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Técnica

Tração integral e 4WD: as vantagens e desvantagens frente aos FWD e RWD

Caros leitores! Chegamos ao quarto e penúltimo capítulo de nossa série especial sobre as vantagens e desvantagens dinâmicas dos diferentes sistemas de transmissão. Aqui vamos falar sobre os carros de tração integral e 4WD. E na próxima e última parte iremos detalhar a dinâmica de acordo com cada sistema de tração nas quatro rodas e daremos alguns macetes de como você pode extrair o melhor deles na pista. Abaixo temos os links das reportagens anteriores da série.

1) Tração traseira (RWD): as vantagens e desvantagens dinâmicas (clique aqui para ler)

2) Não seja ingênuo: carros de tração dianteira (FWD) podem ser insanamente divertidos e velozes (clique aqui para ler)

3) 4×4: qual a diferença entre tração integral e tração nas quatro rodas? E como elas funcionam? (clique aqui para ler)

No terceiro texto da série você viu quantos sistemas existem no mundo dos 4×4 e adivinhe: isso significa que também há um oceano de variáveis dinâmicas de um para o outro. Se um Haldex de um Audi S3 ou de um Mercedes-Benz A45 AMG lembram muito um tração dianteira, no extremo oposto um Audi R8 ou um GT-R apresentam muitas características de um tração traseira, mas são bem diferentes entre si. Já os Subaru WRX STI trazem muito do comportamento clássico dos veículos de tração integral – mesmo caso dos Lancer Evolution, mas do Evo VII para cá, o Mit apresenta variações complexas que o deixa bem diferente de tocada dos Subbie.

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Joguei esse emaranhado logo de saída para deixar algo claro: há mais diferenças do que semelhanças dentro do universo de tocada dos carros de tração nas quatro rodas. É praticamente um caso-a-caso, o que complica a curva de aprendizado do piloto e impõe variáveis e dificuldades no processo de ajuste do carro.

É importante lembrar que o comportamento dinâmico não é definido apenas pela solução de transmissão – evite a todo custo este senso-comum. Um hatch de tração dianteira (FWD) pode ter tendências sub ou sobre-esterçantes, bem como um cupê esportivo de tração traseira (RWD) pode sair muito de frente e nunca deslizar com os pneus de trás, a não ser quando arremessado para tal. A transmissão é um dos ingredientes dinâmicos – mas a questão é que, no caso da tração nas quatro rodas, é um ingrediente bastante complexo e influente.

Contudo, vamos começar pela parte mais prática: vantagens e desvantagens em relação à tração traseira e dianteira. No próximo post vocês verão que na pilotagem há um mar de diferenças entre um Haldex e um tração integral com diferencial central com LSD controlado eletronicamente – mas, mesmo assim, há algumas coisas que os conectam.

 

Vantagens técnicas

1) Mais seguro e previsível de pilotar. Vocês viram nos especiais de tração dianteira e traseira que um carro de tração dianteira fica com a traseira perigosamente leve e traiçoeira quando o piloto tira repentinamente o pé do acelerador na entrada de curva ou entra com muita carga de freio-motor (abaixo temos um exemplo bem extremo). Se boa parte deste efeito se dá por causa da distribuição de massas sobre cada eixo, a outra parte é potencializada pelo eixo de atuação do freio-motor – este gera um vetor que atua quase como um pivô em relação à toda a massa do veículo na hora em que você “tira o pé”. No caso de um tração dianteira, este efeito acontece no eixo frontal, fazendo da traseira um pêndulo de inércia. É por isso que um carro de tração traseira é bem mais estável e plantado no processo de frenagem e entrada de curva (a não ser que você erre o punta-tacco e bloqueie as rodas traseiras!).

Os carros de tração integral apresentam esta característica de frenagem estável comparável aos carros de tração traseira. No caso dos carros 4WD de sistema Haldex, que operam somente com a tração dianteira em condições de reta ou frenagem (há exceções, que veremos no próximo texto), isso não vale tanto: dependendo do mapeamento do Haldex, o carro vai frear e entrar na curva operando somente o diferencial frontal, ou seja, como um automóvel de tração dianteira. E inclusive pode dar alguns sustos com a traseira na entrada caso o piloto tire o pé repentinamente. Lembrando que estamos falando da dinâmica in natura, ou seja, considerando não-atuantes muletas como controle de estabilidade (ESC) e controle de distribuição de força de frenagem (EBD).

