Gosto de pensar que a minha história com carros começou antes de mim mesmo. Na verdade, se vocês analisarem bem o contexto no qual eu fui inserido verão que eu, felizmente, não tive muita escolha.
Meu nome é Hamilton Roschel, filho do seu “Amiltão”. Este último, nascido e criado “às margens” do autódromo de Interlagos, teve destino similar ao meu e, portanto, não poderia ser nada menos que um fanático por carros. Para melhorar, a casa onde meu pai foi criado era vizinha à sede da extinta equipe Hollywood, que apesar de não ser “do tempo” da maioria de nós, tenho certeza que todos já pelo menos ouvimos falar dela.
A cereja do bolo é que, por feliz coincidência, minha vó, carinhosamente chamada de Dona “Crô”, recebia os pilotos e funcionários da equipe em sua casa, onde lhes era servido o almoço diário. Desta forma, meu pai pode conviver com ícones do automobilismo nacional, o que fortaleceu ainda mais a sua paixão por carros e corridas. Uma nota importante é que um dos pilotos da equipe Hollywood era o finado Luiz Pereira Bueno, o Peroba. Digo importante, porque isso dará lugar para uma feliz coincidência anos mais tarde, história que contarei a seguir. Bom, é claro que todo este histórico do meu pai acabou reverberando em mim, outro fanático por automobilismo e carros em geral, sem distinção, mas com certas predileções.
Minha mãe diz que meu gosto por carros é tão grande que desde pequeno – pequeno mesmo, tipo dois aninhos, eu ficava com um paninho na mão ajudando meu pai a lavar o carro na rua (caraca! sou do tempo em que era “seguro” lavar o carro na rua). Esta memória automobilística da minha infância eu infelizmente não tenho. Tenho no coração, no entanto, os sábados que passávamos, meu pai e eu, na saudosa Jardineira veículos, na Avenida dos Bandeirantes (quem lembra?). Lá, o velho destrinchava detalhes de cada um dos carros.
Nas visitas seguintes cabia a mim antecipá-lo e surpreendê-lo com o que tinha aprendido. Essa fase foi decisiva na solidificação da minha paixão pelos carros antigos. Traço que se manifestaria de outra forma mais tarde em nossas vidas. A mecânica também foi/é um ponto de grande interesse. Meu pai sempre foi muito hábil com mecânica, apesar de nunca ter exercido qualquer atividade profissional relacionada a ela. Aprendi desde muito pequeno como os motores funcionavam; para que servia uma embreagem; o propósito das várias marchas de um câmbio etc.
Das minhas memórias sobre automobilismo, tenho vívido na cabeça várias recordações do tempo de criança. Sempre com o meu pai, fui a vários eventos em Interlagos. Copa de Marcas e Pilotos (quando era, realmente, marcas e pilotos); Copa Uno; Stock Car e claro, Fórmula 1. Tive a alegria inenarrável de estar lá quando Senna ganhou em Interlagos em 1991. O mais louco de tudo isso é que, embora só fôssemos descobrir o problema que ele teve com a caixa de marchas durante a corrida à noite, pela TV, durante a corrida meu pai falou para mim que tinha notado um barulho estranho, “como se ele estivesse usando a marcha errada”, no carro de Senna. Até hoje a gente dá risada disso. Aliás, o mais louco não foi isso, foi o fato dele ter parado o carro (ao final da corrida) praticamente em frente de onde nós assistimos a corrida! Foi realmente inesquecível! Nesse dia eu ganhei de presente uma miniatura de madeira que era vendida por camelôs ao redor do autódromo. Hoje, este brinquedo está na prateleira do meu escritório.
Tenho muitas outras histórias de infância que marcaram o meu gosto por carros, mas não quero aporrinhar ninguém com isso. Vou dar, portanto, um fast-forward nesse período que compreende o fim da minha infância, passando pela minha adolescência e chegando até o início da minha idade adulta.
Muito bem, apesar de eu ser sempre (até hoje) muito próximo do meu pai, encaro como algo natural o fato de termos, de certa forma, nos distanciado durante o fim da minha adolescência e início da idade adulta. Namoradinha, turma, faculdade, balada etc compuseram a lisa de “motivos”. Apesar de natural, isso me incomodava, pois a gente tinha perdido essa conexão que sempre foi muito presente entre nós. Nessa época eu tinha terminado a faculdade (tinha uns 20 e poucos anos) e tinha alguns merréis guardados, pois já trabalhava durante a faculdade e agora eu tinha bolsa para continuar estudando em nível de Pós Graduação.
Foi então que eu sugeri para o velho: “Pô, a gente sempre gostou tanto de carro, e mais, de carro antigo, então por que não rachamos uma jabiraca qualquer e fazemos dela um projeto de família?”
O velho pirou! Comprou a idéia no ato e lá fomos nós atrás do 1º brinquedinho (note a ênfase no 1º, já que outros viriam com o tempo). O carro escolhido foi um Maverick. Era o que dava para comprar na época, pois ainda era um carro desvalorizado. Isso foi logo depois do filme 60 segundos, em 2000. Em pouco tempo o cenário do antigomobilismo mudaria, e muito.
