilizar o elevador para descer o Putz! A síndica do prédio já ficava furiosa quando eu e as crianças do prédio sujávamos as paredes com a bola, imagina o elevador com as marcas das rodas! Brincadeiras à parte, o plano de descida já estava sendo definido (cenas dos próximos capítulos).
Como o carro aceitava para si mesmo críticas e sugestões, um dos grandes amigos do meu pai resolveu dar um toque exclusivo ao pequeno e deu de presente para o Putz! (e pro meu pai) um teto solar – raro e caro naquela época! Ele foi instalado e deu outra cara ao carro!
Carrocerias superior e inferior ainda separadas e uma possível versão spider!
Com a carroceria já unida: Léo e minha mãe ajudando na definição do grafismo. 0.2l e 4×1
O interior era espartano. Nada mais que o necessário para sair andando por BH
Legenda: Eu, doido pra sair dirigindo pelas ruas de BH
Após 54 semanas (ou 54 finais de semanas), 1.296 cervejas, 15 garrafas de whiskies, 4.320 pães de queijo e 60 kg de queijo (foi tudo contado!), o Putz! estava pronto para ganhar as ruas de Belo Horizonte! Quase pronto… Ele ainda tinha que entrar no casulo, criar asas, para dali a algumas semanas sair voando daquela varanda.
Bom… nesse ponto já estava decidido qual seria a forma de descida. Mas, para vocês o fim do segredo e a experiência de rodagem por BH fica pro próximo episódio! Até a próxima! Fiquem com os dados técnicos, enquanto isso.
Informações técnicas:
Comprimento: 1.920mm; Largura: 1.100mm; Altura: 1.420mm; Entre-eixos: 1.430mm.
Motor: 0.2 litros, 1 cilindro, 2 tempos, 14cv, traseiro.
Tração traseira esquerda (4×1). Câmbio de 4 marchas.
Suspensão independente nas 4 rodas.
Freio a disco nas rodas dianteiras e tambor nas traseiras.
Rodas aro 10”
Peso em ordem de marcha: 210kg
Putz! Pronto. Mas… eu quero é ir pra rua!
Por Carlos Casadei, Project Cars #209