Já no passo de curva e nas saídas de curva, a previsibilidade dinâmica dos 4×4 tende a ser comparável aos de tração dianteira (o que é, ao mesmo tempo, uma desvantagem). A relativa exceção fica em conjuntos mais agressivos e especializados, como o do Nissan GT-R ou dos Subaru WRX STI e Lancer Evo com diferenciais substituídos por outros: diferencial central com mais distribuição de torque para a traseira e diferenciais dianteiro e traseiro com rampas bem específicas e agressivas de autoblocante. E mesmo nestes casos, a dinâmica no caso de destracionamento é mais amigável e controlável que num carro de tração traseira ajustado de forma similar. Abaixo temos um Evo X e um Evo X John Easton absolutamente originais. Note a tranquilidade dinâmica.

O interessante do 4WD está no próprio conceito. Todos os pneus possuem potencial para tracionar: tanto os traseiros, que recebem a transferência dinâmica de peso sob aceleração (mais poder de tração) e os dianteiros, que possuem o poder de vetorizar a aplicação do torque (afinal, eles esterçam). Parece óbvio que os quatro pneus tracionam, mas as consequências de controle dinâmico disso é que são realmente saborosas e nem tão óbvias assim.

 

2) Mais capacidade de tração: como dissemos, em vez de aplicar a força dos pneus para duas áreas de contato dos pneus, a força é aplicada em quatro áreas. O resultado é muito mais capacidade de transferir torque para o solo, vantagem que se torna exponencial quanto pior forem as condições do piso. Não é preciso estar no cascalho, lama, gelo ou chuva: num asfalto sujo ou muito verde (sem emborrachamento) essa vantagem já fica evidente – especialmente nas saídas de grampos e curvas lentas, nas quais os carros de tração traseira costumam querer rabear (o que é divertido, mas contraproducente).

Por razão diretamente ligada a isso, quanto maior a potência e o torque do motor, mais presente fica a vantagem. É por isso que é tão difícil bater um Nissan GT-R ou um Porsche 911 Turbo na largada: ambos possuem pneus enormes e mapeamentos de controle de largada extremamente agressivos, o que resulta em 0 a 100 km/h abaixo dos 3 s. Um dos únicos carros de rua de tração traseira capaz de fazer frente a isso é o Porsche 911 GT3 RS, que conta com algum tipo de ritual satânico que o permite acelerar aos 100 km/h abaixo de 3 s mesmo com tração traseira e pneus de rua. Por isso, se no semáforo ou no pinheirinho da arrancada estiver um AWD ao seu lado, refaça as contas com carinho, porque a desvantagem técnica de um tração dianteira ou tração traseira saindo da imobilidade é monstruosa. No pulo dos primeiros 50 metros, é normal você ficar um carro inteiro pra trás. “Normal”.

Por outro lado, em autódromos essa vantagem fica mais sutil (e em alguns casos, inexistente) porque a velocidade média é elevada, ou seja, mesmo um FWD ou RWD não brigam com falta de tração na saída da maioria das curvas.

 

3) Possibilidade de torque vectoring total: hoje, quase todos os esportivos de ponta, independentemente do tipo de tração, apresentam a tecnologia do torque vectoring aplicado no sistema de freios durante as curvas. Este recurso tecnológico causa um torque de rotação que puxa (em certa medida) o veículo para dentro da curva, mantendo a trajetória planejada (linha amarela) e prevenindo o subesterço (linha cinza).

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A operação é simples: o torque aplicado no freio traseiro interno à curva (1) faz com que se acentue a diferença de rotação com a roda de fora (2), o que causa um efeito de guinada no veículo (3). Complicado é o mapeamento disso: este torque aplicado nos freios se baseia na leitura de quase todos os sensores dinâmicos do automóvel (caixa de direção, velocidade de cada uma das rodas, rotação do motor, abertura do corpo de borboleta, acelerômetro) e a execução desta função acumula centenas de horas de desenvolvimento da engenharia.

