Talvez já tenhamos tocado neste assunto outras vezes, mas em todo caso, lá vai: sabe quantos títulos de construtores a Mitsubishi venceu, ao todo, no WRC? Um, em 1998. Nos três anos anteriores a campeã foi a Subaru de Colin McRae. Por outro lado, no campeonato dos pilotos a Mitsubishi reinou suprema nos anos 1990: enquanto McRae conquistou um único título em 1995, seu contemporâneo Tommi Mäkinen venceu quatro, um atrás do outro, entre 1996 e 1999. Ou seja: no frigir dos ovos a disputa é bem acirrada entre as duas – a ponto de fazer os seis títulos da Toyota (três no campeonato de construtores e três no campeonato dos pilotos) ficarem quase esquecidos. E não somos nós que vamos tomar partido, nem pelas Plêiades, e nem pelos diamantes.
Em vez disso, vamos fazer o que temos de fazer. E o que temos de fazer? Dar sequência a série “Lendas do WRC” com Tommi Mäkinen, claro. Porque o Finlandês Voador merece.
Tommi Mäkinen tinha 18 anos quando venceu seu primeiro campeonato ao volante, em 1982. Mas não era um campeonato de rali – sequer era um campeonato de automobilismo. Mäkinen foi o campeão nacional de… arado, usando um trator. E, não satisfeito em conquistar o primeiro título em 1982, ele foi bicampeão em 1985. Os pais de Tommi tinham uma fazenda na pequena cidade de Puupola, no Sul da Finlândia, e Mäkinen ajudava nos afazeres da propriedade.
Àquela altura, Tommi Mäkinen já sabia muito bem o que queria fazer da vida: ser piloto de rali. Inspiração não faltava. Não apenas porque seu pai já havia disputado algumas provas regionais, sem resultados expressivos, mas também porque seu herói, Juha Kankkunen, era natural da cidade de Laukaa, a cerca de 10 km da fazenda. Kankkunen, quatro anos mais velho que Mäkinen, já participava de ralis desde 1978 – e às vezes passava acelerando pelas estradas ao redor da propriedade. Foi o bastante para que Mäkinen sonhasse em ser piloto de rali desde que se entendia por gente, como o próprio contou em uma entrevista ao The Independent em 1998, às vésperas de conseguir seu terceiro título. Juha Kankkunen sempre foi uma inspiração para Tommi Mäkinen, mas este provavelmente não imaginava que superaria seu herói (e mais tarde, mentor) em quantidade de vitórias no Campeonato Mundial de Rali.
O começo de tudo
Ainda em 1985 Tommi decidiu perseguir seus planos e começou a disputar provas de rali locais com um Ford Escort RS2000. Não demorou para mostrar serviço: já em 1986 ele conquistou seu primeiro título, sagrando-se campeão finlandês na categoria Júnior. Foi incentivo o bastante para que ele resolvesse adquirir um Lancia Delta HF preparado segundo as especificações do Grupo N, categoria que ficava abaixo do Grupo A. Com ele, Tommi foi o campeão finlandês em sua classe no ano de 1988.
Foi em algum momento entre 1989 e 1990 que Tommi Mäkinen conheceu Seppo Harjanne, ex-navegador de Timo Salonen. Harjanne estava impressionado com o talento de Mäkinen e o convenceu a inscrever-se no WRC, novamente no Grupo N, desta vez com um Mitsubishi Galant VR-4. O nível da competição era alto, mas Mäkinen conseguiu se destacar nas etapas da Nova Zelândia e da Austrália ficando entre os dez primeiros colocados. Em 1991, Mäkinen ainda competiu com um Ford Sierra RS 4×4 e com o Galant antes de conseguir um Mazda 323 do Grupo A para disputar o Rali dos 1000 Lagos, também conhecido como Rali da Finlândia, o qual terminou na quinta posição. O desempenho lhe valeu um contrato com a Nissan para a temporada de 1992, correndo com um Nissan Sunny GTi-R, mas a parceria durou pouco – insatisfeito com a baixa competitividade do carro, Mäkinen correu com outro Lancia Delta em 1993. Embora tenha participado de poucos ralis – apenas três – Tommi foi bastante competitivo, ficando em quarto na Suécia, em sexto na Grécia e em quarto novamente na Finlânda. O triunfo viria no ano seguinte.