Muito bem, o escolhido após longas horas de buscas, visitas e tudo mais foi um Maverick GT amarelo 1974 que estava em Brasília. Compramos duas passagens daquelas baratinhas em horário estranho durante a semana, batemos lá, visitamos o carro e fechamos o negócio. Dias depois o danado chegava de caminhão. Fomos buscá-lo na transportadora e até hoje não sei como cheguei vivo em casa com ele. Eu vim dirigindo o carro desde Guarulhos, onde ficava a transportadora, até a Zona Sul, onde morávamos.
Tudo no carro era ruim. Não havia uma bucha, terminal ou amortecedor íntegros. Foi surreal! Trambulador completamente bobo, freio puxando, folga na caixa de direção, um horror! Sabíamos disso tudo, mas não tínhamos dimensão do tamanho da aventura que seria fazer dele um carro como queríamos. Não conhecíamos o carro. Quero dizer, claro que conhecíamos o carro, mas não conhecíamos os detalhes do carro. “Maverickeiro” sabe onde o carro dá problema, o que fazer para acertar e tudo o mais. Isso nos levou anos de aprendizado e hoje o carro é realmente muito bom e posso afirmar com um certo topete que nos tornamos “Maverickeiros”, e dos bons!
Aprendemos muito sobre a mecânica do carro. Eu, em particular, sempre me interessei muito pelo motor small block da Ford. Testamos muita coisa nesse carro e hoje ele conta com um motor bastante adequado para o uso street, com desempenho bacana mas utilizável na loucura do trânsito de São Paulo. Entretanto, como a brincadeira nunca acaba, em breve (nunca é tão em breve, vocês sabem… o mais honesto aqui seria “eventualmente”) colocaremos um motor injetado no “Amarelão”, como o chamamos. Este é um side project nosso.
Bom, nada disso tem a ver com o carro deste Project Cars, eu sei. Sim, eu vou enrolá-los mais um pouco até falar sobre ele, calma…
O Amarelão foi o 1º, mas eu dei a entender que haveriam mais carros envolvidos nessa história toda até chegarmos ao Mustang, não é? Pois então, depois dele vieram vários outros Mavericks. Hoje a coleção tem de tudo. Um quatro-cilindros LDO 78, um GT branco 75, um Super Luxo amarelo 73, e outros quatro GTs vermelhos, dois 1975, um 1976 e um 1973 (sim! 1973, quem conhece Maverick sabe do que estou falando…fabricado em 1973).
Destes foram vendidos o branco e três vermelhos, os dois 75 e o 76. Todos são placa preta, que fique claro (exceção ao Amarelão, é óbvio, já que de original não tem mais nada). Foi com muita dó no coração que nos desfizemos destes carros, mas simplesmente não havia mais espaço para guardá-los e decidimos ficar com um de cada. Restaram portanto, o 4 cilindros, o Super Luxo, o GT 73, que está sendo terminado neste momento com um kit quadrijet que era originalmente oferecido pelas concessionárias Ford da época (não é um kit moderno, é o kit da época, comando, coletor e carburador) e o Amarelão, que é “invendável”.
A paixão pelo Maverick ficou clara. Através dela fizemos grandes amigos, como o Pedrinho e o Edu Lioi, o João Rondini, o Sr. Baptista entre tantos outros que tivemos o prazer de conhecer e conviver graças ao interesse em comum pelos Mavericks. O gosto pelo carro foi tanto que quando finalmente decidimos por fazer a nossa incursão no automobilismo, optamos pelo Maverick numa categoria que fazia alusão à extinta Turismo 5000.
Lá, em Interlagos, fizemos outros tantos bons amigos, dentre eles o Sr. Barata, que comanda este espaço tão bacana que é o Flatout. A minha paixão, neste momento, deixou um pouco de ser os carros antigos e se solidificou no automobilismo. Montamos uma equipe com três carros, cada um fazia referência a um automóvel que correu nos anos 1970. O meu, o Maverick da equipe Mercantil Finasa. O do meu pai, o carro da equipe Manah. Por fim, o carro do nosso amigo Reinaldo, o Hollywood Berta. Os carros eram lindos e gostosos de andar, apesar de muito pouco desenvolvidos sob o aspecto técnico e tecnológico. Foram anos deliciosos, e para tornar tudo mais bacana, o chefe honorário da nossa equipe era ninguém menos que Luiz Pereira Bueno, com o qual meu pai se reencontrou e relembrou os tempos de juventude, quando almoçavam juntos, servidos pela Dona Crô.
Eu peguei a febre das pistas e só tinha em mente uma coisa desde que começamos a correr, em 2007, evoluir para um carro cada vez mais rápido. E assim foi. Mudei para um Omega stock e agora para um Stock Light (antigo copa Montana). Esse último deve estrear em breve nas pistas e foi um candidato à Project Car que não recebeu o número suficiente de indicações para entrar na lista.
Carros da MFG Racing Team: o Maverick #22 em homenagem ao carro da Equipe Greco, o Maverick #8, tributo ao da equipe Manah e o número #11, o Berta “Jr, como o chamamos. Na sequência temos o Seu Amiltão com o saudoso Luiz Pereira Bueno celebrando a conquista do dia.