Num carro de tração integral moderno e de ponta (por exemplo o Nissan GT-R ou o atual sistema quattro da Audi – que não inclui o sistema Haldex), o torque vectoring pode ser explorado num novo patamar. A atuação dele se estende também ao momento de reaceleração na saída de curva. Varia-se o bloqueio dos diferenciais dianteiro e traseiro e a distribuição de torque para cada eixo. Com qual intenção? Exatamente a mesma do torque vectoring dos freios: a diferença de força aplicada entre cada uma das rodas causa um efeito de guinada no veículo. Só que a aplicação é reversa: o torque, em vez de ser uma alicatada de uma pinça de freio, vem do motor.

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Por exemplo, no WRC usa-se o ajuste o mais agressivo possível e é por isso que eles literalmente são capazes de girar em torno de seu próprio eixo. Para isso, o diferencial traseiro fica quase todo bloqueado, transferindo imensa parte do torque para a roda traseira externa à curva (ou seja, a roda do lado oposto no qual o torque vectoring de freios atuou na entrada da curva), ao mesmo tempo em que a roda dianteira interna à curva é alicatada. O diferencial dianteiro fica totalmente aberto, deixando o efeito mais agressivo. No caso do WRC, a operação dos diferenciais é puramente mecânica, mas carros como o Nissan GT-R exploram estes bloqueios com comandos eletrônicos, abrindo ainda mais o leque de possibilidades.

Este Torque Vectoring “total” é restrito particularmente aos esportivos de ponta contemporâneos, mas é a maior e mais refinada vantagem que os AWD possuem em relação aos FWD e RWD. Alguns carros de tração traseira aplicam este Torque Vectoring também nas saídas de curva para emular um diferencial autoblocante, transferindo torque do motor para roda motriz de apoio. O efeito é da mesma categoria, mas não no mesmo nível.

 

Desvantagens técnicas

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1) Maior peso e consumo energético: até dois diferenciais adicionais (o central fica dentro da caixa de transferência), mais um cardã e duas semi-árvores extras, componentes de acionamento (módulos, sensores, cabos e botões extras) cobram o seu peso, que geralmente fica entre 60 e 90 kg adicionais em relação ao mesmo modelo de tração traseira, quando existente. O Haldex (abaixo), menos complexo por dispensar a caixa de transferência e/ou o diferencial central, costuma acrescentar por volta de 50 kg.

Além da massa adicional para se carregar, há também maiores perdas energéticas devido a todos os componentes adicionais de transmissão: fricção, inércia, calor, bombeamento e outros parasitas, alguns com razão fixa ou linear e outros com razão exponencial de acordo com a rotação do conjunto. Quanto mais parrudo o conjunto para suportar o torque, maior a perda. Com tantas variáveis, qualquer porcentagem desenhada é especulativa. Mas para não sair deste tópico sem um número, as perdas de um AWD com diferencial central podem até passar de 30%, o dobro da média típica dos veículos de tração dianteira.

 

2) Sólida tendência ao sub-esterço: carros de tração dianteira tendem a escapar de frente em curvas longas porque os pneus dianteiros acumulam duas funções – despejar torque do motor ao asfalto (aceleração longitudinal) e gerar aceleração lateral de acordo com o ângulo das rodas – e ambas consomem e dependem do quanto de aderência há disponível nos pneus.

Carros de tração integral sofrem do mesmo mal no eixo dianteiro e, mesmo que quase todo o torque fosse transferido para as rodas de trás nas saídas de curva, o freio motor ainda estaria também atuante no eixo frontal entre a frenagem e o ponto de tangência. É por isso que, mesmo em esportivos refinados como o Evo e o WRX STI, a tendência prioritária é de sub-esterço nas entradas de curva.

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O Torque Vectoring, que por muito tempo foi a carta na manga do Nissan GT-R, é extremamente útil para guinadas, que seriam curvas recortadas ou trechos sinuosos com grande ataque, mas em curvas longas “steady state” como as de autódromos modernos, esta vantagem fica de sutil para inexistente, pois elas consomem muita aderência do pneu dianteiro de apoio. E um AWD necessariamente vai consumir parte da capacidade de gerar aceleração lateral daquele pneu aplicando um mínimo que seja de torque do motor.