Em ordem, de cima para baixo, o Lancia, o Mazda e o Mitsubishi
Em 1994, Tommi Mäkinen foi convidado para correr com o Ford RS Cosworth em sua terra natal. Com o inseparável Seppo Harjanne como navegador, Tommi conseguiu sua primeira vitória no WRC. Em casa é mais gostoso, não é o que dizem?
Anos dourados
A Mitsubishi Ralliart, que estava de olho nele havia algum tempo, o chamou para conduzir o recém-lançado Lancer Evolution II na etapa seguinte, o Rali de Sanremo. Embora tenha sido obrigado a abandonar a prova por causa de um acidente, Tommi repetiu a boa pilotagem e a Mitsubishi decidiu contratá-lo como piloto principal no ano seguinte. Começava ali o auge do Finlandês Voador.
O ano de 1995, como sabemos, foi de Colin McRae e da Subaru. Foi uma temporada meio decepcionante para Tommi Mäkinen, que não conseguiu passar da quinta colocação com seus 38 pontos conquistados (incluindo um pódio pelo segundo lugar na Suécia), enquanto McRae fez 90. Mas 1996 foi o ano do breakthrough, no qual Tommi venceu cinco das nove etapas e conquistou seu primeiro título entre os pilotos. Com 123 pontos ele foi o líder isolado da temporada, enquanto McRae repetiu o desempenho de 1995 e fez 90 pontos.
Os dois pilotos tinham estilos bem distintos de condução. McRae ficava o tempo todo de pé embaixo, flat out, e não perdia a chance de escorregar a traseira para contornar as curvas com a menor frenagem possível. Tommi Mäkinen era praticamente o oposto: preciso, quase cirúrgico na hora de apontar a dianteira para o lugar certo e escolher a melhor trajetória quase como se estivesse no asfalto. Entusiastas e conhecedores do rali costumam dizer que Mäkinen foi o precursor desta pilotagem mais técnica – que se tornou praticamente mandatória a partir de 1997, quando foram adotados os diferenciais eletrônicos. Há também quem acredite que foi justamente esta mudança geral na abordagem técnica dos pilotos no WRC que prejudicou Colin McRae mais adiante em sua carreira, na virada da década de 2000: o escocês fez questão de conservar seu estilo.
À parte de representarem equipes rivais dentro e fora dos estágios, para deleite dos fãs – a ponto de podermos considerá-los, de certa forma, responsáveis pela explosão de popularidade que o WRC conseguiu nos anos 90 – Colin McRae e Tommi Mäkinen se davam bem. Não era raro vê-los trocando ideias nos intervalos entre os ralis, participando juntos de coletivas de imprensa e parabenizando um ao outro por seu desempenho. Ao lado, por exemplo, vemos McRae parabenizando Mäkinen por seu desempenho praticamente impecável em 1996.
Entre 1996 e 1999, anos em que conquistou seus quatro títulos, Tomi Mäkinen conquistou dezoito de suas 24 vitórias no WRC – uma a menos que Colin McRae e uma a mais que Juha Kankkunen. Cada título foi conquistado com uma geração diferente do Lancer Evolution, sempre com o motor quatro-cilindros turbo 4G63 preparado para entregar cerca de 300 cv: em 1996 foi o Evo III; 1997, o Evo IV; o Evo V em 1998 e o Evo VI em 1999. Em 1998 o Evo V conquistou o único título da Mitsubishi no WRC com cinco vitórias em 13 etapas.
E foi também naquele ano que Tommi Mäkinen ganhou seu próprio game de rali, Tommi Mäkinen Rally, para PlayStation. Na verdade o jogo só tinha este nome no Reino Unido, sendo chamado International Rally Championship nos outros países da Europa. O lançamento aconteceu em julho de 1998, poucos meses depois de Colin McRae Rally, que saiu em fevereiro de 1998. Ao menos neste ponto Colin McRae foi decididamente melhor sucedido que Tommi Mäkinen, visto que o game licenciado pelo finlandês só foi lançado na Europa e jamais ganhou uma sequência, embora tenha se tornado quase um clássico cult.
