Se você pesquisar a respeito da Turismo Carretera, vai encontrar diversos resultados dizendo que se trata da categoria de automobilismo mais antiga do planeta ainda em atividade. “Mas e as 24 Horas de Le Mans?”, talvez você se pergunte. De fato, as 24 Horas de Le Mans acontecem desde 1923, mas só passou a fazer parte do calendário de uma categoria em 1953, quando foi inaugurado o WSC (World Sportscar Championship, ou Campeonato Mundial de Protótipos Esporte). Sendo assim, talvez não seja só o egocentrismo dos argentinos falando.
OK, brincadeira — aqui no FlatOut a gente não fica com esse negócio de bairrismo. E, de qualquer forma, os argentinos têm que se orgulhar mesmo da Turismo Carretera, porque o bagulho é loco mesmo. Imagine só: carros com chassi tubular, bolhas que lembram carros dos anos 1970 e motores de seis cilindros em linha carburados girando a quase 8.900 rpm. Precisa mais?
As raízes da Turismo Carretera podem ser traçadas até 1910, quando o ACA (Automóvil Club de Argentina) realizou uma corrida de quase 700 km entre as cidades de Buenos Aires e Córdoba, por vias públicas. Os vencedores, Juán Casoulet e De Dio Bouton, cumpriram o trajeto em 30 horas e 42 minutos, a uma média de 24 km/h.
Como sabemos, o automóvel evoluiu bastante nas primeiras décadas do século XX, assim como o automobilismo. Nos anos 1930 as corridas de automóveis já eram bastante populares, e em 1937 foi criado o Campeonato Argentino de Velocidade. A ideia era realizar corridas de longa duração em estradas ou, em espanhol, carreteras — daí seu nome. Os percursos, espalhados pelo país, deveriam ter mais de 1.000 km e atingir velocidades superiores a 120 km/h era um dos objetivos (além, é claro, de vencer a corrida). Só poderiam participar carros de carroceria fechada — nada de conversíveis! — com mecânica original, e os cupês Ford e Chevrolet da época dominaram as provas até os anos 1960.
Foi neste período que um certo Juan Manuel Fangio começou a se destacar. Em 1940, aos 29 anos de idade, ele conquistou seu primeiro título com a os 30 anos de idade, ele venceu seu primeiro título na Turismo Carretera pela Chevrolet. Em 1941, Fangio repetiu o feito e tornou-se o primeiro bicampeão da categoria. No ano seguinte, porém, ele acabou indo para a Europa disputar a Fórmula 1. Lá, como sabemos, Fangio foi bom o bastante para conquistar seu lugar entre os melhores de todos os tempos.
Um dos carros mais conhecidos desta época é o cupê Ford conhecido como La Galera que, em 1963, ficou famoso por ser o primeiro carro de Turismo Carretera a ultrapassar os 200 km/h.
A fórmula seguiu praticamente inalterada até a década de 1970, quando os carros dos anos 1930, já bastante gastos e cansados, começaram a ser substituídos por modelos mais modernos, como o Ford Falcon (o modelo argentino), o Chevrolet Chevy (como o Chevrolet Nova era chamado na Argentina) e o Dodge GTX (modelo endêmico do mercado argentino cuja história contamos aqui), além do IKA Torino, modelo argentino fabricado pela Renault com plataforma AMC e motor seis-em-linha Willys. Esta época, contudo, foi marcada mesmo pelos primeiros protótipos-esporte a competir na Turismo Carretera.
Começou em 1967, quando o regulamento passou a permitir todo tipo de modificação nos carros — algumas equipes começaram a construir carros com chassi tubular projetado sob medida, utilizando mecânica de modelos conhecidos. Os motores mais populares eram os seis-em-linha Ford e Chevrolet.
Nos anos 1980, foi fundada a ACTC, a Asociación Corredores Turismo Carretera. Com isto, a categoria começou a ficar mais profissional, e foi também nesta época que começaram as primeiras manifestações de preocupação com a segurança dos pilotos — algo que, em 1990, ocasionou a migração definitiva dos circuitos de rua para autódromos fechados.
É claro que os mais tradicionalistas chiaram, mas no fim das contas as provas continuaram sendo um sucesso absoluto de público. Na verdade, foi justamente depois da mudança que a rivalidade entre Ford e Chevrolet — mais alguém aí lembrou dos australianos e sua V8 Supercar? A rixa chega até as torcidas — não é raro fãs de marcas rivais chegarem às vias de fato, mas brigas entre torcidas (as chamadas hinchadas) são seriamente desencorajadas pela organização.
Os carros dos anos 1970 ainda eram utilizados, mas com o passar dos anos deram lugar a bolhas cujo desenho imitava as carrocerias antigas. Debaixo delas, há estruturas tubulares mais modernas e seguras, que são utilizadas até hoje.
Mecanicamente, porém, a Turismo Carretera ateve-se à velha escola. Até hoje são usados motores de seis cilindros em linha carburados. Em 2008, as equipes ainda acertavam os motores na estrada, e até 2014 eles ainda tinham válvulas atuadas por varetas — só em 2015 é que passaram a usar comando duplo no cabeçote. Atualmente, os motores têm deslocamento único, de 3,2 litros, e potência em torno de 450 cv. Com curso dos pistões reduzido, eles giram rápido, beliscando as 9.000 rpm, e o ronco produzido é um deleite para ouvidos gearheads. Saca só:
Não é à toa que os argentinos gostam tanto dessa brincadeira. Mas a gente não tem inveja, OK?
Agradecemos a Milton Pecegueiro Rubinho pelas informações!