Carros recentes da MFG Racing Team. O Omega Stock e o Stock Light, que estreará em breve em Interlagos.
Apesar de ter me afastado ligeiramente do antigomobilismo, a loucura por carros antigos não acabou aí. Para o meu pai, a coisa tomou outra proporção e hoje a coleção tem Renault 1093, Escort XR3 1983 e Willys Interlagos (restaurado com o auxílio do Luiz Pereira Bueno, que correu com este carro pela equipe Willys). O velho gostou tanto da coisa que hoje, aliás, já há um tempo (bastante tempo), ele é o presidente do Clube do Ford V8.
A essa altura eu já consigo ouvir vocês gritando: “Legal. Mas e o Mustang?”
O Mustang sempre foi, para nós, um carro inatingível. O Maverick era quase que um prêmio de consolação para nós, que não podíamos ter um Mustang, entendem? O Maverick passou a ocupar um lugar especial no nosso coração e virou paixão, que fique claro. Mas o Mustang, por outro lado, tinha aquela coisa de amor mal resolvido. Aquela mina que você sempre xavecou mas nunca conseguiu pegar, saca? Pois bem, um dos Maverick GT vermelhos que tínhamos era meu. Eu resolvi vendê-lo, pois com a valorização que estes carros tiveram naquela época eu teria um lucro significante, o que viabilizaria a compra de um Mustang (para reformar, é claro!). A troca era difícil, um Maverick GT 1975 todo reformado, pronto, placa preta, lindo, por um Mustang todo f*dido detonado que iria exigir uma boa grana e tempo para voltar a vida. Foi, de fato, uma decisão difícil, mas com o apoio do velho fomos em frente. Vendemos o Mav e fomos à caça de um Mustangão!!
Bom, precisávamos escolher um ano. Os Mustang são muito diferentes ano a ano e, embora fôssemos doidos por todos eles, precisávamos escolher um modelo. A frente do modelo 69 foi decisiva para a escolha. Este é o ano mais muscle de todos, na minha opinião. Estava feito, seria um 1969, e não podia ser qualquer modelo, tinha que ser um Mach 1.
Fomos à busca de um carro pela internet. Ele seria importado e isso não seria fácil. Consultamos outros bons amigos para escolher um carro viável. Nesta etapa, pessoas importantes como o Nadim e o Hilton foram imprescindíveis e até hoje o são, contribuindo sobremaneira para a reforma deste carro, diga-se de passagem.
Após alguns meses de busca, achamos o carro através de um amigo que tinha contatos com antigomobilistas nos EUA. Tratava-se de um Mach 1 quadrijet com motor 351 Windsor (351W). Há, também, modelos 1969 bijet Windsor ou com o motor Cleveland, bem diferente do Windsor, apesar de terem o mesmo deslocamento volumétrico. Sem dúvidas o modelo mais cobiçado dentre os Mach 1 são os Cobrajets, com motor big block. Estes, porém, são raríssimos e muito mais valorizados. Para nós, um 351W quadrijet estava perfeito. O carro saiu de fábrica com a pintura em branco (Wimbledon White) e interior vermelho (dark red), uma combinação perfeita na nossa opinião. O câmbio é automático (modelo FMX) e tinha opcionais bacanas, como os freios e direção assistidos além de diferencial com blocante, como pode ser conferido no seu “Marti Report” (clique aqui para ver).
O mesmo amigo que nos levou em direção a este carro teve a oportunidade de visitá-lo e nos trouxe informações importantes sobre o seu estado atual. O carro teve o seu processo de restauração iniciado e, por isso, algumas peças nele já eram novas. Os paralamas haviam sido trocados, assim como o quarter traseiro e o assoalho do porta malas. No restante, não haviam traços de ferrugem e um funileiro experiente poderia fazer os pequenos reparos adicionais e o alinhamento geral do carro, deixando-o pronto para o preparo para a pintura. Isso, juntamente com a notícia de que o carro era praticamente (mas não totalmente) completo, certamente nos animou. É claro que por “completo” devemos entender que as peças estariam lá, mas não estariam necessariamente prontas para uso. Muitas precisariam de restauro ou substituição. Sabíamos, no entanto, onde estávamos pisando e isso nos deu confiança.
Enfim, estávamos radiantes com a aquisição, contudo, daí a tê-lo em casa foi um parto daqueles. Burocracia pouca é bobagem, como vocês devem imaginar, mas no fim deu tudo certo. O carro chegou e aí rola aquele mixed feeling, saca? Uma mistura de: caraca, que animal! com: putz, vai ser impossível terminar esse carro! A aventura estava lançada, e teríamos que desempenhar o nosso melhor para terminarmos com um carro à altura do nosso sonho de anos anteriores.
Muita água já rolou por baixo desta ponte, e o processo de restauro ainda caminha – ou engatinha – a passos curtos. Nos próximos capítulos contarei para vocês os avanços já feitos e os desafios que ainda estão por vir. Abraços a todos, e até a próxima!
Por Hamilton Roschel, Project Cars #131