Embora tenha sido um campeão relativamente tardio, conquistando seu primeiro título já com nove anos de WRC, Tommi Mäkinen se mostrou não apenas um vencedor, mas também um piloto versátil. De todos os eventos mais importantes do Campeonato Mundial de Rali – Monte Carlo, Finlândia, Portugal e Grã-Bretanha, por exemplo – o Finlandês só não venceu na Grécia (Rali da Acrópole) e o Tour de Corse, na França.
Em 2000 a Mitsubishi apresentou uma edição especial do Lancer Evolution VI para celebrar o sucesso de Tommi Mäkinen: o Lancer Evolution VI Tommi Mäkinen Edition. O motor 4AGE era calibrado para entregar 280 cv declarados e acoplado a uma caixa manual de cinco marchas, mas o grande atrativo era o body kit exclusivo da edição, igual ao usado no carro de Tommi Mäkinen, com duas entradas de ar assimétricas e a placa na lateral. Os para-lamas eram alargados, as rodas eram Enkei de 17 polegadas eram pintadas de branco e a carroceria trazia faixas na lateral que imitavam às do carro de rali. Foram fabricadas 2.500 unidades em cinco cores – preto, prata, branco, azul e vermelho. Esta última era a mais desejada, pois praticamente só faltavam os adesivos dos patrocinadores para que se tivesse uma cópia exata Evo do WRC. Pelo que se sabe, ao menos dois exemplares rodam no Brasil.
Os últimos anos
Tommi Mäkinen permaneceu com a Mitsubishi até 2001, conquistando mais quatro vitórias, sendo uma delas em 2000 e as outras, no ano seguinte. E foi justamente em 2001 que Mäkinen sofreu o pior acidente de sua carreira: durante o Tour de Corse, o Evo VI acertou o muro, perdeu o controle e tombou. Mäkinen só teve ferimentos leves mas seu navegador, Risto Mannisenmäki, sofreu uma fratura na coluna.
O acidente acabou marcando o início do fim da carreira de Tommi Mäkinen. Com 37 anos de idade ele começou a considerar a aposentadoria, mas talvez tenha decidido dar-se mais uma chance em uma nova equipe. Esta, ironicamente, veio a ser a Subaru, e foi com um Impreza WRC que, no Rali de Monte Carlo, o Finlandês Voador conquistou sua última vitória.
Em 2003, sua derradeira temporada, o melhor desempenho de Tommi Mäkinen foi uma segunda colocação no Rali da Suécia. Seu último rali foi o da Grã-Bretanha, no qual ele ainda subiu ao terceiro lugar do pódio. Coincidentemente, Colin McRae também disputou sua última temporada no WRC.
O projeto seguinte de Tommi Mäkinen foi uma preparadora de carros de rali, a Tommi Mäkinen Racing Oy Ltd, à qual se dedica até hoje. Mais recentemente, em 2016, Mäkinen voltou a se envolver diretamente com o WRC: ele assumiu o comando da divisão de rali da Toyota Gazoo Racing – completando assim a trinca das fabricantes japonesas que já conquistaram títulos no Mundial de Rali.
Tommi Mäkinen posa com o Toyota Yaris WRC
Em uma entrevista à CNN, concedida em setembro de 2018, ele disse que o trabalho de dirigente exige exatamente as mesmas habilidades de um piloto. “É preciso ter uma mente muito forte. Você também precisa ter um bom conhecimento técnico… e, claro, precisa entender a alma do carro.”
Tem dado certo: faltando duas etapas para o fim da temporada de 2018, a Toyota está na liderança do campeonato entre as construtoras. Seu piloto principal, o estoniano Ott Tänak, é atualmente o terceiro colocado. Tommi Mäkinen está prestes a colocar mais um título no currículo.