Você pode gostar ou detestar a Ferrari, mas não pode negar que ela é o personagem principal da Fórmula 1 — mesmo quando está em segundo plano, como esteve recentemente. Nelson Piquet disse certa vez que não gostaria de correr pela Ferrari porque a equipe está sempre acima do piloto — quando o piloto ganha, é a “vitória da Ferrari” e não a “vitória do Piquet”. Talvez já não seja mais assim hoje em dia, mas o que quer que aconteça com a Ferrari irá virar uma pauta relevante da cobertura da Fórmula 1. Até mesmo — e principalmente — se ela não ganhar corridas ou não tiver um carro competitivo.
Nem pode ser diferente. A Ferrari é a Fórmula 1, gostemos ou não. Ela não estava na primeira corrida, mas estava na segunda. E, desde então, só faltou 15 vezes. Em 73 temporadas e 1.058 corridas ela só não esteve na pista em 16 ocasiões. Dezesseis vezes entre mil e cinquenta e oito corridas. Ela também foi a única equipe que conquistou títulos em todas as décadas, é a maior vencedora de campeonatos, de grandes prêmios e de títulos consecutivos (a sequência de 1999 a 2004).
Por isso, seus jejuns também são vigiados pela torcida e pela imprensa. E um deles foi quebrado neste último domingo no Bahrein. A Ferrari estava desde 2019 sem vencer um GP. Embora isso pareça pouca coisa — afinal, ela só não venceu nas temporadas de 2020 e 2021 — o calendário inflado dos tempos modernos engorda a contagem de corridas sem vitórias. Por isso, em apenas duas temporadas a Ferrari amargou o segundo maior jejum de vitórias da sua história. Foram exatos 909 dias e 45 Grandes Prêmios sem vencer, até que no 910º dia e no 46º Grande Prêmio desde o GP da Singapura em 2019, Charles Leclerc subiu ao pódio para encerrar a carestia. E a Ferrari fez em grande estilo, porque logo atrás, no segundo degrau, estava Carlos Sainz Jr, para fazer a dobradinha da equipe.
Foi uma longa espera, mas bem menos demorada do que o maior de todos os jejuns da Ferrari: os 1.400 dias entre a vitória de Alain Prost no GP da Espanha em 1990 e a vitória de Gerhard Berger no GP da Alemanha de 1994. Foram 1.399 dias e 58 Grandes Prêmios, para ser mais exato.
O mais longo dos jejuns
A história da Ferrari, aliás, é toda feita de altos e baixos — o que fica claro se você perceber que ela não chegou a vencer 250 corridas das 1.042 que disputou e “só” tem 16 títulos dos 64 disputados.
Nos anos 1950, por exemplo, ela levou três títulos de pilotos, mas nenhum de construtores, porque o campeonato não existia antes de 1958, afinal. Nos anos 1960, ela faturou apenas dois títulos de construtores. Na década seguinte foram quatro, mas nos anos 1980 foram só dois. Nos anos 1990 o negócio foi triste. Foi só nos últimos meses da década que a Ferrari conquistou seu único título do período. Em compensação, esse título iniciou a maior sequência de títulos já vista na Fórmula 1 até então: nada menos que seis consecutivos, de 1999 a 2004. Somente a Mercedes superou a Ferrari até hoje, depois que venceu o título de 2019, seu sétimo consecutivo. E os anos 2000 ainda viram mais dois títulos de construtores da Ferrari, garantidos por Felipe Massa e Kimi Raikkonen em 2007 e 2008.
E aqui esbarramos em mais um dos jejuns da Ferrari: já são 14 temporadas sem um título de construtores ou de pilotos — a segunda mais longa espera da Ferrari pelo título, até agora, pelo menos.
A fila mais longa enfrentada pela Scuderia começou em 1984, quando ela perdeu o campeonato para a McLaren e só foi terminar em 1999. Foram 15 temporadas na seca. E para tornar a espera ainda mais dramática, a Ferrari foi vice-campeã em sete temporadas — 1984, 1985, 1988, 1990, 1996, 1997 e 1998. Caso não vença o título de construtores neste ano, a Ferrari irá igualar o jejum de títulos dos anos 1980-1990 e corre o risco de iniciar sua pior fase na história da F1. Leclerc e Sainz Jr. têm um peso grande nas costas.
A pior fase
Houve, contudo, um jejum ainda mais famélico que este dos títulos de construtores: os 21 anos nos quais a Ferrari ficou sem um piloto campeão mundial. Aconteceu entre 1979, quando Jody Scheckter conquistou seu único título, e 1999, quando Schumacher se sagrou tricampeão, vencendo pela primeira vez na Ferrari.
O atual jejum de títulos de pilotos também é o segundo mais longo enfrentado pela Ferrari: o último piloto campeão pela Scuderia foi Kimi Raikkonen, em 2007. E desde então se passaram 14 anos. Massa não conseguiu, Alonso não conseguiu, Vettel não conseguiu. Agora, novamente, a responsabilidade está no colo de Leclerc e Sainz Jr. Ao menos, desta vez, a margem para quebrar o recorde negativo é maior: ainda faltam seis temporadas para igualar os 21 anos de espera do recorde.
Há uma diferença fundamental do atual momento da Ferrari para os dias mais sombrios da Scuderia. Entre o GP da Espanha de 1990 e o GP da Alemanha de 1994, por exemplo, a Ferrari não conseguiu uma mísera pole position, e sequer largou na primeira fila em 1992 e 1993. Um tempo difícil para ser um tifoso. Neste jejum de 2019-2022, a Ferrari ao menos conseguiu cinco poles.
A pior temporada
Nenhum destes, contudo foi a pior temporada da Ferrari. A pior temporada foi a que iniciou o mais longo dos jejuns da Ferrari, o ano seguinte ao título de Scheckter, 1980. Naquela temporada a Ferrari pontuou em apenas cinco das 14 etapas, não venceu nenhuma vez, não foi ao pódio nenhuma vez, não conseguiu nenhuma pole, e sequer largou na primeira fila. Campeã no ano anterior, a Ferrari terminou o campeonato em 10º lugar. Até mesmo a Fittipaldi, que estava em seus últimos dias, havia conquistado dois pódios e terminou o campeonato em oitavo.
Antes disso, a temporada de 1973 havia sido a mais desastrosa para a Ferrari. A dupla era boa: Jacky Ickx e Arturo Merzario. Mas o carro não deu jeito. Foram apenas oito provas largando entre os dez primeiros e nenhum dos dois conseguiu um pódio, muito menos uma vitória. Nem voltas mais rápidas ou pole positions. A campanha só não foi pior que a de 1980 porque os dois pilotos marcaram 18 pontos e colocaram a equipe em sexto.
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