É difícil encarar a realidade às vezes, mas é fato que a indústria automotiva brasileira não tem nomes de peso como a Alemanha, os EUA ou a Itália. No entanto, temos nossos motivos para nos orgulhar — como o Willys Interlagos que, apesar de ser um francês naturalizado brasileiro, tem pedigree de rali e é bastante admirado lá fora. Tanto que há , principal site de classificados dos EUA. A pergunta é: o que um Willys Interlagos está fazendo lá fora?
A verdade é que o Interlagos é uma versão do tropical do Alpine A108, esportivo no Salão de Genebra de 1957, que em 1961 passou a ser produzido no Brasil sob licença pela Willys Overland e se tornou o primeiro esportivo nacional. O Alpine A110, que foi o primeiro campeão do WRC, é uma evolução direta do A108, e ambos eram baseados no Renault 4CV, popular que, no Brasil, é conhecido como “Rabo Quente” por seu motor na traseira.
Infelizmente, nosso Interlagos jamais recebeu um motor potente como o 1.6 de 125 cv do modelo do A110. Em vez disso, sua versão mais potente tinha 70 cv em seu motor 1.0 com carburador duplo. Era o suficiente para chegar aos 100 km/h em 14,1 segundos com máxima de 160 km/h — nada que possa ser considerado esportivo hoje em dia, e talvez nem naquela época. No entanto, era um carro leve, com carroceria de fibra de vidro, motor e tração na traseira, e um belo visual. Dava para se divertir ao volante, sem dúvida.
O caso é que foram feitos pouquíssimos exemplares do Interlagos: apenas 822 exemplares de 1961 a 1964. De acordo com Marvin McFalls, autor do anúncio do carro no eBay, apenas três foram parar nos EUA. Este, em especial, foi fabricado em 1962 e, acredita-se, foi importado quando novo para os EUA por um colecionador de carros franceses que descobrir ser mais fácil comprar um carro do Brasil do que da França. “Na época, não importava o tamanho da sua conta bancária, poderia levar até um ano para importar um carro francês”, diz o anunciante. McFalls é presidente do Clube de Donos de Renault na America do Norte, ou seja, ele deve saber do que está falando.
Em 1970 o carro foi vendido para um californiano chamado Lawrence Ford, que morreu “há vários anos”. Seu filho, Kim Ford, continuou cuidando do carro até 2011, quando um amigo de Marvin, o texano Jonathan Burnette, comprou o Interlagos.
Além do automóvel, Jonathan comprou também um trailer cheio de peças que pertencia a Lawrence Ford. E foi Jonathan quem descobriu que, além de ser o 24º exemplar fabricado, o Interlagos laranja foi o primeiro a ser equipado com o motor de 70 cv, que era opcional. Os outros foram equipados com um 0,85-litro de 42 cv, ou um 0,9-litro de 56 cv. Pensando bem, um carro como este seria interessante até mesmo aqui no Brasil.
O carro foi restaurado e emplacado em Austin, Texas, pouco depois. O novo dono andou com o Interlagos pela cidade para “amaciá-lo” e descobriu que, bem, o visual empolga bem mais que o desempenho. Por outro lado, também constatou que o sistema elétrico Bosch dos carros vendidos no Brasil “é bem melhor do que os europeus ou americanos da mesma época”. Dá para encarar como um elogio? Nosso voto é sim — aliás, ele também afirma que o interior de couro tem acabamento superior ao da versão da Alpine.
Por fim, diz-se que o carro é bastante original, sendo que a maior exceção é a repintura, que foi feita em meados da década de 1960. Acredita-se que o tom original era mais próximo do vermelho que do laranja exibido atualmente na carroceria, a mecânica foi revisada e os componentes necessários, trocados no ano passado.
O mais interessante, no entanto, é o momento em que este carro aparece à venda: ontem (16), a Renault anunciou a volta da marca Alpine e apresentou o Vision, conceito absurdamente próximo do A110 original considerando a diferença de cinco décadas. A nossa aposta: muito mais gringos vão se interessar pelo pequeno Interlagos depois da volta de seu parente mais famoso.
Duvida? É só ver os lances: no momento da publicação deste texto, já chegaram a US$ 24.108, ou pouco mais de R$ 97 mil — quase tanto quanto os R$ 100-120 mil que um Interlagos costuma custar por aqui.
[ Dica de Mario Cesar Buzian ]