Este é o Calcanhar de Aquiles que confunde muita gente. Na teoria simplificada, os AWD teriam vantagem técnica absoluta sobre um carro de tração traseira, mas na pista, é bastante difícil de se superar o subesterço por uma razão simples: a velocidade média do contorno das curvas frequentemente está acima dos 100 km/h. Isso reduz a vantagem de tracionamento dos AWD para um breve momento nas saídas de curva – e isso no caso de carros realmente fortes. Mas a desvantagem nas entradas de curva em relação aos RWD se mostra constantemente presente. Você pode falar sobre o Torque Vectoring no sistema de freios, mas lembre-se: este sistema não depende do sistema de tração. A Porsche está dominando esta tecnologia com maestria, por exemplo.

Há uma forma de se superar isso, mas ela é extrema e específica. É o setup de rali. Nele, tanto a geometria e carga de suspensão quanto o ajuste de distribuição de torque e bloqueio dos três diferenciais (não só a razão máxima como também a rampa de bloqueio, ou seja, o quão rápido e agressivo ele atua e alivia), buscam tão somente um objetivo. Fazer o carro girar em torno do próprio eixo com agressividade logo na entrada da curva, lançando a traseira de forma que os pneus de trás consigam uma aceleração angular em direção ao lado de dentro da curva. Já os pneus dianteiros, como esterçam, direcionam o seu vetor para a direção desejada, contrabalanceando a traseira. Você viu filosofia parecida no ajuste de suspensão dos carros de corrida de tração dianteira, que comentamos aqui.

Mas esta é uma aplicação específica para as situações típicas de piso e de curvas de rali e, no máximo, de subida de montanha. O raio e as dimensões das curvas de autódromos são muito maiores, sem falar na abrasividade do asfalto emborrachado. É uma transposição improvável de ser feita com sucesso pleno – mas carros de track day ou track attack podem se beneficiar de um approach bem sutil nesta direção.

 

3) Potencial filtro entre o piloto e os pneus: sistemas puramente mecânicos, como os dos Audi, Subaru WRX STI e Lancer Evo antigos, podem ser totalmente transparentes em termos de feedback para o piloto, mas adicionam uma grande complexidade à sensibilidade da pilotagem, pois cada um dos diferenciais introduz o seu comportamento específico em aceleração, desaceleração e contorno de curvas. Um ajuste no diferencial central desencadeia uma série de efeitos secundários na dinâmica, resultando num emaranhado não apenas para o desenvolvimento do setup do veículo, mas também para a tocada do piloto.

Por indução, fica claro que no caso de superesportivos de tração integral com plena vetorização de torque e diferenciais autoblocantes ativos, o piloto terá de dialogar e saber interpretar o “robô” comandando as variações de deslizamento limitado dos diferenciais agindo em conjunto com o torque vectoring induzido nos freios – ainda que, na prática, a experiência de pilotagem continue eletrizante e orgânica. Destrincharemos melhor este assunto no próximo post, onde detalharemos a pegada dos sistemas 4×4 típicos de carros de rua.

 

Por fim, vale reforçar o recado: o comportamento dinâmico de um automóvel é o resultado de uma equação complexa que envolve inúmeros elementos que partem de uma determinada proposta. O tipo de tração é apenas um destes elementos. Além disso, embora neste texto em específico nós comparamos vantagens e desvantagens típicas dos 4×4 aos FWD e RWD, a verdade é que o que torna um esportivo melhor para você – seu gosto pessoal e estilo de pilotagem – pode não ser para outro. E mesmo alguns dos pontos comentados aqui podem estar sujeitos a exceções, dependendo do modelo.

Na última parte desta série especial sobre a dinâmica dos sistemas de tração, iremos detalhar a tocada de acordo com cada sistema de tração nas quatro rodas dos mais típicos utilizados em esportivos, como 4×4 Haldex, AWD Torsen puramente mecânico e AWD com autoblocante variável controlado eletronicamente. São seres completamente diferentes entre si. Até a próxima!